quinta-feira, 20 de abril de 2017

No Mural do Facebook XXVII


A cultura da depressão:
Nos anos 1960 Philip Rieff escreveu um livro antecipando o advento da cultura terapêutica, hoje uma banalidade transpirando sintoma a olhos vistos. Dentro dessa cultura, a depressão ocupa lugar especial. Há uns 20 anos, participei breve e discretamente de um trabalho em favor de reformas no Hospital da Tamarineira, Recife. Dentre outras atividades, fui debatedor com psicanalistas e psiquiatras num ciclo intitulado: Depressão: a doença do século XXI. E por aí anda ela, tão onipresente e banal que é confundida com tristeza, outros sentimentos naturalmente humanos e portanto banalizada ao extremo do irreconhecível.
Há até indícios de que está migrando para o terreno da crítica social. Noutras palavras, se você é um crítico negativo, se intervém no debate público (sejamos condescendentes) adotando posições autônomas e assim resistentes ao enquadramento no jargão ideológico reinante, não se espante se for lido num registro psicologizante alheio à matéria da sua crítica. Se escrevo algo que contraria ou ameaça as certezas e defesas psíquicas do leitor, ele salta do texto para o autor qualificando-o como depressivo.
Ora, se lhe causo esse mal involuntário, bem mais prático é ignorar o que escrevo e deixar minha "depressão" em paz. Abusar de um termo como o fazem, serve apenas para banalizar e corromper o sentido cada vez mais precário da semântica que rege a cadeia de sentidos que precisamos tecer para conferir direção à nossa vida. No mais, conheci e acompanhei de perto os infernos psíquicos de pessoas verdadeiramente vitimadas pela depressão. Não degradem o sentido da experiência tão dolorosa e desesperante dessas pessoas confundindo-as com minhas doenças benignas.
(Publicado no Facebook. 22 de janeiro 2017).

A dor de ser, disse alguém
Congela as águas do mar.
Tudo que morre quer ser
Tudo que é ser, acabar.

A dor ensina:
A doença prolongada e semi-incapacitante abalou-me muito e me fez revisar muito do que penso. É difícil suportar a doença quando se vive só e habituado a cuidar de si próprio. Não sei se a dor e a solidão involuntária, quase isolamento, ensina alguma coisa. Sei que não quero nunca tornar-me um ressentido, remoendo frustrações ao constatar o quanto nossas supostas amizades e afetos são falíveis. Procuro fixar-me no que a doença me propicia de revelação humana comovente. Antes de tudo, a bondade dos estranhos, sobretudo dos humildes, cujo sofrimento humilha minha fraqueza. Agora compreendo melhor o que Montaigne e Tolstói queriam dizer quando tomavam os pobres e oprimidos como modelo de sabedoria. É comovente ver o quanto é doloroso e humildemente heroico o cotidiano dessas pessoas. Não apenas suportam estoicamente a privação e a dor, mas são solidárias, generosas sem cálculo. Elas e a minha dor me ensinam que a mais bela virtude humana é a bondade, a compaixão desinteressada.
(Publicado no Facebook, 09 de abril 2017).

Fatos e Versões:
Fatos são versões. Aristóteles: O homem é um animal racional. É na medida em que somos a espécie biologicamente mais dotada para o exercício da razão. Adotar este fato como fundamento da definição de um ser é um erro, pois somos escravos das paixões. Nietzsche: não existem fatos, existem versões. Se você acredita que a Lava Jato é uma versão, não importa a razão, ela será o que você quiser. Mas isso tem consequências. Freud: o princípio da realidade é imperativo. Você pode acreditar que fatos são versões e fazer dos primeiros o que convier a seus interesses e convicções partidárias, religiosas etc. Mas a podridão do fazendão chamado Brasil é um fato. Acredite no que quiser e lhe convier; lute pela versão que corresponder à paixão dos seus desejos. Os fatos são fatos. Portanto, existe pelo menos uma verdade imperativa: a verdade factual. Se a sua paixão adota o partido das versões, você está objetivamente contribuindo para destruir um país que já não tem o que destruir.
Publicado no Facebook, 13 de abril 2017).



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