terça-feira, 28 de junho de 2016

Na Pista do Laçador


Quando contigo dançava
Na pista do Laçador
Meu coração batucava:
Teu corpo no meu suor.

Tua pele no meu calor
Quando o trompete vibrava
Na pista do Laçador
Meu coração te enlaçava.

Pé no teu pé no teu meu
Passo errante dançava
E havia um sonho de céu
No braço que te apertava.

Quando contigo dançava...
E entanto foi só uma vez.
Eu nos teus braços sonhava
Fazer... e a gente nem fez...

Recife, setembro 1993.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Chuva e mar


Amo a chuva.
A soledade da vida
Molhada dentro da chuva.

Amo vagar por vagar.
O sem-sentido da vida
Assimilado ao andar.

Deus e os pecados do mundo
Onde me querem levar?
A água lavando tudo
A redenção vem na chuva
Vem no dilúvio, no mar.

Depois de tudo, desnudo
Em chuva e mar dissolvido
Fosse eu na paz do mar-tudo
O mar liberto de tudo
Fosse o mundo esse mar.

Porto de Galinhas, junho 1998.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Roman Road, Colchester


Existo e assim existo nessa treva
Que às cegas me move e ainda me leva
Além do que na lida figurei
Teimando em indagar o que não sei.

De longe, muito longe me chamavam
As vozes que na noite me amavam
E entanto à luz do dia dissolviam
Meu canto cujas notas esqueciam.

Meus passos já se movem com a fadiga
De quem bem se fartou das vãs intrigas
Que turvam a urdidura desse mundo
Vertendo o que no ralo deita ao fundo.

Existo e isso é tudo e nada sobra
E em cada semelhante, em cada obra
Diviso um fim que engana e ignoro
O que será de mim se o que já sou
Me escapa enquanto cato o que sobrou
Do que doendo em mim é o que choro.


domingo, 12 de junho de 2016

A beleza da mulher


Era tão bela que de mim zombava
Pisando minha triste imperfeição
No céu a estrela vaga se apagava
E a mãe natura no mar lavava
O desenho torto da criação.

Era tão bela e tão orgulhosa
Que soberana tudo destratava
Indiferente à fluidez da rosa
Do ser que passa como ela passava.

Era tão bela que esqueceu o tempo
O tempo algoz de tudo que é humano.
Restou-lhe a fuga, a humilhante fuga
Do espelho fluido como seu engano
Cego na linha onde reponta a ruga.

A mãe natura pisa impiedosa
A beleza volúvel da mulher
Pois se sopra a beleza no espelho
Sopra o avesso da beleza aonde quer.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

A Voz do Vento


Por que desejo e tanto agora quero
Que a mim me lembres nos meus ermos anos
Eu que por ti, por nada mais espero
Por que chorar-te nesses meus enganos?

Por que o tempo ido e dissipado
Retomo agora, se é irresgatável
E o meu presente erra o teu passado
E a perda que me dói é o inefável?

E entanto do meu sono ainda te apossas
E embora forceje e te afugente
Nas noites de insônia ainda me coças

Memórias entoando esse lamento
Que já nem sei se é dor, se é voz de gente
Ou a dor que vem e vai na voz do vento.

Recife, 07 de junho 2016.

domingo, 5 de junho de 2016

A trilha da solidão


To be free is often to be lonely
Auden

Não mais a solidão de outros anos
Não mais a solidão da longa espera
Tampouco outro amanhã, outros enganos
O sol nutrindo grãos de primavera.

A vida como é, não como era
É árdua como a crosta dessa esfera
Que rola sobre ruas onde vela
A fome de quem cala e desespera.

As noites são desertas e os dias
Prolongam tua dor que há de durar
Até que te decifres aporias
Que a vida não te ensina a decifrar.

Os amigos partiram pra bem longe
Num mundo de paixões tão divididas
Que o pouco que era certo já se esconde
Nas trevas que sufocam nossas vidas.

Ser livre na cidade sitiada
Ser livre quando o mal é soberano
Seguir sempre na trilha devastada.
A solidão é luz ou desengano?

A solidão é a ilha que invento
Lutando na esperança de salvar
O que é meu sentido e meu alento
E sei que como tudo passará.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

No Mural do Facebook XVIII


O Brasil não existe

Antes, bem antes de ser brasileiro, eu já queria nascer no Brasil. Quem não gostaria de viver num país de povo amante da diversidade, isento de preconceitos, festivo como o carnaval, inventivo como o futebol e as escolas de samba, sensual como a mulata que passa requebrando com o pudor de quem anda nua, como disse um dos cultores das nossas virtudes?
Pensei nessas tolices porque ando relendo as memórias de Stefan Zweig, o judeu errante que disse noutras e célebres palavras o que rabisquei acima. Zweig cativou os brasileiros, sempre mais nacionalistas do que outros nacionalistas, quando ventilou profecias paradisíacas sobre o nosso futuro. Brasil, país do futuro, ou coisa parecida. Nasci, tornei-me brasileiro, estou agora bem mais perto da morte do que do futuro e no entanto o futuro paradisíaco nunca chegou. O Brasil que sonhamos, assim como o de Zweig, é sempre o Brasil de amanhã.
O problema do futuro, não importando quanto seja paradisíaco, é este: não é nunca hoje. Hoje é o único tempo real. Portanto, até quando nos consolaremos com um país que será sempre amanhã? Amanhã, já cantava o outro, que acabou cantando o pior do presente, amanhã vai ser outro dia. A frase, que nos apaixona por ser uma metáfora, é sempre uma promessa adiada, sempre uma esperança: o bem que se quer e não se tem. Nenhum país que inventou seu presente precisa consolar-se com um futuro improvável. Como não sabemos o que fazer do que somos coletivamente, conspiramos, insultamos e nos intoleramos (com perdão do dilmês) quando os males que tramamos caem sobre nossas delirantes cabeças. Como não nos sabemos, nem nos queremos como somos, penduramos a consciência na ilha de Marajó, seguindo o exemplo de Macunaíma, herói da nossa gente, e culpamos o outro. O culpado é sempre o outro.
Ah, antes que me esqueça: Stefan Zweig, coitado, não pôde viver o Brasil do futuro porque se suicidou no presente. Aliás, tudo é sempre o presente. Brasileiros, acordem para o presente. Desconfio de que não falei do exclusivismo político que colonizou a vida dos chamados brasileiros conscientes, politicamente esclarecidos e responsáveis. O que subjetivamente sei é que me sinto como Stefan Zweig isento da queda no suicídio. Quero dizer, sinto-me estrangeiro no país do amanhã, solitário no país do hoje. E com franqueza: não acredito nessas maravilhas que vemos espelhadas na imagem nacionalista que cultuamos. Será que algum dia aprenderemos a conjugar nossa realidade (este princípio imperativo, como diria Freud) no presente do indicativo?
(Postado no Facebook, 23 de maio de 2016).


Culto da personalidade:
Quem conhece a história do comunismo, em particular o stalinismo, sabe do que falo. Stálin, um dos maiores tiranos da história, foi objeto de culto, inclusive de intelectuais que se supõem a consciência da humanidade. A verdade, que o próprio PC soviético passou a admitir desde o Congresso de 1956, é ainda ignorada por alguns comunistas retardados, que não suportam o choque doloroso da verdade. Enquanto suprimia ou tiranizava a vida de milhões de soviéticos e inimigos externos, Stálin era celebrado por escritores como Jorge Amado e Pablo Neruda (cito apenas os dois comunistas latino-americanos mais célebres) como pacificador dos povos e benfeitor da humanidade.
Observando a sociedade das massas e o culto desvairado que milhões devotam a ídolos do rock e do futebol, não é difícil compreender porque serem humanos que nada fizeram de humanamente significativo ou não sabem que são poeira da história, antes de tudo por aceitarem essa condição, cultuam delirantemente esses ídolos. Freud estudou as bases psicológicas desse fenômeno cada vez mais corrente na sociedade das massas no seu ensaio "Psicologia das Massas e Análise do Ego" (entre nós erradamente traduzido como Psicologia de Grupo, etc). Embora neste parágrafo refira-me até aqui ao culto dos ídolos da cultura de massas, o fenômeno estende-se igualmente para a esfera da política, tanto que comecei aludindo a Stálin como objeto de culto da personalidade.
Sem nem de longe comparar o culto a Stálin com o culto a Chico Buarque (pois seria uma analogia infame, coisa que leio petista fazendo todos os dias), quero protestar contra blogueiros servis, embora alguns sejam comprovadamente pagos, que diariamente infiltram na minha página posts de culto a Chico Buarque. Como o que acima escrevi já deixa implícito, não cultuo nenhum ídolo. Cultuar ídolos é algo indigno de um homem que luta para ser livre, na medida em que isso é possível. Esta é minha luta e minha ambição. Tenho compromisso com minhas convicções e com a minha consciência. Logo, não cultuo Chico Buarque nem ninguém. Uma coisa é admirá-lo como nosso maior compositor, segundo apenas para Tom Jobim; outra é isso que aqui critico. Ademais, há muito deixei de ter razões objetivas para admirar ética e politicamente o Chico Buarque que já admirei. Por isso tenho removido esses intrusos e intrusas que se enfiam na minha página para cultuar Chico Buarque. Alguns trazem o timbre "Patrocinado". Por quem, é a única coisa que gostaria de saber. Afastem-se de mim todos esses que carregam no lombo de escravo mental e moral todos os santos de pés de barro da política e da cultura de massas.
(Postado no Facebook, 29 de maio de 2016).