domingo, 29 de junho de 2014
Tarde de Maio
Anoitece e a minha sombra
Tomba na tarde de maio.
O cão ladra e me assombra
O desejo de morte enquanto caio
Em mim e logo de mim saio
E fora, no mundo estou perdido.
No fundo o exaspero e esse latido
Fere-me os tímpanos e exausto
Tropeço indo de um a outro ouvido.
A tarde de maio que era clara já escurece
E a sombra antes tão quieta se esvanece
E voa e aos quatro ventos se dispersa.
Os cães ladram (agora tantos) e me abate
Em vão lutar com a arte, ingrato ofício
Em tempos que lhe são tão adversos.
Na noite já mergulho e o desamparo
Fura-me os olhos e prende-me a garganta.
Os cães ladram, as serras fendem o ar
E o desejo feroz quase me espanta
Fremir nesse desejo de matar.
Recife, maio 2014.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
Medo de Amar
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Natureza
No ruído da tarde um livro transporta-me
Para um mundo há muito perdido.
As imagens fluem na minha solidão
Como uma luz, uma forma de beleza
Que já não há dentro ou fora de mim.
Pontos luminosos no céu
E um mar remoto
Refúgio da minha solidão
Dentro da natureza sem gente.
Isento de consciência verbal
Vivia então um sentido de epifania
Inacessível à realidade presente.
Tornei-me natureza cindida da natureza.
Recife, maio 2014.
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Mutações
Selene é nome de deusa
Forma vestindo outra forma
Sopro de sons perfazendo
Modos secretos de ser.
Ci é do ser variante
Redução da estranha deusa
Que arcanas mitologias
Derramam sobre o presente.
Quantos mistérios segregam
As línguas e suas formas!
Os nomes são mais que nomes
Mais que matéria impressa
Pelo humano destino.
No tempo que os transporta
Novas figuras moldando
A deusa se faz mulher
Que fica, embora passando.
O amor sopra a memória aonde quer.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Máximas e Mínimas XI
Muita gente ama a vida porque não suporta a realidade. Raros os que amam a vida real.
Amo você como você é. Não se ouve frase mais banal e inconsciente na linguagem dos amantes. Por isso os amantes mentem tanto. Se eu pudesse realizar meu ideal de felicidade no amor, diria que esse ideal consiste no seguinte: amar dentro da verdade, ser feliz tendo a verdade como princípio. Infelizmente, me confesso incapaz disso e nunca conheci ninguém capaz de converter esse ideal em realidade. Portanto, convém amar nossa imperfeição tantas vezes mentirosa ou consolar-se amando gato e cachorro.
Uma relação de ódio pode consumar-se no flash de um gesto ou palavra. O amor, entretanto, precisa sempre e sempre dar provas de si: do quanto é generoso, atencioso, desprendido, quente, protetor, fiel, luz acima das meias tintas cotidianas dentro das quais movem-se nossas existências insignificantes. Ai dele se não transpirar no calor e espirrar encolhido dentro do frio. Ai dele se, depois de dez anos de estrita fidelidade, chover no verão ou menstruar em pleno desfile de moda. Ai dele se entoar uma marcha fúnebre na madrugada do segundo dia de carnaval ou dançar um frevo no velório da sogra assassinada. O ódio, por outro lado, não requer qualquer talento ou virtude. É tão fácil quanto ferver água ou dormir de olhos fechados. Por isso às vezes não resisto à recorrência do fracasso e assim me rendo desolado: "Caramba, estou cansado de amar!" (agosto de 1993).
O Brasil passou de colonial a subdesenvolvido, em seguida a país em desenvolvimento, daí a país emergente. Subimos tanto e todavia continuamos atolados no mesmo buraco.
A política denuncia como uma fratura exposta o pior da nossa natureza. É por isso que corro dela. Não é que me suponha apolítico, já que ninguém o é. Simplesmente admito ter o nariz delicado demais para suportar a cru meu próprio cheiro.
Ideologia é a fé secular de quem é incapaz de andar sem a muleta de uma religião.
O otimista é um pessimista mal informado.
Otimista é quem despreza os fatos que desmentem sua expectativa.
O pessimista não é quem vê e espera o pior da realidade; é simplesmente quem aceita a realidade como ela é.
Tanto buscamos o amor, por certo o sentimento e a experiência suprema da nossa vida, e todavia como tão mal e erradamente o vivemos. Juramos amar aceitando o outro como ele é. No entanto, contradizemos essa promessa generosa, pois somos incapazes de transcender o egoísmo que rege nossa natureza. Se amar é um ato de doação, sair de si para se dar ao outro, por que tantos amantes não saem de si próprios?
Se houvesse no ser humano um grão de sabedoria, ele adotaria como princípio ser fiel à sua natureza. Somos, contudo, tão inconscientes do que somos que confundimos a função do papel higiênico com a do guardanapo.
Os céticos antigos diziam que a vida não era para ser levada a sério. Mas no Brasil, convenhamos, a gente exagera.
Inconsciência, teu nome é Brasil!
A vaidade é uma variação ruidosa da estupidez.
As pessoas não suportam o silêncio porque temem ouvir a sua voz irredutível.
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