segunda-feira, 18 de abril de 2016

No Mural do Facebook IX


Chico Buarque e a traição dos intelectuais:

Raramente compartilho um post. A razão é simples: criei esta página no Facebook para os links dos artigos e poemas que escrevo, além de posts eventuais relativos a questões que me impelem a opinar publicamente. Compartilho este (Aludo ao post de José Ruy Gandra postado na sua página do Facebook, 2 de abril de 2016) por considerá-lo oportuno e verdadeiro, além de valer como evidência da traição dos intelectuais no momento da mais grave crise da República brasileira.
Não preciso dizer o quanto amo e admiro a obra musical de Chico Buarque. É também por isso que exponho o quanto ele merece ser criticado nos planos ético e político. Millôr Fernandes, o intelectual mais livre deste pais de intelectual servil, sintetizou a grande falha moral de Chico. Disse mais ou menos isto: "Desconfio de todo idealista que lucra com os seus ideais. Chico Buarque lucra com os seus. Ele não pode dizer o mesmo de mim". Isso está documentado na entrevista que Millôr concedeu ao programa Roda Vida, disponível no You Tube. Chico desfigurou ainda sua biografia, que já foi exemplar, quando apoiou um movimento vergonhoso, liderado por Roberto Carlos, visando censurar obras biográficas. É irônico que tantos que o admiram louvem sua integridade ética. Lamento escrever isso contra um artista que tanto admiro.
(postado no Facebook, 2 de abril 2016).

O que farão os que estão com o mal?
Excelente o seu post, Jairo José da Silva (aludo a um post de tema semelhante postado na sua página no Facebook, 31 de março 2016). Também já me perguntei o que farão os que seguem o mal ou o praticam, os que silenciam ou defendem de todos os modos aqueles que elevaram o mal na vida política brasileira a um grau sem precedente, quando a verdade definitiva e irrefutável se impuser? Sempre procurei compreender o funcionamento obscuro e tenebroso da irracionalidade humana nas esferas da religião, da política e do amor. À parte o último, fonte dos momentos de maior beleza, diria até epifania da minha vida, não tenho jeito para as duas primeiras. O que nelas mais me fascina e até atormenta é o modo complexo de manifestação da irracionalidade humana.
Tanto me indago sem resposta satisfatória que chego à seguinte conclusão: o ser humano é em princípio capaz de tudo, capaz de racionalizar, no sentido freudiano do termo, os horrores mais inconcebíveis.
Já tentei empatizar com o ser nazista (mon semblable, mon frère), nas suas zonas mais obscuras, para compreender como ele conseguia mover-se da "rotina do seu trabalho", incinerando judeus, para o seio da família, onde se comportava como um ser humano comum. Aliás, os mais refinados iam tocar Beethoven e Mozart, ler Goethe etc. Os mais afetuosos eram pais amorosos exemplares. Se eram capazes disso, de que não é o canalha brasileiro que hoje se cala ou fecha os olhos, protege corruptos, acoberta criminosos, etc? Ele dará um jeito de continuar vivendo bem com sua consciência repulsiva, Jairo José da Silva. Por isso há muito tento pensar na questão avessa: por que há felizmente os que dizem não, os que se recusam, os que amam quando o amor é aviltado, os que buscam a verdade num mundo corrompido pela mentira?
(Postado no Facebook, 01 de abril 2016).

O Culpado é Sergio Moro:
A guerra ideológica que o PT, sob o comando de Lula e Dilma, está movendo contra os processos de investigação, notadamente a Lava-Jato, está se tornando tão implacável e suja que até parece que o culpado é Sergio Moro, que ele é quem deve ser sumariamente punido. Lula e sobretudo Dilma denunciam de forma sistemática e caluniosa o processo de impeachment. Para eles, ouvimos todos os dias, impeachment é golpe.
As refutações pertinentes e acima de tudo civilizadas de vários dos membros do STF, somadas à voz de muitos juristas e estudiosos, concorrem apenas para reforçar o suposto anti-golpismo do PT. Visando desacreditar as instituições legais que asseguram a estabilidade da democracia amparada nas leis competentes, Lula e Dilma, além de outras lideranças políticas de peso, estão de fato incitando a ilegalidade e, no limite, a violência e a convulsão social.
Recusando-se a reconhecer a autoridade constituída do STF, da Ordem dos Advogados do Brasil, que apoia quase por unanimidade o processo de impeachment, e outras instituições, Lula e Dilma incitam seus seguidores a reagir contra um suposto golpe. Como antes escrevi, são os únicos líderes políticos que promovem ostensiva e reiteradamente a ilegalidade e a rebelião coletiva contra as leis que regem nossa frágil democracia. Operando uma perversa inversão de valores, quem não está com eles é golpista e portanto inimigo da democracia. A julgar pelo trote da carruagem, acabaremos concluindo que os culpados de tudo isso são o Judiciário, Sergio Moro e a Polícia Federal. Direi mais: são também culpados todos os brasileiros que foram às ruas e continuam se manifestando em defesa do livre exercício das atribuições conferidas pela Constituição às instituições mencionadas e o juiz Sergio Moro, que a voz popular converteu em símbolo dos ideais de justiça que encarnam.
(Postado no Facebook, 27 de março 2016).

O ódio dos idealistas:
Freud, que conheceu como poucos o mal constitutivo da natureza humana, perguntou sabiamente o que os revolucionários russos fariam depois que matassem todos os burgueses. Vocês acaso já pensaram o quanto é sintomático que a ideologia (o comunismo) que prega a redenção da humanidade (abolição das classes sociais, justiça social universal etc) sempre agiu movida pela convicção de que a história humana é a história das lutas de classe? Já pensaram no fato de que sua ética autoriza o uso de qualquer meio (desde a calúnia e a difamação até a supressão de quem não está do lado dela) para que se atinja o ideal supremo: a revolução redentora?
Quem sabe um pouco de história (não é o caso da chamada esquerda brasileira) conhece o enredo dessa revolução redentora: o Estado "proletário" regido pelo partido único, a supressão de todas as garantias individuais (isso não passa de liberdade burguesa) e por fim a instituição do totalitarismo em nome dos mais belos ideais humanos.
Transpondo essa moldura ideológica para a crise política que vivemos, o PT vive clamando contra a intolerância, o golpismo, o Estado policial imposto pelo Judiciário. Faz isso e muito mais acionando um movimento de permanente guerra ideológica. Não ia mais perder tempo tentando discutir política civilizada neste mural. Sucede, porém, que acabo de ler um post denunciando a ação intolerante dos que impediram o juiz Sergio Moro de dar aula na Universidade Federal do Paraná. Pouco antes, como bem protestou Helga Hoffmann, José de Souza Martins, um dos mais ilustres sociólogos brasileiros, foi impedido de dar aula na USP. Ele incorreu no crime de conceder uma entrevista à revista Veja na qual procede a uma síntese analítica da história do PT e sua gradual dissolução ética. De passagem, esclareceu por que nunca se filiou ao PT, nem mesmo nos bons tempos: o intelectual crítico e o intelectual militante são incompatíveis. Correto.
Sei que meu protesto terá o destino habitual: o apoio de quem já pensa como eu e a indiferença ou o desprezo dos que aqui denuncio. Concluo afirmando que vivemos um momento de traição dos intelectuais, lembrando a obra-marco de Julien Benda, sem precedente na história intelectual brasileira. Os maiores responsáveis pelo silêncio cúmplice ou a defesa cega dos corruptos são os intelectuais acadêmicos. Essa casta não tem e nunca teve ideias; tem abstrações ideológicas na cabeça. Mas não esqueçam de que é ela quem educa os jovens. Isso também ajuda a explicar, pela primeira vez na história política do Brasil, o silêncio das universidades. Os poucos que se pronunciam o fazem em defesa do que precisa ser combatido. Concluindo, a corrupção não está apenas nos palácios e partidos. Ela corrói o conjunto da sociedade brasileira.
(Postado no Facebook, 23 de março 2016).

sexta-feira, 15 de abril de 2016

No Mural do Facebook - VIII


O lugar comum depois das manifestações:

As manifestações contra a corrupção, Lula, Dilma etc, estão ainda em curso, inclusive a de São Paulo, que é a mais importante. Ainda assim, gravo aqui os lugares comuns que a observação da realidade me sugere:
A voz do povo não é a voz do PT.
A jararaca botou o rabinho entre as pernas.
A vontade espontânea do povo não quer esse poder sujo que está aí nem endossa as alternativas visíveis. A voz popular não quer o que está aí, mas também não sabe ainda o que quer. Melhor dizendo, recusa todos os partidos e alternativas constituídas. A única unanimidade positiva parece ser o apoio a Sérgio Moro e tudo que ele simboliza de novo na política e na sociedade brasileira.
Felizmente a militância petista criou um pingo de juízo, botou o pé no freio e não partiu para a porrada. Lula nunca foi paz e amor. A maioria do povo é.
Ou o povo já não está com o PT ou então o povo não está nas ruas. Se o povo não está nas ruas, então essa multidão é a elite que odeia o povo e o PT.
A cabeça da jararaca está ficando careca.
Tem mais não.
(Postado no Facebook, 13 de março 2016).

O culpado é Hegel:

Já vi aqui tanta postagem sobre o tropeço dos magistrados que confundiram Hegel com Engels que acabarei me convencendo de que o que está em jogo é Hegel, ou melhor, a ignorância dos promotores. Que tal a gente esquecer tudo que verdadeiramente importa e propor a Faustão ou qualquer desses educadores das massas brasileiras uma sabatina sobre o idealismo alemão, Hegel, Marx, Engels, Lenin (não confundir com o cantor), etc?
Já disse que sou contra a entrevista dos promotores e as medidas que recomendaram à autoridade competente. Portanto, posso criticar esse show de hegelianismo vulgar como mero diversionismo ideológico. No mais, é estranho que os petistas tanto se encrespem e malhem a ignorância de um grupo de promotores que com razão lhes inspiram ódio. Mas isso não condiz com quem tem como líder um político que sempre brandiu com orgulho sua ignorância e nunca mediu palavra nem grosseria quando se pronunciou publicamente. Para quem não tem memória, e hoje no Brasil parece que toda memória está se tornando sectária, basta lembrar o que ele disse no Instituto Lula logo que saiu da condução coercitiva. Não se corrige uma "menas" a verdade com ignorância, muito menos com mentiras arrogantes.
(Postado no Facebook, 11 de março 2016).

A Ética da Guerra Ideológica II:

Ontem li aqui no mural do Facebook uma denúncia caluniosa contra o juiz Sergio Moro. Lamento declarar que a denúncia procede de Marcos Costa Lima, pessoa querida e muito respeitada no meio acadêmico. Segundo a denúncia, o juiz seria filiado ao PSDB. Marcos acrescenta que o juiz não dissimula sua filiação partidária e seu ódio a Lula e Dilma. Mas a coisa não para por aí, pois acrescenta faltar vergonha e isenção ao juiz cuja filiação partidária explicaria o tratamento leniente ou cúmplice que concede a FHC, Aécio e outros.
Acabo de comprovar, depois de ler um post refutando as acusações feitas por Marcos Costa Lima, que a pessoa em questão é outra, não o juiz. Saltando para os comentários ao post de Marcos, Eduardo de Alencar esclarece que a página não é do juiz Moro, como em próprio comprovei antes de vir digitar este post. Marcos agradece o esclarecimento, mas reitera tudo que escreveu contra o juiz. Também o aluno que lhe forneceu a informação caluniosa, Amarílio Neto, identifica-se rindo sem se desculpar ou admitir qualquer falsidade. Isso é o que chamei aqui de ética da guerra ideológica.
(Postado no Facebook, 8 de março 2016).

A Ética da Guerra Ideológica:

Quanto mais nos avizinhamos do próximo domingo, com manifestações previstas por todo o país, e quanto mais o processo da Lava Jato progride, mais se exacerba a guerra ideológica nas redes sociais. Quem de fato quer passar o Brasil a limpo, quem quer preservar e fortalecer nossas frágeis instituições democráticas não entra nesse jogo sujo da guerra ideológica. Mais do que denúncias infundadas, acusações sem comprovação e até a pura montagem mentirosa, como o vídeo que acabo de ver no qual Paul McCartney supostamente exalta Lula numa entrevista coletiva que prevê a volta deste em 2018, há um clima de crescente promoção da intolerância e da violência.
Lula tem uma grave responsabilidade em tudo isso, pois foi o único líder político de peso que veio a público radicalizar esse clima. A quem serve tudo isso? Serve evidentemente aos extremistas da esquerda e da direita, a todos que lutam para manter o Brasil da intolerância, da impunidade e do atraso. Quem quer um Brasil mais justo e civilizado, defende sem restrições a investigação e punição de todas as denúncias fundadas e comprovadas. Isso deve servir para Lula, FHC, Aécio Neves, Dilma, Eduardo Cunha, todos que cometeram crime contra a democracia e as instituições que a sustentam. Promover guerra ideológica é concorrer para o agravamento da intolerância, da violência, da manutenção do Brasil dos privilégios e da impunidade.
(Postado no Facebook, 8 de março 2016).

A alma honesta:

A alma honesta jamais louva a si própria, muito menos alardeia sua virtude, já que a arrogância é inconciliável com qualquer virtude. Sua natureza consiste na ação, não na fala. A alma honesta não precisa dizer o que é.
Antipascaliana:
A razão tem razões tão ciente
Que o cego coração nem pressente.
Wittgenstein - melhorar o mundo:
Certa vez um discípulo de Wittgenstein perguntou-lhe o que deveria fazer para melhorar o mundo. Melhore a si próprio, respondeu o filósofo, pois isso é tudo que você pode fazer para melhorar o mundo.
(Postado no Facebook, 1 de março 2016).
Oposição política etc:

Faz algum tempo que resisto à tentação de digitar algum post sobre o bananão político brasileiro. Defendo todas as investigações e punições legais, mas não aposto um centavo na oposição que temos, não aposto um centavo na classe dirigente brasileira. Já disse aqui que nossa chamada elite, conceito mais extenso do que o de classe dirigente, não é elite, mas clientela. A frase é de Evaldo Cabral de Mello, historiador que conhece nossa história como poucos.
Volto a escrever porque li alguns posts bebendo uísque. Aí fica bem mais difícil conter meu desejo continuamente refreado de opinar. Quando a oposição começa a se agitar, isso é sintoma de que a vaca há muito está no brejo, assim como Minas, que não tem mar, corre o risco de não ter mais rio. Quase todos são oportunistas e raros podem apontar o dedo contra a bandidagem que está depredando o Brasil em todos os sentidos. Onde estão Marina e Aécio depois de toda a água podre que já rolou sob e sobre as pontes e cidades e palácios e estatais etc e tais? Que líderes alternativos são esses que se apagam na hora em que os verdadeiros líderes se impõem?
Por mais que diga que não mais me decepciono, pois esgotei minha cota de crença, admito que me decepcionei mais uma vez. Não com a bandidagem do PT, já que nunca fui petista nem votei em petista. Decepcionei-me (shame on me!) com intelectuais que nos anos 1970 e 1980 inspiravam-me admiração e respeito. Eles estão aí rastejando aos pés de Lula. Usando a linguagem que todo marxista compreende, não passam de lacaios do PT. E eu que durante tantos anos acreditei que os intelectuais eram a consciência da sociedade. Shame on me!
Mais uma vez me repetindo, quem tem a esquerda que temos não precisa de direita. Essa lenga-lenga sectária que acusa todos os críticos do PT e associados como direitista, fascista, neoliberal et caterva, diz muito da miséria ideológica e moral do Brasil. O buraco é tão mais embaixo que só me resta reiterar meu ceticismo. Defendo integralmente a faxina possível, mas não tenho mais idade nem experiência para me enganar sobre o Brasil. Seria consolador acreditar que nossos males são apenas Lula-Dilma, PT e associados. Como cantava Cazuza, um cantor que nunca ouvi, Brasil, mostra a tua cara. Quando?
(Postado no Facebook, 24 de fevereiro 2016).

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

No Mural do Facebook VII


A Política e a Degradação da Língua Portuguesa:

Como a operação Lava Jato e suas derivações ideológicas parecem já não saciar nossa sede de ódio, o incidente envolvendo Chico Buarque caiu como uma luva nos punhos fechados do país intolerante que curiosamente é de todos e mistura tudo. O que vejo correndo no mural do Facebook lembrou-me um ensaio de George Orwell sobre a degradação da língua inglesa . Sei que para muita gente George Orwell é ainda um agente da CIA e coisas semelhantes. É outro sintoma da nossa paralisia ideológica que me faz ir adiante enquanto os cães ladram.
Alguém que já admirei afirmou que temos muito a aprender com os intelectuais. É um juízo típico de quem não aprendeu nada com a história. Por isso retruco: depende do intelectual, depende de quem você fala. Acreditei ingenuamente na minha juventude que os intelectuais eram a consciência da sociedade. A única coisa que desculpa meu erro é minha ignorância. Hoje a única coisa que me faz continuar acreditando nos intelectuais é o fato de saber que os intelectuais canalhas acabam sempre desmascarados por outros intelectuais. Leiam os livros de revisão histórica.
Indo ao que importa, vamos de mal a pior. A direita e a esquerda, seja lá o que isso hoje signifique, continuam vertendo ódio como se a gente aludisse a conceitos claros e precisos como vieram do berço, isto é, do alvorecer da Revolução Francesa. Quem diz isso é de direita, quem diz aquilo é de esquerda e estamos conversados. Nunca se falou tanto em fascismo. É grave ler pessoas escoladas, intelectuais e professores, a chamada elite intelectual brasileira, usando este termo a troco de tudo e de nada. Só quem ignora a história catastrófica do séc. xx, só os ignorantes ou dogmáticos recorrem a este termo com tamanha frivolidade.
E por aí vamos. Poderia multiplicar os exemplos ao infinito. mas sei que ninguém tem tempo para ler nada além de dois parágrafos no Facebook. reitero apenas este fato que Freud e outros homens lúcidos observaram em distintos momentos históricos: nada como um motivo aparentemente nobre para justificar nossa cruel necessidade de um objeto de ódio. Odeie, mon semblable, mon frère (Baudelaire: meu semelhante, meu irmão) porque sua causa é nobre e você se sentirá iluminado pela justiça humana, talvez divina.
(Postado no Facebook, 26 de dezembro 2015)

O País do Futuro:
É muito fácil ser profeta no Brasil. Basta prever o pior. Imodéstia à parte, essa é a futurologia que pratico. Observo o que os ídolos da minha geração estão fazendo, eles que tão corajosamente se opuseram à ditadura, e concluo: como tantos se envilecem quando envelhecem. Já nada deploro nem me desolo porque os céticos, desde Sócrates e Montaigne, temperaram minha experiência com a dúvida e a tolerância. Alguns dos que politicamente me decepcionam legaram ao Brasil obras intelectuais e artísticas preciosas. Fico com estas e desprezo a vilania dos seus criadores.
Quem busca a verdade procura ser fiel aos e fatos e evidências. Reescrevendo Tony Judt, um marxista que teve a integridade ética e intelectual de refutar o marxismo, quando os fatos mudam, devemos aderir à verdade dos fatos, não às ilusões e equívocos da ideologia na qual nos formamos. Não me envergonho por eles porque não sou comissário das suas consciências nem sou o povo que invocam para incorrer em todo tipo de iniquidade.
(Postado no mural do Facebook, 22 de dezembro de 2015).

A corrupção brasileira:
Tinha decidido não mais opinar neste mural, especialmente sobre as turbulências políticas que vivemos e se agravam. Até escrevi para amigos como Ester Aguiar e Adelino Montenegro declarando isso. Sempre desejei participar do mural inspirado por princípios de crítica isenta que concorressem para civilizar nosso debate público (será que existe?) e intervir num jogo de esclarecimento recíproco. Como isso é raro, saí do mural. Mas volto hoje já pela segunda vez porque às vezes é impossível refrear o desejo de dizer o que penso. Há pouco li um post compartilhado por Jeanine Japiassu e Gislaine Andrade. É sobre uma das muitas ironias da nossa história recente: Lindbergh Farias, líder do movimento de massas pela deposição de Fernando Collor, é agora investigado e foi dos poucos que votaram contra a prisão do senador (esqueci o nome dele).
Ora, falar de ironia histórica em casos dessa natureza é apenas um eufemismo. Afirmo que essas práticas corruptas, que convertem os honestos de ontem em corruptos de hoje, estão entranhadas na nossa formação cultural. Caso mais exemplar é o da parelha Lula e Collor (lembrem novamente o passado recente) e ainda o de Lula e Lulinha. Tal pai, tal filho, como diz o dito popular.
Ninguém precisa fazer um curso de história do Brasil, ou da nossa formação cultural (lembrem apenas Os donos do poder, de Raimundo Faoro, e Raízes do Brasil, do pai de Chico Buarque, esse artista extraordinário que sempre conferiu endosso moral ao PT e às ditaduras de esquerda da América Latina e continua calado) para ter noção das bases corruptas deste país. Sugiro que leiam Machado de Assis, em particular Memórias Póstumas de Brás Cubas. A esquerda da minha juventude era tão burra e sectária que desprezava Machado como negro de alma branca e sandices semelhantes. É por constatar que tudo isso se repete na nossa história que desisto de argumentar e me recolho ao meu silêncio, que nada tem a ver com o de Marilena Chaui, a paladina da ética da transparência petista.
(Postado no Facebook, 29 de novembro de 2015).

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Letícia Teles Sampaio


Letícia Teles Sampaio
Caiu sobre mim assim:
Como se fosse um raio
Sopro suspiro desmaio
Me desavindo de mim.

Letícia Teles Sampaio
Entrou sem pedir licença
Como soluço, doença
Facho de luz e demência
Flor no frescor da inocência
Verão num jardim de maio.

Letícia Teles Sampaio
Que faço agora de mim?
Não sei se entro, se saio
Se no teu gozo desmaio
Se sol no teu céu ou raio
E eis-me perdido de mim.

Recife, junho 1994.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Marcela Viaja


Eu vou pra Serra Talhada
Sozinha pela estrada
Em noites de solidão
E ao mundo aceno meu lenço
Retendo o que muda penso
E sinto na escuridão.

O mundo dá tantas voltas
E em suas águas revoltas
Drena o amor e o sonho
Drena o que fui e queria
Mas resta o sopro, a poesia
No que perdida reponho.

A estrada é longa e comigo
Vou viajando e sigo
As curvas do meu caminho.
Há tanto que viajar
Mas o que busco é achar
A rota de um outro ninho.

Às vezes na madrugada
Na estrada silenciada
Choro saudades da vida
Que foi tão outra e enganosa
Mas coloria na prosa
A dor de uma flor traída.

Mas sei que a estrada amanhece
E outra paisagem floresce
No chão da viagem só.
Outras cidades virão
Cantar comigo a canção
Que varre a sombra e o pó.

E já não canto sozinha
Traçando as curvas da linha
Que segue pro litoral.
Sei de outros modos de canto
Feitos de riso e de pranto
De fado meu, tropical.

Recife, 04 / 06 / 2007

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Se nos oriente


Valéria, o que valeria
o metro desta poesia
que à luz da tarde improviso?
Como moldar, traduzir
esse desejo de ir
além do que já preciso?

Preciso dar luz e forma
à prosa que vai e torna
a enredar-te com Freyre.
Essa viagem tão linda
vai do Oriente a Olinda
do latifúndio ao alqueire.

É variante de ensaio
novena em noite de maio
essa confessa pulsão
que faz de Freyre e de ti
um sonho de ir e vir
doutro Brasil à paixão

que arde em teu coração
fundindo afeto e razão
o Outro e seu Ocidente.
Tudo mal feito e transcrito
o que aqui vai e dito
tão pouco é que desmente

o que intentei versejar
entre te ler, te amar
nas linhas da amizade
que há tanto nos concilia.
Mas onde a arte, a poesia
no sopro, na luz do dia
que nos irmana em saudade?

Recife, 2 de dezembro de 2011.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Id e Super-ego


Isso e aquilo
São fantasias
Que a gente inventa
No carnaval.

Sem medo ou grilo
Só poesia
A gente tenta
Não se dar mal.

Id é você
Eu super-ego
O que fazer
Em pleno frevo?

Eu punitivo
Você sem freio
Quem o mais vivo
Quem o mais feio?

Quem concilia
N`alta folia
Estas metades
Assim cindidas?

Se o id um dia
Só por poesia
Curtisse a vida
Com o super-ego
E o super-ego
Não mais punisse
Nem se punisse
Batendo prego.
Essa harmonia
Por fim seria
Teu e meu ego.


Recife, 07-02-2002.