sexta-feira, 20 de março de 2015

No Mural do Facebook III


O Capital Moral do PT
Penso que a mais nefasta conseqüência moral da corrupção que corroeu e destruiu a identidade ideológica do PT, não obstante a cegueira tenaz dos sectários, consiste na degradação do capital moral que ele infundiu na política brasileira. O PT representou, sem dúvida, a maior renovação democrática e partidária do Brasil. Foi o primeiro e único partido formado a partir das bases mais conscientes e organizadas da classe trabalhadora associada aos movimentos mais avançados da sociedade: as comunidades eclesiais da Igreja católica e os melhores setores da esquerda saída da ditadura. Mesmo gente como eu, que nunca foi petista, reconheceu esse sopro de renovação política trazido pelo PT. Durante anos, apesar dos erros inevitáveis e do radicalismo muitas vezes desastrado, o PT simbolizou para os melhores setores da sociedade uma alternativa progressista e uma fonte de inspiração ética.
Confesso que comecei a duvidar dele e do seu discurso quando Marilena Chauí se impôs nos anos 1980 como a articuladora da ética da transparência. Quem lembra ainda o que dizia bradando e fazendo coro indignado com Lula, sempre raivosamente moralista, contra os demais partidos? Quem lembra o tom arrogante desse discurso banhado pela pureza redentora de uma tradição utópica investida da missão autodelegada de salvar o mundo? Encurtando o enredo, vejam onde o PT acabou. Por mais que queiram apagar a luz do sol que ilumina a realidade no calor do meio-dia, não há como negar que o PT seguiu e até radicalizou a trilha das nossas tradições corruptas. O maior estrago, como comecei dizendo, foi a dissolução do capital moral que simbolizava para os melhores setores da nossa sociedade, para aqueles que acreditavam em alternativas políticas progressistas e realmente transformadoras. Agora, queiram ou não os sectários, o PT é apenas um partido igual a tudo que combateu desde a sua origem promissora. Isso concorreu não apenas para dissolver promessas e esperanças de mudança qualitativa, mas também para promover o vale-tudo que observamos disseminar-se por toda a sociedade. Esse é o mal mais maligno que o PT promoveu na política e na sociedade brasileira.
(Postado no mural do Facebook, 18 de março 2015).

A Irracionalidade dos Petistas
Sérgio Ferraz mencionou Stanislaw Ponte Preta aqui no mural do Facebook. Isso me fez lembrar um samba muito inventino, de fino humor, como tudo que Stanislaw escrevia e criava, intitulado Samba do Crioulo Doido. A letra, para quem não conhece o samba, é uma condensação delirante da história do Brasil, uma paródia maluca de samba-enredo das escolas de samba. Lembrei o samba porque tenho lido o que muitos partidários do PT escrevem sobre os últimos acontecimentos. É uma mistura maluca de ignorância e sectarismo movida a paranóia e desprezo cego pela realidade. Não sei sinceramente o que dizer a essas pessoas. Há muito procuro compreender a irracionalidade humana, sobretudo no plano das relações amorosas, religiosas e políticas. Cheguei à conclusão de que o ser humano é em princípio, dependendo das circunstâncias, capaz de acreditar em qualquer coisa. O mais grave é que nossas crenças mais primitivas, impermeáveis à prova dos fatos e da razão, têm sido e continuam sendo uma fonte de horrores na história humana. Lembrando outro samba, este de Paulo Vanzolini, confesso que me rendo à força dos fatos. É inútil argumentar racionalmente com quem está enceguecido pela ideologia. Como também estou farto de enganação e desconversa delirante, vou cair fora deste mural.
(Postado no mural do Facebook, 17 de março 2015).

Crise política e golpismo
Faz vários dias que alguns vizinhos golpistas bradam nas varandas contra Dilma e o PT entre sopros de apito e vuvuzela. Os otimistas ou crédulos acham que nossa democracia é sólida simplesmente porque, depois da ditadura, foi promulgada uma “constituição cidadã” e algumas instituições básicas funcionam. Antes isso do que o pior, friso. Daí a acreditar que vivemos numa autêntica democracia, o erro me parece provável. Uma verdadeira democracia supõe conquistas que estamos ainda muito longe de alcançar. Ficando no miúdo, faltam-nos de fato direitos que todo Estado democrático assegura ao cidadão (que nunca fomos), sobretudo quando a sociedade é sangrada por impostos extorsivos. Que direitos são esses? Moradia, saúde, educação, segurança, transporte... em suma, uma vida social verdadeiramente digna e cidadã. Os anos de governo do PSDB e do PT promoveram avanços significativos em várias áreas, mas no essencial nada mudaram. Volta-se a falar em reforma política e reforma social como falavam antes do golpe que instaurou a última ditadura. O enredo essencial é ainda o mesmo, insisto. Enquanto não houver uma reforma social profunda no Brasil, o risco da regressão golpista, das soluções de intolerância e força, que nada solucionam, continuará rondando este país de muita esperança e pouca mudança.
(Postado no mural do Facebook, 15 de março 2015).

Corrupção
Li as várias tentativas de explicação da leniência ou cumplicidade generalizadas de brasileiros de diferentes perfis em face da corrupção. Suponho que nenhuma parece suficiente, tanto que continuamos propondo razões de variável consistência. Longe de mim propor uma que satisfaça a mim próprio. Não obstante, acrescento alguns palpites. Antes de tudo, a corrupção está entranhada em toda a nossa formação social. Portanto, mais do que nos casos de incidência rotineira em outras sociedades, no Brasil a força explicativa do etnocentrismo é muito mais poderosa. O etnocentrismo é uma verdade consensual na antropologia e na psicologia social, isto é, tendemos inconscientemente a aceitar os valores e práticas dominantes na sociedade em que vivemos. Por isso há muito passei a dar importância muito maior a quem diz não, a quem nada na contracorrente. Ademais, o racionalismo ensinou-me paradoxalmente a perceber o quanto o ser humano é movido pelas paixões. Esta é a força talvez mais poderosa das ideologias, um complexo abstrato de interesses e desejos passível de cegar as inteligências mais agudas. Quando penso nas sandices em que gênios como Rousseau, Marx, Engels, Trotsky e Rosa Luxemburgo acreditaram (para citar apenas alguns exemplos de utópicos de esquerda), concluo que o ser humano pode em princípio acreditar em qualquer coisa. Em suma, entre todas as crenças mais delirantes talvez a mais sustentável seja acreditar em Deus. Pelo menos não há como demonstrar racional e empiricamente sua inexistência. Talvez no fundo o católico Chesterton tenha razão: quando as pessoas deixam de acreditar em Deus, passam a acreditar em qualquer coisa. Se alguma coisa aprendi, foi a contentar-me com meu racionalismo que muito pouco explica e por isso se acautela contra qualquer tipo de presunção dogmática.
(Postado na Revista Será? em 22 fevereiro 2015)