segunda-feira, 19 de maio de 2014
Nos Murais da Internet
Transcrevo abaixo alguns textos curtos que escrevi e postei no mural do Facebook e no espaço de comentário de blogs e revistas eletrônicas dos quais sou ou fui colaborador. São textos obrigatoriamente sumários: ora uma nota crítica sobre assunto corrente, ora a apreciação sumária de alguma questão excepcional ou ainda banal, quando não evidência momentânea de impasses sociais ou existenciais. Sendo de tal natureza, é duvidoso que resistam à leitura isenta da circunstância que os animou. Ainda assim, arrisco-me a postá-los no meu blog. Receio que não interessem a quase ninguém, mas aí ficam como registro fugaz de um sopro do tempo e da história que de algum modo se imprime na minha vida e na do leitor improvável.
Biografia autorizada
Noto com prazer que o último editorial da revista Será?(que me desculpem os editores, mas insisto em designar a opinião semanal do periódico como editorial) está provocando muito debate. Sou um leitor apaixonado de biografias, que costumo incluir numa categoria mais ampla: a literatura íntima. Portanto, modéstia à parte, conheço razoavelmente não apenas a produção nacional, mas sobretudo a anglo-saxônica. Fiquei profundamente decepcionado ao constatar que artistas e intelectuais que admiro associaram-se para promover de forma pública e ativa um ato de violação fundamental à liberdade de expressão. Sei que a questão é complexa. Os comentários que andei lendo na mídia sugerem o quanto é controvertida. Por isso vou ressaltar alguns pontos que me parecem mais importantes.
O biografado é por definição uma figura pública. Quem já ouviu falar em biografia de algum anônimo? Sendo público, ele perde o direito à sua privacidade. Tanto isso é verdade que produz uma obra precisamente com o objetivo de sair do anonimato. Outra prova: todos querem que escrevam as biografias que aprovariam, a biografia que convém à sua vontade e narcisismo. Chico Buarque, por exemplo, aprovou e colaborou ativamente para que Regina Zappa (nem sei se escrevo o nome preciso, tão irrelevante é o perfil que escreveu sobre ele) publicasse um livro sobre a sua vida e obra que não agüentei ler a metade. A razão? Não passa de obra de celebração, livro de fã para exaltar o ídolo. Ora, não é este o objetivo nem a função principal da biografia. A biografia, no seu melhor sentido, é um subgênero da historiografia compreendida em sentido amplo. Portanto, obedece a critérios de pesquisa e interpretação que a tornam expressão relevante de toda grande tradição letrada.
O Brasil ainda produz muita biografia ruim, ou puramente jornalística, compreendido o termo no seu sentido meramente factual ou rasteiramente crítico, porque não firmou ainda uma tradição como a que se observa, por exemplo, no ambiente intelectual anglo-saxônico. A imposição da biografia autorizada é antes de tudo uma violação da liberdade de expressão, mas é também um obstáculo à lenta sedimentação de uma tradição de literatura íntima digna das grandes tradições intelectuais. É portanto desolador constatar que estamos ameaçados por esse retrocesso no âmbito da produção intelectual e artística. Mais grave ainda, e profundamente decepcionante, é constatar que esse movimento obscurantista é ativamente endossado por artistas e intelectuais que foram vítimas do arbítrio autoritário, que produziram uma obra admirável em condições adversas e por isso inspiraram tanta admiração e respeito aos extratos mais democráticos da nossa sociedade. (21 de outubro 2013).
Biografia autorizada – comentário II
Caro João Rego:
Grato pelo comentário que alonga o meu e o enriquece com algumas achegas psicanalíticas. Você cita apropriadamente um ensaio de Freud ao qual poderíamos acrescentar “Psicologia de grupo e análise do ego”. Acrescentaria que o público leitor de biografia, assim como o grupo que a produz, é muito diferenciado. Há o leitor, também o biógrafo, que reduz a biografia a voyeurismo barato, ou olha pela brecha da fechadura movido por pulsões sado-masoquistas, inveja e outras motivações espúrias. Essa impureza está em tudo que é humano. Quando for o caso, que o ofendido ou caluniado recorra à justiça.
Minha preocupação, que procurei sugerir no comentário precedente, está orientada para a biografia como exercício de liberdade crítica, como expressão de cultura capaz de articular de forma crítica e iluminadora o autor, ou o biografado, e a obra que produz. Grande parte da melhor crítica filosófica e literária inglesa, por exemplo, é obra de biógrafos. Citando um exemplo brasileiro, ainda que em escala bem inferior, um biógrafo como Ruy Castro concorreu de forma decisiva para repor Nelson Rodrigues e a Bossa Nova de forma renovada no cenário intelectual e artístico brasileiro.
Como você, admiro profundamente Chico Buarque e Caetano Veloso, expressões definitivas da nossa cultura. Além disso, sabemos que a importância deles transcende a esfera musical. Por isso precisam ser estudados e criticados de forma livre. Pelo visto, estão decididos a fazer o que possam para que sobre eles se publique apenas o que querem que seja publicado. Se isso não é censura prévia e atentado contra a liberdade de expressão, então, citando versos do censurado de outrora, “chame o ladrão, chame o ladrão”. (21 de outubro 2013).
Che, o filme
Ontem assisti num dos cinemas do Shopping Guararapes à segunda parte de Che, dirigido por Steven Soderbergh. Há uma evidente ruptura temporal entre a primeira e esta. A primeira acaba quando os revolucionários liderados por Fidel Castro e Guevara estão a caminho de Havana com a revolução já triunfante; a segunda concentra-se na Bolívia depois que Guevara renuncia à função dirigente que exercia no governo revolucionário para consagrar-se integralmente à ação guerrilheira nos campos e montanhas bolivianas.
Vi o filme numa sala quase entregue às moscas. Havia apenas uns três gatos pingados, todos ainda mais velhos que eu. Como explicar que o mito Guevara, estampado em camisetas, bandeiras e posters difundidos pela cultura de massa não atraia um jovem sequer à sala do cinema? Longe de mim propor qualquer explicação. Acho apenas que a sociedade de consumo devora tudo, até sua negação radical. Como admitir isso sem ser picado pela sensação de impotência ou até de niilismo em face dos poderes sociais vigentes? A política radical identificada como foquismo nos anos 1960 é puro delírio revolucionário, tão inviável quanto o radicalismo anarquista do grupo Baader Meinhof, também convertido recentemente em filme. Aliás, parece-me bem melhor do que os dois de Soderbergh dedicados ao mito Guevara. (04 de novembro 2009).
Os dez melhores livros
Já que tantos estão brincando de listar os dez melhores livros e até escalando seleção de livros, como é o caso de Cristiano Ramos, intrometo-me na brincadeira e posto a minha lista. Adianto que sigo o critério proposto por Elizabeth Hazin, isto é, livros que nos marcaram nas circunstâncias singulares em que os lemos. Daí pode-se logicamente deduzir que pelos menos alguns dos livros que incluo na minha lista poderiam ser excluídos se acaso os submetesse a uma releitura. Esclareço, por fim, que a lista é composta pelos dez primeiros livros que me vieram à memória. Se me detivesse rememorando leituras, por certo a lista seria outra.
1 – Hamlet – Shakespeare
2 – King Lear – Shakespeare
3 – Ensaios – Montaigne
4 – Dom Quixote – Cervantes
5 – Judas, o Obscuro – Thomas Hardy
6 – A Consciência de Zeno – Italo Svevo
7 – O Processo Maurizius – Jakob Wassermann
8 – Moon Tiger – Penelope Lively
9 – Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
10 – Macunaíma – Mário de Andrade.
P. S. – Mal concluí a lista, lembrei-me de Crime e Castigo e Guerra e Paz, que com certeza entrariam na minha lista definitiva. (31 de janeiro 2014)
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