quarta-feira, 31 de março de 2010
Delírio de Onipotência do Narciso Consumista
Eu tudo quero e tudo posso. Ser feliz, desejo supremo de todo ser humano, é apenas questão de vontade e coragem. Não ter medo de ser feliz, esta é a expressão mágica no país de todos. Aproveitar tudo, viver tudo a que tenho direito. Mais que isso: tudo que desejo. Meu desejo é a medida da realidade. O negócio é chegar lá, lá onde me espera o objeto do meu desejo. E o que aprendi e o que sei é que vale tudo: tudo por dindim, tudo para que o outro me veja e confirme minha existência, tudo pelos 15 minutos de celebridade, que no meu caso serão eternos. Ser sempre o que o outro quer, já que o outro é a medida da minha existência, já que é o outro quem valida o que sou. Ser é ser o outro e à margem do outro que me vê e me valoriza eu sou apenas a sombra do apagão, um zero. Nada.
Se Caetano Veloso canta que Narciso acha feio o que não é espelho, eu vou além, muito além, e afirmo que Narciso é o próprio espelho, que Narciso é uma criação do outro. O outro é o Big Brother, a mídia, o olhar invejoso do vizinho que quer meu carro importado porque odeia o que tenho e o que tenho é o que sou. O outro é o chefe a quem presto vassalagem para ser o que ambiciono: o executivo sem alma, o astro da mídia, a prostituta que se chama acompanhante ou modelo, o deus do futebol com quem me identifico quando visto sua camisa e majestosamente desfilo pelas ruas como se fosse ele. Se ele me toca, ou rabisca um autógrafo no guardanapo de papel onde o nome dele e o meu se imortalizam, sinto-me como se a mão de Deus sobre mim descesse. É quando sei que sou onipotente. Eu tudo posso. Eu tudo quero.
Sou the hollow man, o homem vazio, o homem oco do poema de Eliot. Não me procurem onde não estou e nunca estive: dentro de mim, pois sou pura forma aparente. Sou o reflexo de uma avenida em cujas margens vislumbro outdoors e clipes publicitários, vitrines que semelham templos onde adoramos o Deus mercadoria, massas errantes rolando por ruas anônimas à procura do que todos procuram: um quinhão de fama, um farelo de notícia que prove ao mundo e antes de tudo a mim próprio a existência dentro de mim anulada. Sou o homem vazio, o homem oco que é pura aparência. Dentro de mim há apenas poeira, um deserto sem água, trapos recobrindo minha nudez vazia e uma angústia sem norte, uma ansiedade sem objeto, um desejo de fuga sem destino, o vazio carente de algo que o preencha.
Mas tudo posso, essa é a voz sedutora do clipe publicitário que me persegue e cativa em tudo que ouço e me cerca. Ela escorre geladinha na garrafa de cerveja. Ou é na bunda deslumbrante da loura gostosa que bebe nos meus braços? Ela me faz crer que sou o dono do banco, não o correntista esfomeado entre o desejo de consumo e a taxa de juros. Ela transfigura minha solidão num harém onde as mulheres mais lindas e inacessíveis estão à distância de um travesseiro na minha cama, dóceis e servis como as mucamas dos engenhos de açúcar coloniais. Eles sobrevivem, os engenhos e seus senhores onipotentes, os engenhos e a escravaria moída pela máquina que sem alma tudo tritura; eles sobrevivem no tipo de capitalismo brutal que criamos, na mídia com seu circo de horrores cotidianos.
Sou onipotente pilotando meu carro que é uma máquina de guerra. Dentro dele viaja submissa a mulher que eu quiser, escrava do meu desejo. Dentro dele, miro com desprezo a massa anônima pendurada no estribo do ônibus, espremida nas janelas de veículos ferventes à luz do verão. Dentro dele, vejo de relance a massa de trabalhadores espremida em trens como se fosse sardinha enlatada. Dentro dele traço a fronteira entre dois Brasis atados mas divididos, cada vez mais se defrontando com surda ferocidade. Um país de todos, mas desiguais. Dentro dele, acelerando como um guerreiro em combate, atropelo o pedestre, ultrapasso sinais vermelhos, excedo todas as velocidades porque a potência do meu carro é instrumento da minha onipotência. Dentro dele estou acima da lei porque a lei e todos os códigos inventados pela sociedade são apenas o que acelero e compro.
Os valores e direitos humanos? Digam-me quanto custam, pois tenho o poder de comprá-los. Amor, delicadeza, ética, respeito, civilidade, compaixão, tudo isso soa como palavra tão vazia quanto o vazio que dentro de mim transporto. Como disse, não me procurem onde não sou e estou. Sou pura aparência produzida pelos poderes aos quais servilmente rendo minha liberdade, um sentido de humanidade e beleza que nunca provei nem me apetece. O que não suporto é a solidão, a hora fatal em que preciso mirar-me não no espelho do outro, não no espelho que é o outro, mas no espelho da parede do banheiro que habito, no espelho da minha casa sem humanidade. Nesses momentos irrompe e me sufoca a solidão dos desertos áridos, a angústia sem corpo e forma, a insatisfação sem repouso. Como explicar essa insatisfação permanente, esse movimento sem pausa, se tudo compro e tudo tenho no shopping que é o templo onde venero meus deuses e realizo minha figuração do céu na terra, céu que é aliás o único, pois que sou eterno? Os publicitários, voz da minha consciência, inventaram a terceira idade e assim aboliram a velhice. Eu, que tudo posso, fui além deles: desinventei a morte e me fiz eterno. Eu sou o outro e sou eterno. Mas por que não paro de me doer? Por que sou a droga sem a qual não suporto o mundo nem me suporto? Por que esse vazio que vai de dentro para fora de mim quando o espelho não é o da mídia, mas o da parede do meu banheiro?
Recife, 5 de dezembro de 2009
domingo, 28 de março de 2010
José Mindlin - Bibliofilia e Função Social
“Nunca me considerei o dono desta biblioteca. Eu e Guita [esposa já falecida de Mindlin] éramos os guardiães destes livros que são um bem público”.
Conheci José Mindlin em Natal no ano de 1978. Fui assistir a uma palestra informal que proferiu sobre o Modernismo paulista num salão quase vazio da Universidade Federal do R. G. do Norte. Sensibilizaram-me, antes de tudo, seus modos isentos de qualquer afetação. Foi decerto isso o que me encorajou a procurá-lo ao final da palestra. Eu era então um professor pobre e desempregado, além de tímido. Depois de acolher-me afavelmente, conversamos um pouco sobre o Modernismo paulista. Falei-lhe de minha intenção de retornar a Recife para submeter-me à seleção de mestrado em sociologia no fim daquele ano. Inspirado na leitura apaixonada dos ensaios críticos de Mário de Andrade e Antonio Candido, tentava dar forma a um projeto passível de integrar a literatura à sociologia num trabalho de dissertação sobre o Modernismo.
Depois de ouvir-me com franco interesse, falou-me de periódicos que publicara quando de sua recente gestão à frente da Secretaria de Cultura de São Paulo. Aludia precisamente a Klaxon, trincheira inaugural dos primeiros combates travados pela vanguarda modernista, e Terra Roxa...e outras terras. E logo prometeu enviar-me exemplar de ambos. Bastaria que lhe fornecesse meu endereço. Minha reação foi de surpresa e embaraço. Surpresa diante de tão espontânea generosidade; embaraço dado o fato de que, na minha pobreza, não dispunha então de endereço próprio. Fui salvo por Henfil, presente à conversa, que também generosamente se dispôs a receber os periódicos na sua casa situada num ponto central da Praia do Meio.
Encerrado o breve encontro, envergonho-me de dizer que duvidei da palavra de José Mindlin. Estava já tão afeito a esse nosso modo desleixado de prometer à toa, de prometer e logo esquecer, que logo duvidei daquele homem de modos tão simples e amáveis. Esses modos se traduziram ainda na delicadeza e sensibilidade com que tratou o público ralo que foi ouvi-lo falar do Modernismo. Ao constatar que bem pouco sabiam do assunto, logo cuidou de simplificar sua exposição detendo-se nos aspectos mais elementares e informativos da Semana de Arte e seus desdobramentos decisivos.
Dias mais tarde liguei para Henfil. Os periódicos já estavam à minha disposição. Apressei-me em recolhê-los e durante dias li e cuidadosamente folheei aqueles dois preciosos volumes restaurados em edição fac-similar. Li-os, portanto, tal como foram originalmente concebidos. Não bastasse tamanha riqueza, José Mindlin anexou ao volume trazido pelo correio um atencioso cartão autografado com palavras generosas. Anos mais tarde, escrita enfim minha dissertação de mestrado sobre Mário de Andrade e o Modernismo paulista, gravei na página de agradecimentos minha inesquecível dívida com José Mindlin. Durante o processo de redação do trabalho os dois periódicos constituíram fonte fundamental de esclarecimento e ilustração para muitos dos meus argumentos. Envergonha-me entretanto dizer que, novamente tomado pela timidez, nunca me atrevi a enviar-lhe uma cópia da página na qual registrei meu agradecimento.
Os anos passaram e ocasionalmente tinha notícia de José Mindlin através da mídia. Lia antes de tudo sobre sua bibliofilia, sobre essa paixão tão comovente e devoradora que fecundou toda sua longa existência. Mas importa frisar que sua bibliofilia não foi nunca sintoma de avareza consumista convertida em privatização mesquinha de bens. Pelo contrário, visou sempre, no culto de sua paixão que lhe custou tanto dinheiro e trabalho, visou sempre como fim último a funcionalidade social da sua biblioteca. Seu exemplo de bibliófilo movido por ideais socializantes guarda de resto afinidades evidentes com os ideais que também moveram a bibliofilia de Mário de Andrade. O fato que aqui ressalto foi muitas vezes declarado por ambos. A epígrafe deste artigo é disso prova suficiente.
À diferença dos que cultivam o livro e a leitura enquanto meros substitutivos da vida, à diferença dos que amam os livros porque renunciaram a amar o próprio semelhante (muitas vezes feridos por bem razoáveis motivos, admito), ambos destinaram suas bibliotecas privadas a instituições públicas. No caso, a grande beneficiária foi a Universidade de São Paulo. Tal como no caso de Mário de Andrade, José Mindlin precisou bater-se contra o labirinto burrocrático da nossa cultura cartorial e mesquinha para viabilizar um projeto no qual nossa suposta elite econômica e cultural deveria mirar-se, se nela houvesse um grão da grandeza que leio nas biografias de Mário de Andrade e José Mindlin. Os obstáculos contra os quais lutaram herdeiros de Mário de Andrade e o próprio José Mindlin ainda em vida para converterem duas das mais preciosas bibliotecas privadas do Brasil em bem público constitui mais um exemplo cabal de que neste país, até prova em contrário, somos todos suspeitos.
Há alguns anos José Mindlin veio à Fundação Joaquim Nabuco lançar No Mundo dos Livros, testemunho definitivo do seu amor aos livros. Seria afinal a oportunidade de pessoalmente lhe render agradecimentos e admiração. Quando cheguei, encontrei a sala inteiramente tomada pelo público. Mal consegui apertar-me de pé junto à porta. Não bastasse tanto, nenhum sinal do autor e dos que o acolheram em nome da instituição. Por fim, o público foi informado de que a cerimônia seria retardada ainda por algum tempo, pois José Mindlin estava visitando lugares pitorescos do Recife ciceroneado por representantes da Fundaj. E assim refiz meus passos de volta para casa sem jamais rever José Mindlin. Mas trouxe também comigo a memória de minha eterna gratidão. As raridades que me presenteou repousam na minha biblioteca, fiéis à memória de sua bibliofilia generosa, também fiéis a um momento fundamental da cultura brasileira. Enquanto existirem livros e bibliofilia, não tenho dúvida de que a memória de José Mindlin sobreviverá nos recônditos de alguma biblioteca, na solidão povoada de algum leitor ciente de que lemos, como escreveu William Nicholson, para saber que não estamos sozinhos.
Recife, 28 de março 2010 – um mês depois da morte de José Mindlin.
quarta-feira, 24 de março de 2010
A Nudez do Escritor Tímido
O Amor nos Trópicos – A nudez do escritor tímido.
Severo Machado
Você nunca foi entrevistado antes. Por que agora?
Nunca fui convidado. Mais importante: recebo agora um convite para conceder uma entrevista paga.
Nenhum outro motivo?
Bem, talvez eu pudesse fazer minha a explicação de Inocência White depois de posar nua para uma revista consumida por mecânicos de automóveis: tirei a roupa apenas para humilhar minha timidez.
Cite um parágrafo que você jamais assinaria.
Faz mais de um século que o futuro pertence ao Brasil. Dado o papel crucial que desempenhou durante o processo de colonização, Pernambuco é o fundamento da nação, matriz da nossa identidade cultural. Por isso podemos com orgulho proclamar que Pernambuco fala para o mundo. Entre maravilhado e obediente, o mundo segue o roteiro traçado pela régua e o compasso pernambucanos.
Quem é o autor destas palavras?
Já esqueci, mas são muitos os que se orgulhariam de assumir a autoria desses disparates provincianos.
Por que você odeia tanto o Brasil e particularmente Pernambuco?
Meu ódio, se assim você prefere designar minha atitude de crítica intelectual ao Brasil, é fruto de um amor traído. Não leia aí nenhum paradoxo simplório baseado na natureza ambivalente dos sentimentos. O fato é que me fiz gente cultivando um amor ativo e crítico pelo Brasil. Por isso tentei, dentro de meus modestos limites, concorrer em algum grau para ver realizadas as mudanças coletivas passíveis de nos elevarem à dimensão de um país autenticamente moderno e democrático. Mas o Brasil deu nisso que você vê. De tanto apostar e perder, acabei reduzido ao estado de absoluta descrença em que me encontro. Em suma, acredito que o Brasil é incivilizável. Um amigo otimista costuma consolar-me, ou consolar-se, prevendo que daqui a cem anos seremos uma nação, não esse bordel cujo nome, aliás, teve como fonte uma mercadoria muito cobiçada. Sei que sou imortal, mas infelizmente minha paciência é finita.
Embora no geral situados no ambiente de Recife, seus personagens e a ação dos seus contos poderiam ser deslocados para qualquer outro lugar. Concorda?
É uma observação precisa. De fato, não me passa pela cabeça acrescentar aos personagens e às situações que vivem qualquer traço de natureza regionalista, qualquer particularismo passível de anular a especificidade histórica implícita na minha ficção.
Como você caracterizaria essa especificidade histórica?
Diria que grosseiramente meus personagens e os conflitos que vivem são fruto das transformações que em graus variáveis afetaram o conjunto das sociedades ocidentais. Somos periféricos, mas ocidentais. Personagens como Luiz Natalino, Sérgio Majo e Inocência White, por exemplo, seriam inconcebíveis dissociados das mudanças ao mesmo tempo liberadoras e devastadoras gestadas sobretudo a partir dos anos 1960. Nossas fixações regionalistas, feitas de idealizações retrógradas e fantasias de identidade cultural, passam inteiramente ao largo dessa realidade. Minha ficção nada tem a ver com o canavial do coronel ou com o batuque folclórico da escravaria de ioiô.
Não há aí um laivo de elitismo, a traição do seu desprezo pelo povo?
Não desprezo o povo, mas a mentalidade predadora e parasitária das elites brasileiras.
Se não há traição ao povo, não haveria traição à sua experiência de pernambucano na literatura que você escreve?
Não sei bem o que você quer dizer quando se refere à minha experiência de pernambucano. Passei parte da minha adolescência murado num buraco ainda mais fundo do que o buraco que é o nosso mundo rural. Sabe no entanto que autores li emprestados da estante do meu tio? Alexandre Dumas, Gogol, Dostoiévski, Tolstói, Robert Louis Stevenson, Thomas Hardy, Oscar Wilde, Balzac, Flaubert... Música? The Beatles, Rita Pavone, Roberto Carlos, Nat King Cole... Cinema? O de Hollywood, os filmes italianos, os seriados... O que isso tem a ver com nossa suposta identidade pernambucana? Se na minha juventude era assim, o que dizer hoje?
Você escreveu um conto intitulado Estupro Social. Você justifica o estupro apoiado em razões sociológicas? Estupraria uma mulher?
Como entendo que meu conto não é a demonstração de uma tese sociológica, acho que cabe ao leitor refletir sobre a primeira parte da sua pergunta interpretando livremente o conto. Quanto à segunda parte da questão, diria que não estupraria, mas confesso que já estuprei uma mulher quando eu tinha quinze anos. Era uma negra bonita emudecida pela opressão. Usei-a à força sem sequer saber então o que era estupro. Estava apenas repisando uma prática corrente no mundo rural nordestino e nas famílias de classe média do Recife. É claro que a inconsciência do crime não inocenta o criminoso. Sexo livre entre namorados adolescentes é uma outra invenção recente. No tempo da minha adolescência a gente se iniciava nos quartos das empregadas domésticas ou nos puteiros imundos.
Você não é impiedoso diante da miséria suportada pelo povo brasileiro?
You must be cruel in order to be kind.
E a política?
Já que desistimos de cuidar dela, hoje ela cuida de nós sem maiores embaraços. O resultado está aí à vista. Inútil comprar um kit de sobrevivência mínima cujos itens podem ir do analista ao exterminador ou justiçador a serviço da vítima desamparada pelo Estado. Reiterando uma obviedade que o medo não vê, se o mal com o mal se paga, o resultado não é soma zero, mas a multiplicação incalculável do mal.
E a literatura no mundo atual?
É irrelevante. Figura ainda nas chamadas revistas de cultura porque reduzida a turismo cultural. Ou manual de auto-ajuda. Ou variante de fofoca nas colunas sociais.
Por que então você insiste em escrever? Vaidade?
Não há vaidade que sobreviva à recepção de dez leitores descontentes. Escrevo porque a experiência de recriação literária da realidade concorre para que me compreenda melhor a mim e ao mundo em que vivo.
Uma frase que você gravaria no pára-brisa do seu carro ou no seu túmulo.
É de Alan Bennett, um dramaturgo inglês: I´ll tell you something. Heaven is going to be hell.
Você concordaria que a frase acima condensa todo o pessimismo da sua literatura?
Não. Por quê? Ora, porque minha literatura não é pessimista. O que escrevo é apenas uma reinvenção – ora realista, ora satírica ou ainda satírico-realista – da realidade que vivo e observo. Se você lê pessimismo no que escrevo, ele é um ingrediente substancial da realidade, não uma projeção negativa da minha percepção do mundo. É porém verdade que nossa expressão imaginária da realidade radica na concepção que temos da literatura. Se um escritor a concebe como mera via de fuga da realidade, uma variante da cocaína consentida que embrutece a sensibilidade e a percepção das pessoas, é provável que ele produza uma obra adequada ao consumo dos órfãos da evasão. Entendo que a literatura é uma via singular e privilegiada de conhecimento do mundo. Somo a essa função cognoscitiva uma outra que Freud identifica como manifestação do princípio de prazer. A forma estética corresponde a esta segunda função.
Apesar da discordância, insisto em dizer que a sua literatura é negativa. Por que a escuridão compreendida como metáfora não freqüenta sua obra? Quero dizer, a escuridão traduzindo sua representação sombria e opressiva do mundo, o sofrimento ou alienação a que parecem condenados seus personagens.
Porque, insisto do meu lado, minha literatura não é pessimista. Aprecio a escuridão literalmente compreendida. Afeiçoei-me a ela desde a infância. Talvez porque cresci em noites envoltas numa escuridão completa, apenas rompida em alguns pontos pela luz das velas e dos candeeiros. Não esqueça de que no Nordeste o progresso material é recente e restrito. Some a este fato uma renitente doença dos olhos que me forçava a viver encerrado num quarto escuro, mesmo à luz do dia, com um grosso tecido preto protegendo-me a visão. Talvez essas circunstâncias tenham concorrido para agravar minha timidez. Assim, associo à escuridão sentidos simbólicos bem distintos e até opostos aos sentidos correntes nas representações metafóricas da realidade. Para mim a escuridão traduz reserva, recolhimento, concentração do vivido e experimentado. Trepar no escuro, por exemplo, é algo que anima e libera minha imaginação e meus sentidos. No escuro você tem a liberdade de descobrir e mesmo reinventar o corpo da mulher. Essa coisa de trepar dentro de uma torrente de luzes, como fazem tantos casais freqüentadores de motéis, é compulsão de amantes exibicionistas. A luz do amor, mais que a da mera e vulgar trepada, irradia da escuridão, não dessa vitrine narcisista que define a banalidade do nosso tempo. Aliás, irradia mas também naufraga. Por isso, é no escuro que sofro e curo o amor perdido.
Você não é acaso narcisista?
Claro que sou. Mas pareço discreto e humilde se me comparo com a minha faxineira ou com o porteiro do meu condomínio.
Como traçar a fronteira entre a biografia e a ficção na sua obra?
Você indaga sobre esferas intercomunicantes, mas autônomas. É um despropósito, para não dizer rematada tolice, confundir o autor com a sua obra, ou seus personagens. Um tolo ou maledicente confundiu-me com meu personagem Luiz Natalino. Daí passou a acusar-me da prática da pedofilia. Voltando à natureza intercomunicante mas autônoma da realidade e da ficção, não negaria que o personagem contém muito de mim. Daí a presumir que sou pedófilo vai a distância imensurável entre a obra e a fantasia que o autor nela projeta. Bastaria dizer que o próprio nome do personagem, Luiz Natalino, é já um artifício literário indiciador do papel da pedofilia na tradição literária ocidental.
Que medos oprimiam sua infância, se você sequer temia a escuridão?
Meu grande medo era cogitar um mundo sem meu pai regendo-lhe o centro. O único mundo cogitável obedecia ao comando do meu pai movendo-lhe as forças com sua potência protetora. Tive aos nove anos um pesadelo no qual via meu pai morto de maneira brutal. Acordei chorando, completamente desamparado. Precisei de horas, dentro da escuridão vazia, para reatar o mundo a uma fonte de sentido passível de devolver-me o sono.
Você acredita em Deus?
Não. Também não acredito mais no meu pai.
Em que acredita então?
Na dúvida.
É possível tolerar nossa vida individual regida pela dúvida?
Penso que sim. A aprendizagem é longa e tormentosa, mas alguns se libertam da rede de crenças ilusórias que escoram nosso medo e o vazio flutuando à borda do abismo. Não esqueça de que as mais terríveis atrocidades produzidas pela história humana são fruto de alguma crença, alguma convicção cega e poderosa, algum sistema de fé. A crença, transformadora ou reativa, convertida em energia de ação social, tem sido a grande geradora de devastação da humanidade e do mundo natural. O mal que causei a este mundo derivou quase sempre do impulso vindo de alguma fé consciente ou obscura. Seríamos mais livres e menos destrutivos se aprendêssemos o dom da dúvida liberadora.
E sua mãe?
Foi uma ausência quase absoluta. Quero dizer: ausência física. Simbolicamente, ela vive e viverá em mim até o fim de tudo. Talvez seja isso uma condenação, mas o fato é que nunca nos libertamos daqueles que amamos. Pai e mãe, sabemos, são os modelos primários dessa aventura amorosa, quase sempre desastrosa.
Você gosta de bater?
Você gosta de apanhar?
Você gosta de mulher?
Nua ou vestida?
Você se identifica com o seu nome?
Não. Na verdade, detesto chamar-me Severo Machado. Preferiria ser Machado de Assis, Henry James, Joseph Conrad. Mas que fazer, se a crítica tem sempre a vista curta?
Há quem diga que você é uma pessoa cruel.
Sou tão inofensivo como uma flor silvestre. Lembra a última fala de Norman Bates em Psicose, já possuído pelo espírito atormentador da mãe? Pois digo o mesmo de mim: sou incapaz de fazer mal a uma mosca.
Como gostaria de concluir a entrevista?
À maneira de Brás Cubas: Não tive filhos. Não transmiti a ninguém o legado da nossa miséria.
Assim encerramos a entrevista e assim perdi de vista o repórter cujo nome esqueci. Soube que uma semana mais tarde a entrevista foi publicada. Ou melhor, mutilada, tantos foram os esquartejamentos a que a submeteu o editor. Devo-lhe o crédito de render-me alguma atenção ao comunicar-me, via e-mail, a operação destrutiva imposta à entrevista. Alegou a inocência dos que matam porque recebem ordem para matar. Estava apenas pondo em prática normas editoriais adotadas em benefício do leitor. Mais uma razão, pensei, para evitar a leitura de revistas de cultura. Tive a tentação de conferir minha fala com o texto. Logo porém mudei de idéia assombrado pela possibilidade de tropeçar num monstro que não me saiu das entranhas. Seria um tormento que tive a prudência de neutralizar. Achei assim oportuno tomar a entrevista como lida e aprovada. Afinal, o que mais importava era o pagamento da entrevista cumprido, ressalto por dever de justiça, segundo as normas do mercado. Um dia, suspirei contando as cédulas magras, universalizaremos no Brasil as práticas do capitalismo de mercado. Será enfim o progresso que prossegue tremulando em vão na divisa da nossa amada bandeira nacional.
Dias mais tarde cruzei no Parque da Jaqueira com um jornalista amigo. Falou-me da entrevista, concordou com tudo que desmentiria na primeira curva do parque, bastando que se visse livre da minha presença indesejável. Ia já a caminho de fazê-lo quando alguma lembrança o deteve. Voltou-se para mim e falou quase que aos gritos: Ah, esqueci de lhe dizer que seu entrevistador suicidou-se anteontem. Aliás, seu amigo Perfídio Ventura anda espalhando que o suicídio foi de fato um homicídio. Cândido como o personagem de Voltaire, cedi à tentação da curiosidade: a quem atribui a autoria do homicídio? À sua entrevista.
Ri vexado e retomei meu passo. Embora quisesse esquecê-lo, Perfídio Ventura e sua verve maledicente vibravam-me nos ouvidos. O canalha anda por aí acusando-me de assassinar um jovem que no fundo estimei, embora deva acentuar que a entrevista foi uma lição de incompreensão comovente, ou de desacordos comprimidos no ritual de hipocrisia caracterizador das formas de relação política, no caso a literária. Sigo batendo perna pelo Parque da Jaqueira, tão importunado pela maledicência de Perfídio Ventura que me abstraio das mulheres gostosas movendo-se na vitrine da pista onde andam, correm e sobretudo fofocam. O canalha anda espalhando que matei o repórter com a minha entrevista. Quem me dera esse poder...
sexta-feira, 19 de março de 2010
Misael, o Misógino
O Amor nos Trópicos – Misael, o Misógino.
Severo Machado
Misael trocava de mulher como troco de camisa. Quero dizer: tenho 82, transpiro abundantemente e detesto camisa suada.
Misael veio lá de baixo, do pé da escada. Lá embaixo, no piso da madeira roída pelo cupim, mulher era matéria escassa, mais rara que beleza em barraco de favela. Misael fez de tudo, mas foi lenta e tenazmente subindo os degraus de madeira roída pela miséria: foi porteiro, balconista, vendedor de livro, bebida, auxiliar de escritório, gigolô, bancário... Cursou escola pública aos trancos e barrancos, mas aprendeu que a educação era instrumento eficaz de ascensão social. Por isso afiou as virtudes da razão na lâmina fria do saber prático. Nada de literatura, humanidades, ficção de desocupado, de gente cheia de minhoca na cabeça. O negócio é matemática, ciências, o saber que muda a realidade e eleva saldo bancário. Pulando de galho em galho, às vezes escorregando, outras raras caindo, Misael chegou à Faculdade de Direito do Recife. Na primeira oportunidade, tornou-se fiscal da receita através de concurso. Nesse tempo já trocava de camisa com alguma freqüência, embora nem transpirasse tanto nem detestasse camisa suada.
Misael subiu como foguete em noite junina. Noite junina do Nordeste, onde a cultura urbana retém a camada renitente dos costumes da roça e a ordenação errática do asfalto semelha um acampamento de retirantes. Cinco anos depois de vida de fiscal da receita, ei-lo vaidosamente posto no alto de uma cobertura suspensa em um condomínio de luxo. Lá embaixo o mar de Boa Viagem quebra na areia iluminada pela luz noturna. Agora Misael troca de camisa todos os dias e aprendeu a detestar camisa suada. As mulheres cheiram mal, resmunga depois de largá-las suadas e descontentes na cama. O salário é bom e seguro, mas não compra tudo.
Misael entra na sala e liga a tv. O economista – professor universitário e Ph.D pela Harvard University, USA – entrevista o assessor para assuntos de administração pública – professor universitário e Ph.D pela Oxford University, England:
Você acha que a instituição de fiscais de fiscais seria uma solução para as práticas corruptas freqüentes na Secretaria da Fazenda?
Poderia ser uma boa idéia. Sabemos porém que os fiscais de fiscais também são humanos. Logo, haveria o risco de eles cederem à mesma tentação que impele os fiscais ao uso corrupto das suas atribuições públicas.
Misael deu uma gargalhada e desligou a televisão. Melhor ir caçar mulher. Mulher é como camisa: uso uma vez e jogo na máquina de lavar. Há quem faça pior, disse ele a uma chorosa com a tocante intenção de a consolar.
Misael era bruto com as mulheres. No convívio dos amigos, porém, era um doce de pessoa. Gargalhava por um nada, servia generosamente os amigos, grudava-se a eles nos bares ruidosos onde assistiam a jogos de futebol. Ia com freqüência acompanhado por mulheres, sempre bonitas. Mas não lhes dava a mínima importância. Parecia entender que a função delas era tão-só adornar o ambiente e fornecer evidência de sua posse. Misael exibia mulheres como os caçadores de feras exibiam na sala de visitas a pele dos leões abatidos num safári. E os amigos o invejavam: Misael é muito macho. Gostar de mulher é aí.
Tarde de domingo na cobertura de Misael. O tédio, quase uma fria lâmina depressiva, pesava-lhe horrivelmente no coração. Odeio as tardes de domingo. Meus amigos estão felizes, reunidos em família, se empanturrando em mesas fartas de comida e alegria doméstica. Liguei para Gilberto Rocha e logo ouvi a família ruidosa e feliz lá no fundo da linha. Liguei em seguida para Álvaro Carvalho e é sempre a mesma coisa. Todos eles se fecham em família, comem e bebem e tagarelam até o cair da noite. Todo mundo feliz, todo mundo cercado pela família e eu aqui penando solitário dentro desta cobertura imensa e vazia. Que fazer, ele se pergunta e se repete roendo as unhas do tédio. Corre ao telefone e liga para Vadinho, o corretor de puta:
E aí, cara?
Tenho uma mina pra você, Misael. Arquivo novo, gostosa de doer. Chama-se Inocência White.
Cacete, cara, como é que uma puta tem um nome desses?
É filé, Misael. De classe média, fez até universidade. Mas é doidinha de pedra, cara. Faz pouco que saiu das mãos de Zoca Porrada. Conhece?
Quem não conhece Zoca, Vadinho?
Pois é, cara. Ele esbarrou na mina por aí, se desmanchando na droga, batendo prego nas calçadas da Rua da Moeda. Até ficou com ela uns tempos em casa. Mas se ela é doida de pedra, ele é barra pesada. Você conhece o tipo. Inocência vivia levando pancada, mas acho que gostava, pois não pegava a estrada de volta pra casa. Vive repisando aquela idiotice: sem medo de ser feliz. Diz que aprendeu essa besteira de um vidente que antes foi psicólogo e hoje é um publicitário quase tão rico quanto Washington Olivetto. Um dia Zoca encheu os bofes e deu-lhe um chute na bunda. Foi quando ela veio parar aqui. É puro filé, Misael. Vai encarar?
Que mais eu posso fazer num domingo desses, Vadinho? Manda a mina, cara. Mas comigo você já sabe: puta eu uso uma vez e nem mando para a máquina de lavar. Puta eu jogo fora. A gargalhada de um abafando a gargalhada do outro.
Misael casou. Antes disso deu para beber pesado. Enchia a cara todas as tardes de domingo porque já não suportava a solidão e o tédio fechando-se sobre as paredes desertas da cobertura. Casou com a filha de Honesto Jardim, criminalista. Honesto era mais rico que os próprios bandidos ricos a quem protegia das malhas frouxas da justiça brasileira. Ganhou tanto dinheiro zelando pela fortuna suja dos seus clientes que Misael se sentiu pobre e humilhado quando pela primeira vez entrou na sua cobertura. Diva, a filha de Honesto Jardim, era uma mulher dengosa e bonita. Também falava alto e pelos cotovelos, mas ninguém lhe dava ouvidos. O pai pagava-lhe todos os caprichos sob a condição implícita de que sempre lhe rendesse vassalagem irrestrita. Era uma prisão tão doce, e cara, que nunca passou pela cabeça de Diva uma palavra de protesto ou gesto de desagrado. Seu último capricho foi apaixonar-se por Misael. Honesto fez uns cálculos mudos, resignou-se a ganhos modestos e suspirou consentindo: poderia ser pior.
Misael mediu ganhos e conseqüências, mediu sobretudo o custo doloroso dos domingos de tédio e solidão, e não pensou duas vezes. Não previra, entretanto, o quanto lhe custaria a presença diária de Diva na mesma cama, as noites amordaçadas pela mesma camisa, a mesma malha suada, a consciência de que a camisa atirada à máquina de lavar pela manhã voltava à sua cama na noite do mesmo dia. Aumentou a dosagem do whiskey e assim a embriaguês entrou-lhe no sangue e na rotina.
Diva, vou sair com Gilberto Rocha e Álvaro Carvalho. A gente vai ver o jogo do Náutico e depois bater um papo no Colarinho.
Toda mulher é suja, Alvinho. Até a minha.
Ia já pelas tantas, a mesa do Colarinho tombando sobre as ondas do alto mar, quando disparava esse tipo de comentário nos ouvidos de Álvaro e Gilberto. Eles riam deliciados e replicavam com ditos equivalentes. Tudo aquilo: a presença ruidosa dos amigos, os jogos de futebol, a idolatria por Romário e Kuki, o whiskey derramado sobre as mesas do Colarinho, tudo aquilo Misael descobriu que era o seu gozo real, seu prazer de viver. O mero e vago pensamento de que precisaria voltar para casa, deitar na cama ao lado de Diva, vestir a mesma camisa já rota e suada, isso o atormentava sem reparação. Por isso bebia.
E por aí foi nadando em álcool e dinheiro. A fortuna de Honesto Jardim crescia sem pausa e com ela, por afinidade ou contaminação, também crescia a fortuna de Misael e Diva. De tanto vestir a mesma roupa e aspirar o mesmo suor noturno na mesma camisa gasta e suada, erraram a medida de alguma dose e o acaso deu-lhes uma filha. Misael roeu a corda, lamuriou-se à borda dos ouvidos cúmplices de Álvaro e Gilberto: Por que não nasceu homem, porra? Mulher é coisa suja, mesmo quando é filha. Os amigos riam e por fim o confortavam, senão com palavras, por certo com as garrafas de whiskey enxugadas na mesa do Colarinho.
Álvaro e Gilberto adoravam atiçar a misoginia de Misael:
Misa, diga aí cinco coisas amáveis contra a mulher.
1 – Mulher não tem senso de humor. Nem de amor, pois ama com completa insensatez.
2- Quem pode confiar na sensatez / de um bicho que menstrua todo mês?
3 – A mulher acredita em amor eterno. Provando que não tem juízo, quando ama quer logo casar iludida com a tolice de que o casamento sacramenta a eternidade do amor.
4 – A mulher é incapaz de renunciar a suas ilusões amorosas, salvo no caso em que a ilusão de um amor maior ocupa o espaço do amor gasto ou insatisfeito.
5 – Mulher é um bicho muito complicado.
6 – A mulher é uma terra incógnita.
Chega, Misa. Pedi apenas cinco. Você não deixa pedra sobre pedra.
Que é que eu posso fazer, Alvinho? Esse deserto é fértil. Se eu abrir a torneira, vai haver um dilúvio no Colarinho.
E riam, riam de se dobrar sobre a mesa.
Passaram os anos e outros acasos que lhe trouxeram mais dois filhos. Quero dizer: mais duas filhas. Ele se desesperava na intimidade dos amigos, roía o pó do destino inclemente e desabafava ainda e sempre: por que não um homem, porra? Mulher é suja. Mais alguns anos e estarão menstruando como a mãe. O pior é que são camisa que gruda no corpo, bens de propriedade definitiva. Onde uma máquina de lavar que me liberte dessas camisas sujas grudadas a meu corpo? Os ouvintes e confidentes complacentes já não eram Álvaro e Gilberto, nem o cenário era a mesa do Colarinho. Misael olhou em torno e se sentiu confortado pelo atmosfera cúmplice dos presentes reunidos numa sala dos Alcoólatras Anônimos.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Somos Todos Suspeitos
Somos Todos Suspeitos
Severo Machado
Gosto de mulher morena, rabuda e safada. Meu amigo Antonio Senile fica chocado quando lhe digo isso. Senile é autor de uma frase decisiva para que me tornasse seu amigo. Disse que os amigos verdadeiros compartilham um segredo: o privilégio da intimidade. Nesta, na intimidade desatada das convenções hipócritas de toda ordem social, somos como somos. Pelo menos na medida em que o podemos ser. Segredo ou dom, depois disso aprendi a identificar e definir um amigo. Aliás, tenho apenas um: Antonio Senile. O amigo é aquele com quem comungamos o privilégio da intimidade. Senile, que pode ser uma flor de pessoa, me confessa horrores que jamais ousaria confessar no confessionário. Digamos melhor: no divã da analista, pois Senile, como eu, é ateu.
Senile é um lírico da carne. Tem um forte por mulher, como eu. Por que forte? Porque a carne não é fraca, e sim forte. Esta eu roubei de Luciano Oliveira, outro amigo de Senile. Aliás, dizem que ele a roubou de Boris Pasternak e este de quem? Nada de novo sob o sol, já observava sabiamente o autor do Eclesiastes. Logo, somos todos ladrões.
Negativo como uma noite escura assaltada por trovoadas, Senile é no entanto afortunado o suficiente para dizer com convicção que tem dois amigos: Luciano Oliveira e eu. Tenho apenas Senile, que é já demais. A maioria das pessoas não tem ninguém, embora tantos tolamente se iludam confundindo amizade com bloco de carnaval, corporação de corruptos, site de relacionamento. Senile é um lírico da carne. Daí chocar-se quando digo que gosto de mulher morena, rabuda e safada. Senile escreve ainda soneto de amor para as mulheres que quer levar para a cama. Soneto com decassílabo rimado e chave de ouro. A um amigo perdoamos tudo, até isso.
Ligou quando eu estava de saída para o trabalho. Doente, como previ. Senile é mais hipocondríaco que eu. A doença nele é sintoma narcisista. Assim retém a atenção dos amigos, antes de tudo de si próprio. Foi o diagnóstico da analista para quem transfere renda isenta de imposto há doze anos. Jamais cairia nessa. Além de não acreditar em psicanálise, a analista é morena, rabuda e tem jeito de safada. Minha transferência logo seria assédio sexual. Curto circuito na teoria da fala. Senile é lírico. Por isso continua falando no divã, transferindo pulsões, desejos e sobretudo renda para a analista morena, rabuda e safada. Quando o assunto é sexo, ser e parecer se confundem na minha imaginação. Logo, se ela parece safada, é safada.
Senile queria um favor. É nisso que dá ter amigo. Pediu-me para recolher em seu nome, numa loja de produtos promocionais, uma sacola de notebook. A que usava, comprada na tal loja, rompeu a costura depois de dois meses de uso. Porcaria. Senile foi à loja, reclamou do produto e exigiu a troca devida. Foi surpreendemente bem atendido, pois sequer levou a nota de compra. Como o produto estava em falta, a atendente prometeu entregar-lhe uma sacola nova tão logo chegasse nova remessa. Cumpriu a promessa, dias mais tarde, ligando para Senile, que combinou proceder à troca na semana seguinte. Mas adoeceu no entretempo e recolheu-se ao divã. O doméstico, não o que desejaria, o da sua analista.
“Procure Sueli. Ela lhe entregará a sacola nova”. Esse nome mágico, prenhe de odor e carne, logo produziu um milagre na minha imaginação, tanto que esqueci a chateação do favor para o amigo e me apressei em atendê-lo. A mera enunciação deste nome Sueli abre-me nas janelas da imaginação um sopro de bordel e nudez. Logo vislumbro um corpo moreno, rabudo e safado deslizando dentro da penumbra de uma buate enevoada por fumaça de cigarro e odor de suor e perfume barato. Eu seria um divã cheio para a analista de Senile.
Cheguei suado e ofegante. Ao longo do trajeto, dirigindo ansioso, figurava o corpo de Sueli como o da mulher bandida de Double Indemnity, que algum tradutor idiota converteu em Pacto de Sangue. Quem identifica na trama do filme de Billy Wilder um pacto de sangue nada sabe do sexo e de outras forças sombrias da natureza humana. Sueli não era exatamente o que figurei na minha imaginação doentia, mas era morena, rabuda e safada. Não era uma mulher, era um filme noir. Quando vejo uma mulher como Sueli, logo me torno um bandido de filme noir. O leitor dirá que isso é um efeito literário previsível e barato. Que posso fazer? Dou-lhe o endereço da loja para que confira com os próprios olhos. Antes de tudo, com a minha imaginação. Se tiver a imaginação de Senile, talvez rabisque um soneto qualquer, com decassílabos rimados e chave de ouro. Sueli não merece nem quer isso.
Recusou-se a entregar-me a sacola de Senile. Balbuciou desculpas, alegou que Senile fora atendido por outra pessoa, que não a autorizara a entregar encomenda nenhuma. Mas recusava a sacola enquanto prometia outra coisa. Desde quando entrei, percebeu meu olhar despindo-a da cabeça aos pés, tanto que se sentou encabulada e cruzou as pernas, gesto que alargou o campo iluminado das coxas apertadas na saia justa.
Perguntei se não gostaria de jantar comigo num restaurante do Shopping Boa Viagem. Odeio shopping. Odeio sobretudo o Shopping Boa Viagem, mas por uma mulher como Sueli um homem fraco como eu (quero dizer, forte) faz qualquer sacrifício. Ela topou, mas não confiou entregar-me a sacola de Senile. Na cama do motel, depois de um jantar regado a vinho tinto e muita fantasia emporcalhada, pois tenho um fraco (i.e, um forte) por fantasias sujas quando estou com mulher, pior ainda quando penso em mulher, ela me confessou candidamente: “Te dei meu corpo, safado, mas não te dei a sacola do professor. Por quê? Ora, porque fui treinada assim pela dona da loja. Ela me ensinou desde meu primeiro dia de trabalho: Não confie em nenhum cliente, Sueli. No Brasil, até prova em contrário, todos são suspeitos”.
domingo, 7 de março de 2010
Sem Medo de Ser Feliz
O Amor nos Trópicos - Sem medo de ser feliz.
Severo Machado
Certo filósofo observou que uma das atitudes humanas mais insensatas consiste na ilusão da felicidade. Deitando fel no prato dos otimistas, concluía que não estamos neste vale de inadimplentes para ser felizes. Inocência White, a heroína deste conto, ouviu porém outra voz ou eco. Traída pelo ouvido, antes que traída pela vida, não sabia se a frase viera do Céu ou de algum publicitário. Sabia apenas que dizia: sem medo de ser feliz. Se veio do Céu, veio acrescida do número da conta bancária de Deus, na qual o crente deve fielmente depositar sua contribuição para a bem-aventurança dos pastores e ministros religiosos deste mundo.
Mas o assunto da nossa heroína, não confundir com outra coisa, é a busca da felicidade através do amor. Como a grande malandragem da indústria publicitária é induzir nos tolos a fome e a vontade de comer, Inocência passou a ouvir e a sonhar em tudo a frase sedutora. Sem medo de ser feliz, ela mordeu a corda de Luiz Natalino, o pedófilo. Mal caíra na vida, ou nos doze anos, e logo ele entrou e se foi encostando e instalando nos vazios largados pelo pai biológico que ela mal conheceu na infância. Seguindo-a com sinuosidades de pai amoroso, ambos libertos do interdito do incesto, Natalino foi entrando sem bater, mas também sem forçar. Enquanto com a mão sábia soprava promessas irrealizáveis, com a boba media a temperatura exaltada entre as coxas de Inocência. Adeus virgindade e outras campinas, adeus concha ferida da adolescência. Luiz logo sumiu, pois a carne muda e as meninas são tantas para tão curta vida.
No rastro dele logo veio Sérgio Majo, astro da televisão cuja função era atrair a garotada para os castelos de fumaça do consumo e da futilidade precoce. Sérgio nasceu em Serra Talhada, mas logo trocou o sobrenome de batismo, Pereira, pelo espanhol Majo, que melhor atende à persona que projetou na mídia. E ela foi e cedeu e se perdeu como perdia o ônibus de subúrbio nas manhãs de ressaca. Tantas ele fez, Sérgio Majo, antes e depois de Inocência White, que um dia o escândalo estourou. Sendo astro da mídia, Sérgio era notícia de alta cotação no mercado do consumo. Mas a mão limpa da impunidade, privilégio de classe no Brasil cordial, lavou a mão suja do escândalo e Majo voltou a desfrutar da fama garantida pela telinha mágica e das gatinhas que dão tudo sem medo de serem felizes.
De Sérgio Majo para Sílvio Inocêncio, o publicitário, a passada foi mais curta do que a brecha entre duas camas conjugadas. Mal deu por si, ainda esfregando os olhos vindos de uma noitada na Rua da Moeda, Inocência se viu nua e devassada na cama de Sílvio. Com o mesmo furor com que, quando de pileque, caçava uma mulher para a cama, Inocêncio a repelia ao acordar de ressaca e vê-la abandonada a seu lado. Com Inocência, porém, ele jogou o jogo da caça e da repulsa durante várias semanas. Foi o bastante para que ela cegamente concluísse: ele me ama e portanto posso com ele juntar meu destemor ao desejo de ser feliz. Mal teve tempo de contar as semanas, que ele esquecia, e ei-la novamente sem muleta.
A vida passa, a vida passa, e a cama alheia é uma roleta. Inocência seguiu jogando à deriva pelas noites de Recife. O jogo de ocasião e sem aderência humana que não fosse o mero gozo fugaz da carne, esse jogo ela jogou num transe de desmemória e vazio. Tanto o jogou e perdeu que um dia, voltando um olhar assustado para dentro de si, viu apenas um descampado, duas árvores ressequidas, sombras voláteis que a possuíam sem lhe marcarem a epiderme com um nome, um gesto de reconhecimento, um eco de palavra repartida no desafogo do ranger de camas.
Vou chamar você de Censinha, disse Tãozinho do Pandeiro enquanto alisava Inocência em meio aos lençóis revirados. Ai, pára de me chamar assim. Odeio meu nome, odeio essa coisa de brasileiro falando inho pra um lado, inha pra outro. A única coisa que amo no meu nome é o sobrenome: White. De onde vem, perguntou Tãozinho. Ah, suspirou ela, vem do meu pai Joe White, um americano de Nova Orleans. Como conheceu tua mãe? Foi num carnaval de Olinda. Depois, quando eu cresci, minha mãe falou que ele prometeu voltar antes de partir. Até hoje eu espero. Mas sei que um dia meu pai virá e então partirei com ele para os Estados Unidos. Vou ser feliz em Miami ou Nova York. Juro que nunca mais volto. Nunca mais esse povo atrasado, essa merda de terceiro mundo. Tãozinho: baixa a crista, vagabunda. Que merda tu pensa que é, porra? Inocência saiu na pancada, dando nó corrido na roupa rasgada, e foi parar no Hospital da Restauração.
E as águas se foram rolando sujas sob as pontes sem que Inocência cedesse um milímetro na ilusão cega de ser feliz. Foi por aí tropeçando, errando entre o bar e a cama, feliz como um clipe publicitário. Os homens vinham e passavam e as promessas de amor, cada vez mais frouxas, se dissolviam na neutralidade da carne votada ao gozo sem conseqüências. O poço foi gradualmente se abrindo, Inocência afundando como uma lata vazia presa a uma corda roída pela ação do tempo e do manuseio indiferente. Estava um dia lá no fundo, catando água para embriagar-se, quando uma mão firme puxou-a para o alto e lhe abriu a porta da casa de subúrbio. E assim foi ficando e gostando de ficar. A mão firme era parte de um corpo áspero onde ressoava uma voz dura e alta como um bater de martelo. E tudo isso, essa estranha promessa de felicidade e aconchego doméstico se condensava na identidade de um nome arrepiante: Zoca Porrada.
Ai, como ele me bate. Mas sei que bate por amor. Acho que é o modo dele, o único que aprendeu pra dizer que me ama. Também acho que é um jeito que ele precisou aprender dentro do duro exercício da profissão. Todo dia meu Zoca se arrisca nas ruas sujas e estreitas, na lama dos subúrbios, nos morros onde a droga e o crime rolam a toda hora. Zoca é forte e precisa ser forte pra segurar a barra da vida cega para essa chama azul da felicidade que somente eu vejo e somente a mim me queima. Por isso respiro felicidade em tudo e ela me embriaga nas noites sujas em que Zoca chega dando pontapé na porta e me quebra com a mesma brutalidade com que arrebenta pratos e o resto de louça usada da cozinha. Depois, cansado de lutar contra a vida e de me maltratar por amor, ele cai pesadamente na cama e ronca feito um porco pacificado. Então me deito a seu lado e, apesar do corpo e da alma feridas, eu fecho os olhos em estado de serena beatitude.
Lá no fundo da escuridão em que mergulho e me recolho vejo um paraíso de luzes brilhando, homens e mulheres lindos, de uma beleza assim grande me tirando o sono, e todos vivem no gozo e na felicidade para sempre. Sei bem do que estou falando, sei bem do lugar e das pessoas maravilhosas que habitam a escuridão iluminada dos meus olhos fechados ao lado de Zoca e seu ronco, de Zoca e seu cheiro de cebola crua. Esse mundo de sonho, que entanto é pura realidade, é a ilha da revista Caras, é o paraíso dos meus deuses que venero e invejo quando me sento na cadeira da cabeleireira do bairro. Um dia eu chego lá. Sem medo de ser feliz.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Microbiografia de Severo Machado
Já que doravante postarei neste blog alguns contos de Severo Machado, convém traçar-lhe com pincel grosso uma microbiografia que talvez concorra para torná-lo mais assimilável ao gosto ou pelo menos compreensão do leitor ocasional. É que Severo Machado, a simples menção do seu nome já me causa certo arrepio de rejeição, é demasiado negativo para os tempos publicitários em que vivemos. Costuma dizer que no Brasil é muito difícil ter caráter. Logo, decidiu pragmaticamente não ter nenhum. No entanto, ele em pessoa aparenta contradizer tudo o que escreve. Se nos contos é negativo, por vezes cruel, até brutal na visão e expressão da vida, convivido é um doce de pessoa, uma imagem afetuosa, alegre e até efusiva. Quando todavia digita um conto, Severo investe contra a realidade, contra os iludidos e fantasiosos, contra toda sorte de otimismo. Segundo ele, o otimista é apenas um pessimista mal informado. A definição é tão boa que duvido seja dele. Antropófago oswaldiano, Severo devora tudo que o fortalece. Logo, convém desconfiar da procedência de boutade tão engenhosa. Se parecer demasiado improvável ou imaginosa, sugiro que o leitor a coteje com a distinção proposta pela psicóloga Frieda Goldman Eisler entre o otimista e o pessimista: o primeiro foi amamentado por tempo prolongado, enquanto a amamentação do segundo foi prematuramente interrompida.
Severo é otimista enquanto ser de convívio, mas negativo enquanto escritor. Como explicar contradição tão desconcertante? Ele se explica culpando o Brasil, que vive como se fosse uma paixão inútil e insolúvel. Seu analista, Sugimundo Freuvo (favor pronunciar Froivo, pois é filho de um vienense que se perdeu no carnaval do Recife) inocenta o Brasil deslocando a causa da negatividade de Severo para sua biografia mais íntima, inconfessável e sobretudo inconsciente. Não fosse ela isso, inconsciente, como justificar os vinte anos de divã que Severo já pagou a seu analista? Para este, a raiz de tudo reside no romance familiar de Severo. Mal amado, para não dizer ignorado, pela mãe que o tratava como detento do presídio Anibal Bruno, Severo cedo aprendeu que o melhor lugar da casa era a rua. Não bastasse tanto, seu pai era doce e amoroso como se fosse sua mãe, enquanto a mãe era áspera e punitiva como os senhores de escravos nordestinos.
Infeliz como filho, Severo foi ainda mais infeliz no amor. Buscava nas mulheres a mãe que não teve. Encontrou apenas a namorada infiel ou a amada desalmada. Entre a família e o amor, ambos impossíveis, optou pelo curso de Direito (não confundir Direito com Justiça, com maiúsculas ou não) e acabou delegado de polícia num paraíso chamado Felicidade. Cansado de ganhar sem trabucar, trocou a delegacia pela literatura e logo descobriu que imaginar era melhor do que viver, que era mais fácil escrever contos do que reformar uma sociedade irreformável. Daí precisou de bem pouca imaginação para concluir que sua mãe, seu pai e todo seu retorcido romance familiar não passavam de produto de sua imaginação delirante. Por pouco não demitiu o Dr. Freuvo (que insiste na pronúncia alemã para que não o confundam com um frevo rasgado), a essa altura tão irreal quanto os fundamentos científicos da sua ciência.
Severo Machado era de esquerda quando todo mundo era de direita, ou pelo menos militante da maioria silenciosa. Agora Severo é de direita quando todo mundo não é nem uma coisa nem outra. Agora todo mundo é da maioria ruidosa. Não confundir ruído político, ou militância política, com ruído de festa, que é o que no presente se produz. No mato sem cachorro, que de caçador passou a caça privilegiada das mulheres, Severo refugiou-se no humanismo. Logo constatou que tudo que lhe restava era o humorismo, embora ninguém ache graça no que escreve. Consola-se afirmando que humor não é piada, isto é, Millôr não é chanchada.
E assim vai Severo pela vida. Castiga o Brasil através de personagens pavorosos, num extremo, ou carentes de compaixão, no outro extremo. O que intenta dizer em certas entrelinhas é que o Brasil é ingovernável e insolúvel. Embora afirme que o diz em certas entrelinhas, na verdade ele chega ocasionalmente ao extremo de dizê-lo nas próprias linhas dos seus contos. Já Dr. Freuvo pensa o contrário. Vai até mais longe, pois afirma que Severo tem cura. Basta continuar deitando no divã, desfiando sem pressa seu romance familiar. Um dia os conflitos se dissolvem, a luz da aurora pousa sobre o divã rangente de vendavais e terremotos familiares. Severo voltará para a vida e o Brasil com o ânimo e a visão de um brasileiro de sambódromo ou de Galo da Madrugada.
Severo espana a névoa da memória conturbada, salta num átimo dos labirintos da infância remota para a sala do analista e por pouco não estrangula Dr. Freuvo confundindo-o com a mãe que o abandonou. Mas civilização é repressão. Severo sabe disso, até porque, além de civilizado, é fiel leitor de Freud. Resta-nos agora conhecer aqui neste blog alguns dos seus contos, que hoje são reais. Já que costuma depreciar a inteligência do leitor, embora a dele esteja longe da imperfeição, Severo adverte o leitor desprevenido para as ressonâncias semânticas do trocadilho que vai dos contos aos reais. Não digo mais.
Nota – A foto que ilustra esta crônica é do carnaval de 2010. Severo define o carnaval como um estupro contra as normas da civilização. Sendo no entanto pernambucano, antes de tudo humano, Severo também cai na folia. Por conveniência, ou pura hipocrisia, ele se mascara para resguardar-se da opinião pública e da própria consciência. Como todo mundo, Severo paga sua cota de tributo à hipocrisia. Aliás, é tão hipócrita que ninguém tem como seguramente identificá-lo. Basta atentar para as máscaras sem rosto.
Fernando da Mota Lima
Recife, 12 de fevereiro de 2010.
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