segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

No Mural do Facebook VII


A Política e a Degradação da Língua Portuguesa:

Como a operação Lava Jato e suas derivações ideológicas parecem já não saciar nossa sede de ódio, o incidente envolvendo Chico Buarque caiu como uma luva nos punhos fechados do país intolerante que curiosamente é de todos e mistura tudo. O que vejo correndo no mural do Facebook lembrou-me um ensaio de George Orwell sobre a degradação da língua inglesa . Sei que para muita gente George Orwell é ainda um agente da CIA e coisas semelhantes. É outro sintoma da nossa paralisia ideológica que me faz ir adiante enquanto os cães ladram.
Alguém que já admirei afirmou que temos muito a aprender com os intelectuais. É um juízo típico de quem não aprendeu nada com a história. Por isso retruco: depende do intelectual, depende de quem você fala. Acreditei ingenuamente na minha juventude que os intelectuais eram a consciência da sociedade. A única coisa que desculpa meu erro é minha ignorância. Hoje a única coisa que me faz continuar acreditando nos intelectuais é o fato de saber que os intelectuais canalhas acabam sempre desmascarados por outros intelectuais. Leiam os livros de revisão histórica.
Indo ao que importa, vamos de mal a pior. A direita e a esquerda, seja lá o que isso hoje signifique, continuam vertendo ódio como se a gente aludisse a conceitos claros e precisos como vieram do berço, isto é, do alvorecer da Revolução Francesa. Quem diz isso é de direita, quem diz aquilo é de esquerda e estamos conversados. Nunca se falou tanto em fascismo. É grave ler pessoas escoladas, intelectuais e professores, a chamada elite intelectual brasileira, usando este termo a troco de tudo e de nada. Só quem ignora a história catastrófica do séc. xx, só os ignorantes ou dogmáticos recorrem a este termo com tamanha frivolidade.
E por aí vamos. Poderia multiplicar os exemplos ao infinito. mas sei que ninguém tem tempo para ler nada além de dois parágrafos no Facebook. reitero apenas este fato que Freud e outros homens lúcidos observaram em distintos momentos históricos: nada como um motivo aparentemente nobre para justificar nossa cruel necessidade de um objeto de ódio. Odeie, mon semblable, mon frère (Baudelaire: meu semelhante, meu irmão) porque sua causa é nobre e você se sentirá iluminado pela justiça humana, talvez divina.
(Postado no Facebook, 26 de dezembro 2015)

O País do Futuro:
É muito fácil ser profeta no Brasil. Basta prever o pior. Imodéstia à parte, essa é a futurologia que pratico. Observo o que os ídolos da minha geração estão fazendo, eles que tão corajosamente se opuseram à ditadura, e concluo: como tantos se envilecem quando envelhecem. Já nada deploro nem me desolo porque os céticos, desde Sócrates e Montaigne, temperaram minha experiência com a dúvida e a tolerância. Alguns dos que politicamente me decepcionam legaram ao Brasil obras intelectuais e artísticas preciosas. Fico com estas e desprezo a vilania dos seus criadores.
Quem busca a verdade procura ser fiel aos e fatos e evidências. Reescrevendo Tony Judt, um marxista que teve a integridade ética e intelectual de refutar o marxismo, quando os fatos mudam, devemos aderir à verdade dos fatos, não às ilusões e equívocos da ideologia na qual nos formamos. Não me envergonho por eles porque não sou comissário das suas consciências nem sou o povo que invocam para incorrer em todo tipo de iniquidade.
(Postado no mural do Facebook, 22 de dezembro de 2015).

A corrupção brasileira:
Tinha decidido não mais opinar neste mural, especialmente sobre as turbulências políticas que vivemos e se agravam. Até escrevi para amigos como Ester Aguiar e Adelino Montenegro declarando isso. Sempre desejei participar do mural inspirado por princípios de crítica isenta que concorressem para civilizar nosso debate público (será que existe?) e intervir num jogo de esclarecimento recíproco. Como isso é raro, saí do mural. Mas volto hoje já pela segunda vez porque às vezes é impossível refrear o desejo de dizer o que penso. Há pouco li um post compartilhado por Jeanine Japiassu e Gislaine Andrade. É sobre uma das muitas ironias da nossa história recente: Lindbergh Farias, líder do movimento de massas pela deposição de Fernando Collor, é agora investigado e foi dos poucos que votaram contra a prisão do senador (esqueci o nome dele).
Ora, falar de ironia histórica em casos dessa natureza é apenas um eufemismo. Afirmo que essas práticas corruptas, que convertem os honestos de ontem em corruptos de hoje, estão entranhadas na nossa formação cultural. Caso mais exemplar é o da parelha Lula e Collor (lembrem novamente o passado recente) e ainda o de Lula e Lulinha. Tal pai, tal filho, como diz o dito popular.
Ninguém precisa fazer um curso de história do Brasil, ou da nossa formação cultural (lembrem apenas Os donos do poder, de Raimundo Faoro, e Raízes do Brasil, do pai de Chico Buarque, esse artista extraordinário que sempre conferiu endosso moral ao PT e às ditaduras de esquerda da América Latina e continua calado) para ter noção das bases corruptas deste país. Sugiro que leiam Machado de Assis, em particular Memórias Póstumas de Brás Cubas. A esquerda da minha juventude era tão burra e sectária que desprezava Machado como negro de alma branca e sandices semelhantes. É por constatar que tudo isso se repete na nossa história que desisto de argumentar e me recolho ao meu silêncio, que nada tem a ver com o de Marilena Chaui, a paladina da ética da transparência petista.
(Postado no Facebook, 29 de novembro de 2015).

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Letícia Teles Sampaio


Letícia Teles Sampaio
Caiu sobre mim assim:
Como se fosse um raio
Sopro suspiro desmaio
Me desavindo de mim.

Letícia Teles Sampaio
Entrou sem pedir licença
Como soluço, doença
Facho de luz e demência
Flor no frescor da inocência
Verão num jardim de maio.

Letícia Teles Sampaio
Que faço agora de mim?
Não sei se entro, se saio
Se no teu gozo desmaio
Se sol no teu céu ou raio
E eis-me perdido de mim.

Recife, junho 1994.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Marcela Viaja


Eu vou pra Serra Talhada
Sozinha pela estrada
Em noites de solidão
E ao mundo aceno meu lenço
Retendo o que muda penso
E sinto na escuridão.

O mundo dá tantas voltas
E em suas águas revoltas
Drena o amor e o sonho
Drena o que fui e queria
Mas resta o sopro, a poesia
No que perdida reponho.

A estrada é longa e comigo
Vou viajando e sigo
As curvas do meu caminho.
Há tanto que viajar
Mas o que busco é achar
A rota de um outro ninho.

Às vezes na madrugada
Na estrada silenciada
Choro saudades da vida
Que foi tão outra e enganosa
Mas coloria na prosa
A dor de uma flor traída.

Mas sei que a estrada amanhece
E outra paisagem floresce
No chão da viagem só.
Outras cidades virão
Cantar comigo a canção
Que varre a sombra e o pó.

E já não canto sozinha
Traçando as curvas da linha
Que segue pro litoral.
Sei de outros modos de canto
Feitos de riso e de pranto
De fado meu, tropical.

Recife, 04 / 06 / 2007

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Se nos oriente


Valéria, o que valeria
o metro desta poesia
que à luz da tarde improviso?
Como moldar, traduzir
esse desejo de ir
além do que já preciso?

Preciso dar luz e forma
à prosa que vai e torna
a enredar-te com Freyre.
Essa viagem tão linda
vai do Oriente a Olinda
do latifúndio ao alqueire.

É variante de ensaio
novena em noite de maio
essa confessa pulsão
que faz de Freyre e de ti
um sonho de ir e vir
doutro Brasil à paixão

que arde em teu coração
fundindo afeto e razão
o Outro e seu Ocidente.
Tudo mal feito e transcrito
o que aqui vai e dito
tão pouco é que desmente

o que intentei versejar
entre te ler, te amar
nas linhas da amizade
que há tanto nos concilia.
Mas onde a arte, a poesia
no sopro, na luz do dia
que nos irmana em saudade?

Recife, 2 de dezembro de 2011.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Id e Super-ego


Isso e aquilo
São fantasias
Que a gente inventa
No carnaval.

Sem medo ou grilo
Só poesia
A gente tenta
Não se dar mal.

Id é você
Eu super-ego
O que fazer
Em pleno frevo?

Eu punitivo
Você sem freio
Quem o mais vivo
Quem o mais feio?

Quem concilia
N`alta folia
Estas metades
Assim cindidas?

Se o id um dia
Só por poesia
Curtisse a vida
Com o super-ego
E o super-ego
Não mais punisse
Nem se punisse
Batendo prego.
Essa harmonia
Por fim seria
Teu e meu ego.


Recife, 07-02-2002.

domingo, 25 de outubro de 2015

Paris


Subi aos céus de Paris
Prá ver se via você.
Saudade entra e não diz
Que é dor de não ver você.
Pulei nas águas do Sena
Sonhando encontrar você.
Cruzei as águas (que pena!)
Perdi Paris e você.
II
Ai, Notre Dame, me chama
Me faz de novo feliz
Me deita na tua cama
E me transporta de volta
Pros seios de Lollobrigida
Sob esses céus de Paris
Com que menino eu sonhei.
Faz-me de novo feliz
Faz do que fui, do que quis
Um outro modo de fé.
Nos seios de Lollobrigida
O espírito sopra onde quer.
III
Eu que sonhei ser eterno
Sequer tornei-me moderno.
De costas pra Torre Eiffel
Num barco ao longo do Sena
Misturo mel no meu fel
Quarenta e três vale a pena.
São anos, não mais meus sonhos
Traçando rotas de fuga.

Paris, 1992.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Biografia de um tirano


When he laughed, respectable senators burst with laughter,
And when he cried the little children died in the streets.
Auden
Filho de mãe devota e pai alcoólatra
Da primeira herdou a Bíblia
Do segundo a brutalidade.
Ainda bem jovem, trocou a fé ortodoxa
Pela ortodoxia marxista.
Líder de uma gang na Georgia
Cedo aprendeu a roubar e matar
Em nome da Causa e da Utopia.

Guardião da paz e benfeitor da humanidade
Guia genial dos povos
Quando sorria ou aplaudia
(apenas por dever do ofício)
Milhões de kulaks tombavam nos campos congelados
E crianças morriam de fome.
Irmãos de armas e revolução eram fuzilados
E milhões de proletários afundavam
Nos porões da escravidão.

Milhões de desamparados choraram órfãos
Também milhares de intelectuais autodelegados portadores da Utopia
Quando morreu vítima da própria crueldade e paranóia.
Seu nome era Stálin.
Recife, 15 de setembro 2015.