domingo, 28 de abril de 2013

O Acaso


Se colho o que plantei
E se mereço o que tenho
Acolho os erros que errei
E de julgar me abstenho.

Não obstante a sorte
Existe e tanto varia
Que afeta a vida e a morte
O ser que foi ou seria.

Seu nome é também acaso
A variável que o dia
Muda ao capricho do prazo
De quem trabalha ou vadia.

Seu nome é também fortuna
Que leviana premia
O pleno quanto a lacuna
Texto barato ou poesia.

A mim me importa o que colho
Escolho que me retém
Aquém do que amo e escolho
E sigo sem mais ninguém.

Recife, 28 de abril de 2013.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Princípios de sabedoria


Se eu fosse um homem sábio, minha vida seria regida pelos princípios que abaixo especifico:
1 – O sentido da minha vida seria fundado no meu eu. Um dos erros mais insensatos em que incorremos é o de fundar esse sentido em algo fora de nós. Com o perdão da terminologia pedante, traduziria este princípio como o da autonomia ontológica.
2 – O ser deve realizar-se regido antes pela vontade do que pelo desejo ou o prazer. O desejo privado de potência é a via mais curta para a nossa infelicidade.
3 – Nunca aprisionar a realização do ser em um ideal absoluto, seja ele o amor, o poder, a família, a riqueza material, a utopia política, a religião...
Comentando livremente os princípios acima, arrisco-me a dizer que os únicos homens que os realizaram foram Sócrates, Montaigne e Spinoza. Embora fosse cristão, Montaigne elegeu Sócrates como seu modelo, não Cristo. Aliás, acho que Sócrates está para a tradição filosófica ocidental assim como Cristo está para a tradição cristã.
Transpondo o comentário para o mundo em que vivemos, penso que as tendências culturais dominantes desdobram-se no lado avesso dos princípios acima expostos. Se estou certo e os princípios que postulo têm validade, resta logicamente concluir que estamos vivendo na contracorrente de qualquer possibilidade de uma vida sábia. Traduzindo de um modo mais corrente, cavamos nossa infelicidade enquanto nos iludimos supondo viver em conformidade com “qualidade de vida” e outros clichês publicitários. Embora tanto falemos em autonomia e liberdade individual, em liberdade de escolha e outros belos ideais, pouco notamos o quanto vivemos regidos pela heteronomia ontológica, para dizer o avesso do que acima designei como autonomia ontológica.
Quanto à relação entre a vontade e o desejo, friso nada ter contra este. Pelo contrário, seria ótimo vivermos em conformidade com nossos desejos, ou realizar nossos desejos mais importantes. O problema é que a cultura hedonista dominante no presente promove a ilusão sistemática da realização do desejo, não importando qual seja. Num mundo reduzido ao império da mercadoria, realizar nosso desejo significa, trocando em miúdos, ter o poder de comprar. No caso, não só confundimos o ter com o ser, mas vivemos como se o princípio da nossa potência de realização do desejo, qualquer desejo, residisse no nosso poder de compra.
Em suma, ter é ser e ter é deter a potência de comprar. Esta me parece ser a fonte primacial da nossa infelicidade, da nossa insatisfação que se nutre do consumo insaciável. Somos infelizes e permanentemente insatisfeitos porque somos prisioneiros de uma ordem de funcionamento da realidade fundada na busca insaciável do desejo. O desejo não pode nunca alcançar sua satisfação, pois assim o funcionamento do sistema de consumo se esgotaria. Esta lógica, expressa em termos de mercado, é extensiva à totalidade da nossa experiência subjetiva, já que ela foi aprisionada pelas regras universais do mercado. Num mundo onde tudo tem preço, perdemos a noção do nosso valor não monetário. Não é portanto à toa que nosso valor passou a ser mensurado pelas leis do mercado. Tudo aparenta reduzir-se a duas perguntas que governariam nossas vidas: qual é o seu preço? Por quanto você se vende?

Recife, 24 de abril de 2013.

sábado, 20 de abril de 2013

Curitiba


Tão pouco a ti te conheço
E entanto tanto me atrais
Por ti meu pouso eu esqueço
E digo te quero mais.

Tuas mulheres tão lindas
Travam-me o passo, a visão
E sonho nas noites findas
Retê-las no coração.

Mulheres de Curitiba
Passando indiferentes
Não sabem da lenda antiga
Cegando a visão que sente.

Mulheres de Curitiba
Por que me deixam demente
Se elas se vão e o que fica
É o meu desejo doente?

Mulheres de Curitiba
Ardendo no sol tão frio
Tecem no ar essa intriga
Ferindo meu ser vazio.

Curitiba, 17 de abril de 2013

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Solidão e Curitiba


A solidão, Curitiba
É fria com céu nublado.
Mas é de sempre. É a vida
Sem teu futuro ou passado.

Também liberta do espaço
É só real e presente
Passa à medida que passo
Sente o que o ser em mim sente.

A solidão, Curitiba
Existe além da cidade.
É sempre igual. Tão antiga
Que ri da felicidade.

A solidão, Curitiba
Nada te dá ou te quer
Castiga tudo que é vida
Atando o barco à maré.

A solidão, Curitiba
É uma cidade qualquer.
Onde quer que a gente viva
É ela sempre o que é.

Curitiba, 12 de abril de 2013.

domingo, 14 de abril de 2013

O amor na paisagem


O encontro entre mim e a paisagem
Tal era o sortilégio de o viver
Que a tarde se fechava na estiagem
E a noite se fundia em meu querer.

Havia uma harmonia tão secreta
Entre paixão de ser e amanhecer
Que a luz da madrugada antes discreta
Pintava em teu olhar um entardecer.

Que mistério, amor, havia então
No elo que atava o coração
Às cores da paisagem que floria?

A luz sobre teu corpo desmaiava
E enquanto de prazer eu me afogava
O fogo da paisagem renascia.

Recife, 21 de dezembro de 2012.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Indivíduo e meio social


Há um desacordo irredutível entre o que somos por dentro, e até por fora, e o modo como a opinião alheia nos aprecia. Ser livre, na medida em que isso é possível, é libertar-se da tirania da opinião que não só nos vê como não somos, mas também nos escraviza à semelhança do que ela vê. Essa subordinação do indivíduo aos ditames da sociedade, ou do meio social, é corriqueira e de ordinário inconsciente, sobretudo num mundo governado pela ilusão da autonomia individual, por clichês publicitários segundo os quais somos livres para ser na vida o que quisermos. A medida da minha liberdade é a medida do meu desejo, eis o que a todo instante reiteram para nos venderem toda a sorte de produto. Lembrando Montaigne, convém não subestimar a medida da nossa cega adesão aos hábitos e convenções sociais. Por isso tantos reiteram impensadamente a ilusão de uma ordem de liberdade que não passa de automatismo induzido pela indústria do consumo.

Durante muito tempo de minha vida dei importância demasiada à opinião do outro, à sua apreciação equívoca, tantas vezes leviana e infundada, e às expectativas com que cercava minhas ações, não raro determinando-as, induzindo-me a fazer não aquilo que mais autenticamente me traduzisse, mas o que convinha à sua compreensão estreita, capricho ou mera rotina. Como se de algum modo assim me comandasse: seja assim simplesmente porque é assim que somos, ou porque se espera que assim sejamos. Foi talvez o excesso de desajuste prematuro dentro de uma comunidade mesquinha, ou a medida de uma excentricidade e estranheza que não escolhi, nem a princípio tive delas consciência, o que me impeliu a buscar vias de fuga e expressão humana orientadas para a realização do indivíduo chamado Fernando da Mota Lima.

Um dos fatos humanos que me persuadem da insuficiência das explicações sociológicas, embora seja eu um profissional desta discutível ciência, a sociologia, é a espantosa diversidade, e imprevisibilidade dos modos como o indivíduo reage às condições do meio. Quando o sociólogo teoriza sobre essa ordem de fatos sociais, invariavelmente sobrepõe o meio ao indivíduo. Isso independe de sua orientação teórica, que no contexto importa apenas para determinar os variáveis graus de subordinação do indivíduo ao meio, ou à sociedade. Admito que esta proposição geral é verdadeira quando aplicada à média humana convencional. Os indivíduos que todavia se distinguem em todas as formas de relação e expressão social distinguem-se precisamente por contrariarem a proposição acima enunciada.

Não me refiro apenas ao indivíduo identificado pela ação heroica ou a excepcionalidade que o diferencia da massa ignara e conformista. Longe de mim a intenção de reivindicar uma concepção sociológica do herói ou do indivíduo extraordinário. Se é fato que ambos ratificam minha tese, não é fato que neles prioritariamente me baseie para sustentá-la. Penso antes em indivíduos comuns, no sentido de que se dissolvem no anonimato das massas. Noutras palavras, não gozam de nenhum tipo de fama ou reconhecimento social que lhes transportem o nome e a identidade para além do círculo em que suas vidas se manifestam. Privados embora de fama, ou qualquer tipo de glória, esses indivíduos existem contrariando com sua existência distintiva o suposto império que o meio sobre eles exerce. Não chegam a constituir uma multidão, fato que por certo representaria uma constante ameaça à ordem convencional da sociedade, mas não são tão minoritários quanto presumem os cultores do indivíduo herói. Posso dizer que conheci vários nos meios e nas circunstâncias mais diferenciadas a até imprevisíveis. A experiência que neles identifico e assimilo não concorre em nenhum sentido sociológico para a elaboração de uma teoria passível de explicar os modos fundamentais da relação indivíduo e sociedade. Seria absurda tamanha pretensão. Meu simples propósito é alertar contra qualquer ambição de determinismo sociológico.

Se o argumento acima esboçado tem alguma consistência, insisto em sustentar que tem, meu ponto de vista em defesa de um certo quinhão de autonomia e liberdade individual funciona como um antídoto para qualquer concepção determinista, para qualquer perspectiva pessimista levada ao extremo da impotência individual em face dos poderes do mundo. Apesar de tudo, apesar antes de tudo do meu próprio ceticismo, nunca duvidei de que o indivíduo pode realizar na vida algum ideal de liberdade que o distinga do conformismo corrente, da adesão resignada à ordem social, à opinião servil que o quer ratificando as expectativas falsamente sólidas do teatro social que representamos.

Diário, Recife, 02 de agosto de 2004.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Tereza da praia

Luciano Oliveira (voz) e Fernando da Mota Lima (voz e violão) cantando Tereza da Praia, de Tom Jobim e Billy Blanco. A gravação, improvisada sem qualquer ensaio prévio, solicita por isso a boa vontade do ouvinte. Agradeço a Mári Ribeiro, autora da gravação. O local foi o apto. dela e de Giulia. Recife, novembro 2012.