segunda-feira, 28 de abril de 2014

Máximas e mínimas X


 Sabedoria
A luz da sabedoria
fulgiu no retrovisor
mas logo de mim fugiu
e antes de ser já passou.

            Meteorologia
Dizem que a curitibana
é mais fria que a inglesa.
O Vampiro Trevisan
no entanto logo revida:
Não existe mulher fria
apenas mal aquecida.

Silêncio vs. Ruído
O silêncio é ausência que fala
contanto que o ruído silencie.
O silêncio é presença que se ausenta
negando no seu ser o que é ruído.

“Equilíbrio de antagonismos” é uma frase que Gilberto Freyre assimilou da obra de Carlyle. Mais que adotá-la, usou-a como um dos suportes explicativos da sua interpretação do Brasil. É fato que os ingleses são mestres na arte de equilibrar  antagonismos. No entanto, precisaram impor limites constitucionais à monarquia e, no caso extremo, decapitaram um rei. No Brasil continuamos equilibrando muitos antagonismos, mas os benefícios vão sempre para a conta do dono da balança. Quanto às cabeças, as que até hoje cortaram foram sempre as do povo.

Quem tem a esquerda que temos não precisa de direita.

No Brasil, o único rio que não seca nem transborda é o de Janeiro.

Está bem reconhecer que nossa bagunça é insolúvel. Mas os que a convertem em virtude cultural confundem fato com justificação ideológica. Bagunça pode ser virtude enquanto estado carnavalesco, não enquanto estado permanente de ser. Quando a bagunça ameaça escapar a qualquer controle, seus próprios apologistas convocam as forças armadas para botar ordem na casa. Através da força, naturalmente.

Bola de cristal:
Se eu tivesse uma bola de cristal, ou me chamasse Tirésias, desenharia o seguinte cenário político para 2014: Lula será novamente candidato a presidente da República e será eleito pela maioria silenciosa, constituída sobretudo pelos beneficiários do Bolsa Família. Num país onde a maioria vive ainda no século XIX, ou foi barrada diante dos portões da modernidade, como estranhar que o propagador desse colossal programa assistencialista seja cultuado como um pai provedor? Muita coisa vai mudar e já está mudando desde que o povo ocupou as ruas, mas o Brasil continuará sendo uma mescla surreal de capitalismo globalizado e Estado patrimonial tangido pelas rédeas pré-modernas de uma classe dirigente cuja mentalidade é ainda patriarcal e escravista. (26 de junho de 2013).

sábado, 26 de abril de 2014

Viajantes

 
         










Pra onde vai tanta gente
pra onde tantos viajam?
Onde deságua a corrente
dessas figuras que vagam
sem um sentido ou destino
sem rota que a si se traça?
Viagem é só a fuga
de quem simplesmente passa.

Aeroporto de Campinas, 21 abril 2013.

domingo, 20 de abril de 2014

Eu coletivo

 
         












Conta, Fernando, conta
A experiência de ser
Ser como erro e fracasso
Ser outros modos de ser.
Conta o teu nome comum
Como o de tantos que foram
Assim comuns no teu tempo
Pois singular e comum
É a vida que se partilha
E na partilha se esboça
Um modo de geração.
Conta o que sendo Fernando
Foi sementeira de grãos.

Conta, Fernando, conta
Os frutos da estação
O que tão logo contado
Transcende o esquecimento
Embora a tua existência
Passe com o sopro do vento.
Tudo que conta a memória
Embora do eu proceda
Torna-se humano fermento
Mais que o eu singular
Grava no trânsito o tempo.
A fala impressa na escrita
É o outro em ti, o eu além.

Assim, contar-te é dar voz
Ao outro silenciado
Pelo acaso, o poder
As forças que nos oprimem
No duro ofício de ser.
Conta o que a vida apagou
O que a história esqueceu.
Destrava o velho baú
Memória acumulada
Entre poeira e silêncio.
Então começa a contar
Antes que a hora se esgote
E sejas tu próprio nada.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Aforismos e Cia. II

            

            Ordem e progresso
Lembram o binômio positivista inscrito no coração da bandeira brasileira? Nunca tivemos ordem, muito menos progresso. Mas não duvido de que o Brasil marcha cada vez mais determinado rumo ao progresso da desordem.
            Moda
Força de pressão mimética, a moda é a mais fugaz das glórias, pois é por definição passageira. Na história da arte do século 20, as vanguardas pipocaram em cadeia movidas pelo mito do progresso estético. Tudo que restou foi um terreno baldio, ou um vão cemitério que nada guarda. Por isso acho que vanglória deveria ser sinônimo de vanguarda.
            Moderno
Ser moderno é ser o ontem de amanhã. Como estranhar que um conceito tão infeliz seja ainda um mito vivo do presente? Afinal, o presente, dentro e fora da arte, converteu a beleza e o prazer estético em produto descartável. Mas a arte, liberta das prisões temporais, continua soprando sua beleza aonde quer. Quem é capaz de reconhecê-la sabe onde encontrá-la.
            Moderno II
Ser moderno enquanto fato é apenas ser contemporâneo. Ser moderno enquanto valor é um paradoxo, pois quando o moderno tem o poder de se desatar do tempo deixa de ser moderno.
            Arte experimental
O que me salvou da arte experimental foi o tédio. Precisei de tempo, sobretudo de liberdade individual, para conquistar a coragem de dizer que o progresso na arte é pura mistificação. À parte os museus, única instituição que significativamente ainda patrocina os herdeiros de Marcel Duchamp, resta apenas esta evidência: a arte experimental morreu de excrementação.
            Conservador
O presente tornou-se tão pavoroso que até os revolucionários lúcidos converteram-se ao conservadorismo. O bem que sobreviver no futuro será obra dos conservadores. Juro que jamais me imaginei escrevendo essa verdade que o espírito do tempo no qual me formei abominaria como tralha reacionária. No entanto, girando agora nos cacos da história o relógio do eterno retorno, resigno-me a dizer que viver é regredir. O único progresso previsível e fatal é o da idade em direção à morte.
            O futuro da vanguarda
Depois de tanta diluição, o único futuro que resta à vanguarda é a morte.
            Consolo da vanguarda
O grande consolo da vanguarda é sempre acreditar que está além do seu tempo. Oswald de Andrade: A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico. Admirável como boutade, mas desastroso como vaticínio. A massa continua deliciando-se com bolacha mofada, quando tem o que morder, enquanto o biscoito fino de Oswald apodrece nas prateleiras da padaria. Pobre consolo que continua merecendo da posteridade a mesma indiferença dos contemporâneos.
Recife, 7 de abril 2014.




domingo, 6 de abril de 2014

Aforismos e Cia.

               
                   
            Impermanência
Tudo é impermanência:
Eis tudo que é permanente.
Mas nossa humana demência
Sonha o eterno presente.
            Vaticínio realista
Ame e viva o presente
Porque o futuro será muito pior.
            Confissão
A confissão migrou do confessionário para o divã, que é interminável e caro. Confiei sempre, até por ser pobre, na confidência da amizade, relação de reciprocidade isenta de guichê e outros interesses escusos. Como esta, a amizade, dissolveu-se em relação de mercado, restou-me a literatura, que converte a confissão em ficção. Não sei de analista melhor. Não cura nada, como a psicanálise, mas pelo menos não custa nada.
            Alfabetização
No meu tempo, Ivo se alfabetizava vendo a uva. Hoje Ivo come a uva, depois a viúva, mata a aposentada e fica com a pensão.
            Democracia
Quem diz que a democracia é o governo do povo, não conhece o povo, muito menos o poder.
            Verdade política
Se um político lhe disser a verdade, ainda que baseado em provas, não acredite. Há sempre o risco improvável de as provas serem verdadeiras.
            Fidelidade
Era tão fiel que traía duas vezes antes de falar.
            Ambição
Sou tão ambicioso que me iludo com a ilusão de me contentar com o que sou e tenho.
            Dinheiro e felicidade
Se o dinheiro não traz felicidade, como juram os que têm demais e os que não têm nenhum, preferiria ser infeliz com muito dinheiro.
            O criador e a criatura
Se Deus existe, como explicar que tenha criado uma espécie tão imperfeita quanto a espécie humana?
            Morrer
Morrer é provavelmente nosso medo extremo. Mas tem uma vantagem: só acontece uma vez. A não ser que você se chame Lázaro e tenha um amigo chamado Jesus.
            Imitação da vida
A maioria dos seres humanos não é socializada para ser livre, mas para imitar a maioria. Conheço raros indivíduos fiéis à radicalidade libertadora do individualismo.
            Acaso e azar
O brasileiro é tão fatalista que confunde o acaso com o azar.

Recife, 4 de abril 2014.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O lobo velho

             
          
            










            Eu vivi pra ser livre
            do amor que amordaça
            o que dei e o que tive
            foi engano e trapaça.
            
            Inspirei-me no Lobo
            quando li Hermann Hesse
            sem saber que era logro
            o que o Lobo em mim tece.
            
            Hoje velho e sozinho
            vivo livre e infeliz
            não encontro um só ninho
            entre quem já me quis.
            
            E eis que assim sou o lobo
            já cansado e sem sorte
            exaurido no jogo
            cujo fim é a morte.
 

terça-feira, 1 de abril de 2014

O homem lobo

            
O lobo que habita a natureza
também habita o homem que eu sou
mistura do sublime e da baixeza
estrume que floresce à luz do sol.

O lobo que enjaulo ou só refreio
que nego como o outro meu avesso
deseja e semeia o que odeio
desmancha e dilacera o que eu teço.

O lobo que astuto dissimulo
dourando com camadas de verniz
civil o mal que nunca em mim anulo
fazendo o que a aparência contradiz

é o outro que constante em mim me trai
humano como eu que nada sei
nadando na corrente que se esvai
depois de me afogar no que amei.

E entanto eu me engano ao me supor
cativo da ilusória divisão
cindindo o lobo e o homem num só nó
o vário num só termo de tensão.

O humano tão confuso e nuançado
repele solução, categoria.
Seu ser se extravia em qualquer lado
extremo entre a loucura e a poesia.