quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O Inferno na Tarde


A casa vazia.
A vida vazia.
Queimou todas as cartas de amor
As fotos, as roupas, tudo
que fosse matéria portadora de símbolo
Da sua presença que em vão tentou apagar
durante anos de perda e desolação.

A sombra severa e punitiva dos pais.
Nunca um gesto de amor
Um vinco de ternura
Dentro da casa sombria.
As paredes úmidas recobertas
Por imagens impenitentes.

Tudo negro e mórbido à sua volta.
Desde a infância mais remota
Impregnou-se de imagens e sons
Recortados pela Inquisição
O catolicismo sádico, a supressão
De tudo que acaso pudesse inspirar-lhe
Um sopro de graça, a luz
De uma divindade amorosa.

Na sua imaginação longe
De tudo a Espanha queimava
Como uma fogueira eterna.
Via sempre uma mulher de preto
Arrastada para o patíbulo
Ardendo nas chamas do inferno.
O rosto da mulher pregado
Na cruz do pesadelo era
O seu e o céu ausente
Fechava-lhe todas as portas.

O fantasma onipresente de Franco.
Uma vida inteira policiada
Pelo pecado, o pavor de pecar, arder
Na eternidade do inferno.
Queimou as cartas de amor que denunciavam
Seus desejos imperdoáveis.
Embora tanto se punisse, a culpa
Nada cedia, nada perdoava
Consumindo-lhe as forças vacilantes
Cada vez mais vulneráveis.

O quarto vazio.
A vida vazia.
Saltou no vazio
Numa tarde de sol inglesa.
Por que numa tarde assim
Numa iluminada paisagem inglesa?

Dizem os amigos presentes que agonizou
Durante cerca de uma hora.
O que mais me atormentou quando
À noite regressei de Londres
Foi a imaginação da sua agonia.
Dizem que seus olhos ardentes murmuravam:
Pilar é o inferno.

Recife, 12 de dezembro 2013.

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