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terça-feira, 28 de junho de 2011

O Povo Brasileiro



Darcy Ribeiro é um dos últimos grandes intérpretes da cultura Brasileira. Depois de sua morte, em 1997, restou apenas Roberto da Matta, curiosamente omitido da mais recente coletânea de textos consagrada aos intérpretes do Brasil. Refiro-me à obra Um enigma chamado Brasil, organizada por André Botelho e Lillia Schwarcz. A omissão de da Matta é ainda mais estranha se consideramos que nela figuram nomes bem menos conhecidos e influentes, além de outros pouco característicos dessa tradição que tenho contemplado numa série de artigos sobre a cultura brasileira.

A obra de Darcy Ribeiro é marcada de ponta a ponta pelo espírito de participação apaixonada. Intelectual declaradamente militante, Darcy escreveu sempre movido pelo desejo de ação. Sua luta em defesa do povo brasileiro, notadamente as camadas mais impiedosamente oprimidas, imprimiu à sua biografia tons de grandes feitos românticos, uma vontade de mudança revolucionária que lhe custou exílio político e muita instabilidade, incerteza e derrota. Sendo no entanto um otimista incorrigível, manteve-se fiel à sua convicção de que desse Brasil tão surpreendente, de tão complicada organização e explicação teórica, brotaria uma nova Roma, como dizia, lavada em sangue negro e índio. Esses rompantes nacionalistas em meio a uma obra de análise de natureza científica levam o autor a extremos confinantes com uma visão cultural ufanista. Isso é patente no tom com que louva nossa miscigenação e sensualidade.

Darcy Ribeiro foi militante do Partido Comunista nos anos 1940. Nessa mesma década especializou-se em etnologia na Escola Livre de Sociologia e Política, de São Paulo, onde foi colega de Florestan Fernandes, que se tornou o grande nome da escola de sociologia paulista. Inspirado pelas lições de Herbert Baldus, um dos professores estrangeiros contratados pela Escola Livre de Sociologia e Política, dedicou-se apaixonadamente ao estudo das culturas indígenas e viveu durante cerca de dez anos entre os índios. Isso explica o lugar de relevo que nossa matriz indígena ocupa na sua obra e em particular em O Povo Brasileiro.

Darcy Ribeiro também se destacou por sua luta tenaz em defesa da educação. Discípulo e amigo fiel de Anísio Teixeira, um dos líderes do Movimento da Escola Nova, lutou até o fim pela institucionalização da escola pública de qualidade segundo o modelo das melhores políticas de educação pública. Além de ser um dos criadores da Universidade de Brasília e da Universidade Estadual do Norte Fluminense, atuou de forma combativa na esfera universitária e política em vários países latino-americanos durante seus anos de exílio político. O exílio lhe foi imposto pelos militares devido ao papel chave que desempenhou no governo deposto de João Goulart – era Ministro da Casa Civil – além de sua tentativa de organizar uma resistência armada ao golpe militar de 1964. Os militares permitiram que retornasse ao Brasil antes da anistia política por estar sofrendo de um câncer no pulmão que, esperava-se, logo o mataria. O fato, porém, é que o tenaz e incorrigível otimista sobreviveu até 1997. Estava internado na UTI quando fugiu para refugiar-se na casa que tinha à beira de uma praia. Lá conseguiu dar forma definitiva a seu livro O Povo Brasileiro, obsessão da sua vida. O livro foi publicado em 1995.

Esta obra, que perseguiu a imaginação criadora de Darcy Ribeiro durante mais de 30 anos, como ele mesmo frisa no prefácio, é uma ambiciosa tentativa de aplicar à formação sociocultural do Brasil a teoria geral que ele elaborou durante muito tempo. Dela resultaram obras como O Processo Civilizatório, sua teoria mais abrangente, As Américas e a Civilização, restrita à antropologia das Américas, Os Brasileiros: teoria do Brasil, e por fim O Povo Brasileiro. Retrocedendo às nossas origens, como de resto procederam todos os explicadores do Brasil, Darcy Ribeiro parte das três matrizes formadoras da nossa cultura que, através de complexos processos de encontro, conflito e caldeamento compuseram as linhas fundamentais da nossa formação. Darcy Ribeiro louva o caráter híbrido da nossa cultura – não raro em tom que beira o ufanismo, como acima sublinhei -, sua sensualidade e alegria de viver, pontos nos quais muito se aproxima de Gilberto Freyre, mas também ressalta com igual intensidade os processos de conflito e espoliação que marcam o conjunto da nossa formação social.

Começando pela cultura indígena, o autor deixa evidentes os vínculos profundos que o prendem a essa matriz da nossa formação. Ela foi decisiva, entre outras coisas, por ser portadora de uma rica experiência antropológica de enraizamento no trópico, na imensidão das matas e florestas, onde os indígenas desenvolveram formas de cultura ajustadas ao ambiente. O colonizador português soube aliás astutamente assimilar no convívio com o indígena os meios técnicos e culturais necessários para adaptar-se como europeu às condições impostas pelo ambiente novo. Além de domesticar muitas plantas selvagens que transformou em meios fundamentais de nutrição, como o milho e a mandioca, o índio desenvolveu no trópico uma cultura própria e autônoma. Somente a visão etnocêntrica do colonizador poderia negar a esses grupos humanos uma riqueza de vida espiritual que é profundamente diferente da europeia, ou civilizada em geral, mas igualmente significativa do ponto de vista antropológico.

O contato das culturas indígenas com o colonizador europeu resultou desastroso para sua sobrevivência. Além de lhes impor formas brutais de deculturação, termo que copio do livro de Darcy Ribeiro, de repressão ou supressão da sua cultura, como foi patente no caso da catequização imposta pelos jesuítas, essas culturas foram submetidas a um verdadeiro etnocídio provocado por doenças trazidas pelo europeu, estranhas ao meio tropical, que dizimaram muitas tribos. Havia naturalmente um conflito insolúvel entre essas culturas, bem próximas da natureza e regidas por valores culturais incompatíveis com os do colonizador, e o projeto mercantil do português, que buscava no trópico apenas a riqueza fácil, as pedras preciosas, a natureza traduzível em lucro e acumulação. Foi também por essa razão que o português tentou sem sucesso escravizar o índio. Este importava para aquele, antes de tudo, como fonte de exploração econômica. Diante da impossibilidade de ajustá-lo à máquina de produção mercantil, o colonizador adotou por fim a política de escravização do negro.

O fim do parágrafo acima explica de modo sumário como a terceira matriz da nossa formação cultural junta-se às duas primeiras. Darcy Ribeiro descreve em dois longos parágrafos notáveis (ver pp. 119-120), de intensidade descritiva comovente e chocante, o percurso de vida do escravo africano desde o momento em que era aprisionado e vendido ou trocado no seu continente até o seu fim como trabalhador escravizado no trópico. Segundo o autor, o tempo de vida médio de um escravo submetido ao trabalho pesado – portanto distinto do escravo doméstico preferencialmente estudado por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala – ia de sete a dez anos. Trabalhando o ano inteiro, sem pausa sequer aos domingos, dia em que era liberado para cultivar a rocinha de onde extrairia seu sustento. Melhor que pobremente parafrasear os parágrafos citados é citar o segundo, que vai da página 119 à 120:
“Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos – maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela como um graveto oleoso”.
Parafraseando Brás Cubas, de Machado de Assis, foi sobre esse solo tenebroso que a elite brasileira se formou, assim como foi sob ele, ou calcado pelas botas da escravidão, que se moldou e torturou não apenas um povo, o brasileiro, mas uma rede de instituições, técnicas de governo e dominação, de regime de trabalho espoliador, de práticas de vida e relação social que infelizmente não desapareceram de todo da nossa realidade presente.

De onde afinal vem esse povo tão sofridamente descrito no livro de Darcy Ribeiro, de onde procede sua identidade? O autor propõe uma teoria baseada na condição de “ninguendade”, com perdão do neologismo esquisito, do fruto da miscigenação processada inicialmente entre o colonizador português e a índia, mais tarde entre aquele e a escrava negra. Darcy afirma que os filhos brotados desses acasalamentos, origem da miscigenação generalizada que passou a caracterizar a etnia brasileira, eram ninguém, já que nem eram brancos, nem índios nem negros. Eram produto de uma mistura rejeitada por qualquer das etnias individuais das quais eram formados. Foi portanto dessa condição de zé ninguém, de “ninguendade” que se forjou a nossa identidade cultural, o brasileiro que já não era individualmente nenhuma das etnias formadoras, mas produto da sua miscigenação, isto é, um ser étnico novo.

Tanto quanto Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro ressalta o fato de que o Brasil se formou economicamente como um apêndice da Europa, como colônia produtora de bens primários subordinada à demanda do mercado europeu. Esse dado primário está na raiz da violência exercida pela classe dominante ao longo da nossa história. Está também inscrito na condição de proletariado externo vivida pelo povo brasileiro. Darcy Ribeiro usa repetidas vezes expressões cruas, mas infelizmente verdadeiras, para denunciar os processos brutais que ao longo da nossa formação histórica oprimiram nosso povo. Quando usa expressões como moinhos de gastar gente, ou gente usada como carvão, denuncia a opressão imposta pela classe dominante ao povo, particularmente o povo escravizado, o povo castigado por um regime de trabalho incompatível com o ideário humanista e cristão nunca de fato estendido à maioria da população.

terça-feira, 29 de março de 2011

Capitalismo à Brasileira




Declaro que este artigo é antes de tudo um desabafo, um testemunho de indignação. Portanto, advirto de saída o leitor acerca da disposição subjetiva com que o escrevo. Isso evidentemente não me autoriza a fechar os olhos para fatos imperativos da realidade. Sendo assim, começo reconhecendo algumas verdades óbvias: os avanços econômicos decorrentes dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. O Brasil avançou em muita coisa e a massa sofrida e oprimida tem raspado no prato raso os despojos dos banquetes da nossa impiedosa camada privilegiada da qual, aliás, sou beneficiário menor. Indo além do prato raso, o povão passou a ter acesso a outro patamar de consumo. Longe de mim, portanto, negar estes e outros fatos positivos que pontuam o melhor do Brasil no decorrer dos últimos 16 anos.

Meu assunto é outro. Apesar dos avanços acima grosseiramente pincelados, nossas instituições fundamentais continuam muito distantes do padrão de civilidade, de respeito à cidadania que prezaria reconhecer como parte substancial da nossa sociedade. Escrevo este artigo em tom de desabafo indignado porque sou todos os dias de modos variáveis agredido no exercício dos meus direitos. As operadoras de telefonia, poderosas corporações econômicas que acumulam lucros fabulosos no Brasil, abusam dos meus direitos mais elementares. É inútil brigar com elas ou recorrer à Anatel, instituição cujo dever é fiscalizar as operadoras. Nos aeroportos sou igualmente vítima de abusos inconcebíveis numa sociedade efetivamente democrática. Também aqui é inútil recorrer às instituições encarregadas de fiscalizar a qualidade dos serviços prestados ao usuário.

Já que empreguei o termo qualidade, convém frisar o sentido correntemente atribuído à expressão “qualidade de vida”. Para começar, isso é antes um slogan publicitário do que uma realidade social. Quando de ordinário falamos de qualidade de vida, na mídia e além dela, estamos falando de acesso a bens de consumo conspícuo. Tudo no capitalismo real instituído neste país parece resumir-se a operações de guichê e cartão de consumo. Como falar de qualidade de vida num país onde as instituições socializadoras fundamentais não funcionam? Trocando em miúdos, quem de fato acredita na qualidade real das nossas escolas, não excluo a maioria das privadas, nas instituições religiosas, na polícia, nas instituições estatais responsáveis pelas políticas públicas, nos órgãos estatais que supostamente existem para controlar e conter os abusos impostos pelos poderosos à maioria de mãos atadas?

Por volta de 1880 Joaquim Nabuco escreveu que a escravidão permaneceria viva durante muito tempo nas nossas relações sociais. De fato, logo depois veio a abolição formal da escravidão, já que a massa dos escravos foi mantida nos termos da sua condição precedente, e desde então muita água rolou sob as pontes – também sobre, como estamos cansados de ver e sofrer nas nossas cidades grandes e pequenas depois de uma hora de chuva. Bem mais de um século mais tarde, a previsão lúcida de Joaquim Nabuco está ainda viva no cotidiano da nossa realidade social. O Brasil tornou-se bem mais complexo, tão complexo que definitivamente escorre entre as frestas da rede na qual amadores e explicadores profissionais tentam retê-lo e decifrá-lo. Temos muito do que de tecnologicamente mais avançado existe nos países do capitalismo central, mas tudo isso convive ombro a ombro com os veios profundos das nossas piores tradições.

Desviando o olhar deste artigo que digito ao pé de minha janela, vislumbro lá fora a paisagem potente dos arranha-céus que se elevam cada vez mais aceleradamente tangidos pela vitalidade da economia brasileira. Mas o operário da construção civil continua caindo dos andaimes pingentes, como diz a canção de Chico Buarque, mourejando como um servo e morando provisoriamente nos prédios que constrói para usufruto da classe média. Quando o prédio fica pronto, ele põe a trouxa nas costas como um cigano espoliado na linha de produção do capitalismo à brasileira.

O Estado é o maior vilão do capitalismo à brasileira. Desde suas origens já bem remotas, ele existe como Estado patrimonial, isto é, como um Estado a serviço de uma casta privilegiada. Vem governo e sai governo, não importa de que tendência ideológica, e no entanto nossos vícios profundos persistem. O Estado funciona antes de tudo para assegurar a manutenção de privilégios, a política da corrupção endêmica, a impunidade cinicamente praticada e encobertada, quando não justificada num tom somente concebível num país onde a lei é coisa para inglês ver, como reza a vetusta e bem viva tradição farsesca da democracia à brasileira. A era PSDB-PT, que governou o país durante os últimos 16 anos, não alterou nem ousou alterar a substância dessa realidade. As reformas fundamentais necessárias à instituição de um Estado efetivamente democrático continuam existindo apenas como conversa da boca pra fora, como foguetório de campanha eleitoral.

Como o povo no Brasil é no geral politicamente desorganizado ou apático, não faltou quem ao longo da nossa história apostasse no Estado como instrumento fundamental de reforma, quando não de revolução social. Apesar das tentativas e abalos observáveis na nossa história política, a essência do Estado patrimonial se mantém. Raimundo Faoro, melhor que qualquer outro, estudou seus mecanismos de enraizamento e manutenção. Quanto ao pensamento de esquerda, deu muitas vezes com os burros n´água quando tentou realizar revoluções e mesmo reformas profundas a partir dele.

E o que dizer do povo, esse nosso povo sofrido que tanto ama futebol, carnaval e samba? Pelo visto, sua capacidade de organização respeitada e até temível se esgota nos itens que acabo de enumerar. Ai do Corinthians se for cuspido da Libertadores ou rebaixado para a segunda divisão do campeonato brasileiro. Ai da nossa capenga estabilidade social sem a energia caótica e anômica do carnaval, que agora espicha o calendário convencional a seu gosto e capricho. Ai do samba se não levar o povão para as ruas e não balançar as cadeiras sensuais e suadas da mulata assanhada.

Quanto à política... bem, esta o povo continua deixando-a nas mãos dos políticos, que compreensivelmente esfregam as mãos de contentamento. Portanto, longe de mim o romantismo populista de Darcy Ribeiro, que com uma mão debitava toda nossa fabulosa dívida histórica às elites canalhas, enquanto com a outra inocentava o povão vítima, tão lindo e sensual no paraíso da sua mestiçagem. Dizem os otimistas que a longo prazo tudo isso mudará. Suponho que, além de otimistas, sejam eternos. Os mortais como eu têm perfeita consciência de que a longo prazo todos estaremos mortos.
Recife, 24 de fevereiro de 2011.

domingo, 6 de março de 2011

A Cultura Brasileira e suas Matrizes



O cerne da cultura brasileira é composto pela interpenetração de três matrizes: a indígena, a portuguesa e a africana. Noutras palavras, o que há de mais definidor e característico na nossa cultura é fruto do encontro, do entrechoque e do caldeamento dessas três culturas. Disso resultou uma cultura nitidamente híbrida ou mestiça, como é aliás a regra na história das culturas. Importa todavia ressaltar que esse processo de caldeamento, de integração entre grupos culturais tão diferentes e até antagônicos não se realizou de forma harmônica. Essa é a representação que correntemente percebemos na nossa tradição conservadora, sobretudo nas representações oficiais da cultura brasileira. Bastaria lembrarmos as imagens e sons difundidos triunfantemente pela mídia durante o carnaval, expressão suprema dessa nossa cultura híbrida, multicultural, como reza o slogan publicitário oficial, e tão ruidosamente festeira.

O processo de caldeamento e mistura do qual resultou a cultura brasileira foi muito mais complexo do que nos faz crer a ideologia oficial do Brasil. Ele é resultado da colonização imposta por uma minoria de origem portuguesa inicialmente ao elemento indígena, habitante primitivo do que viria a tornar-se o Brasil. Num momento posterior ele inclui o africano trazido como escravo para formar a força de trabalho que construiu a nossa sociedade. Portanto, o processo de formação da nossa cultura nada teve de harmônico, nada de pacificamente integrador. Por outro lado, ele foi ainda mais complexo porque de fato concorreu para aproximar e integrar esses grupos antagônicos através do intercurso sexual, dominante na relação entre o elemento europeu e o indígena, depois entre o europeu e o africano. Daí resultou a extraordinária diversidade mestiça do nosso povo.

Mais que um processo de simples mestiçagem racial, nossa mestiçagem foi também cultural, já que integrou as três matrizes formadoras em processos sociais complexos que envolvem religião, linguagem, culinária, festas e muitas outras expressões humanas compreendidas pela cultura. O fato é que essa interação complexa e profunda entre o índio, o português e o africano formou as bases do que hoje é a cultura brasileira. Bem mais tarde, sobretudo a partir de fins do século 19, grupos culturais de outras procedências somaram-se à nossa cultura. É o caso do imigrante italiano, do japonês, do sirio-libanês, do alemão etc. No entanto, além de se concentrarem no Sul do Brasil, chegaram a um país cuja cultura básica estava já bem consolidada. Sendo assim, ingressaram na nova cultura muito mais integrando-se a ela do que modificando-a.

Nas páginas de Casa-Grande & Senzala, obra consagrada como a mais importante sobre a formação da nossa cultura, Gilberto Freyre descreve e interpreta o processo de choque e integração entre as três matrizes formadoras do Brasil. Ele demonstra, por exemplo, como as relações de antagonismo econômico e social foram contrabalançadas pelas relações sexuais que se estabeleceram entre os grupos. Dada a sua condição de povo dividido entre dois continentes, o português trouxe para o Brasil uma experiência de mestiçagem já bem sedimentada que se ampliou muito mais ao contato com o indígena. Mais exatamente, com a índia. Mais tarde a mestiçagem se aprofunda ainda mais com a chegada dos diferentes grupos de origem africana. Gilberto Freyre estuda não apenas esses processos de acasalamento, mas também suas consequências socioculturais.

Também Darcy Ribeiro, assim como muitos outros estudiosos, escreveu um livro importante sobre o assunto do qual me ocupo neste artigo. Refiro-me a O Povo Brasileiro. Existe no mercado um ótimo documentário homônimo, dividido em dez capítulos e baseado no livro. Dirigido e idealizado por Isa Grinspum Ferraz, constitui fonte muito importante para o estudo da formação da cultura brasileira. Além do texto, fornecido pelo próprio autor e por outras fontes fundamentais citadas no documentário, o filme é plasticamente muito bonito e enriquece através dos meios visuais a percepção e a diversidade das nossas matrizes formadoras.

O documentário ilustra muito bem o que antes estudamos como o conceito sócio-antropológico da cultura. Observando as imagens que retratam a cultura indígena, percebemos não somente sua riqueza, mas também sua autossuficiência. Dizendo melhor, a cultura indígena, fruto das necessidades decorrentes da relação que o índio estabeleceu com o ambiente em que vivia, compreende todos os aspectos primários e complexos observáveis em qualquer cultura. Além de prover seus meios de subsistência através da caça, da pesca, da domesticação de plantas adotadas para fins nutritivos, como é o caso da mandioca, ele criou no ambiente da floresta, nos trópicos de difícil sobrevivência, todos os meios necessários à existência de um grupo humano.

Quando aqui aporta, o português, limitado por sua visão etnocêntrica, como de resto ocorre em toda cultura - já antes observei este ponto num artigo intitulado Etnocentrismo, Universalismo e Relativismo - foi incapaz de reconhecer a riqueza e autonomia da cultura com a qual entrou em contato. Sendo assim, impôs ao índio os valores e práticas de sua cultura. A catequese imposta pelos jesuítas ao elemento indígena constitui talvez o melhor exemplo do contato entre culturas que resulta em choque e imposição. O que ocorreu, de fato, foi um verdadeiro processo de etnocídio, isto é, um processo de destruição das bases culturais do indígena pela imposição da cultura dominante, a portuguesa.

O português viu no índio, antes de tudo, um objeto de exploração econômica, já que sua ambição ao colonizar os trópicos era acumular riqueza. Daí a imposição do trabalho forçado ao índio. Como este resistiu tenazmente à escravidão, o português recorreu por fim ao africano, que aqui chegou já escravizado para garantir a reprodução da força de trabalho e da riqueza acumulada pelo português dominador.
Apesar da sua condição de escravo, o elemento africano foi tão decisivo na nossa formação cultural que Gilberto Freyre a ele se refere em Casa-Grande & Senzala como um autêntico agente civilizador do Brasil. De fato, é extraordinária a forma como o elemento negro marcou de forma tão profunda, tão indelével, uma cultura na qual ingressou como escravo, sofrendo, portanto, todos os horrores da escravidão durante séculos. Sua contribuição é nitidamente reconhecível em todos os aspectos significativos da nossa cultura. Apesar da sua condição subordinada, mesmo depois da abolição formal da escravidão, já que a abolição foi na verdade mais formal do que real, o negro formou e transformou a composição da nossa cultura através do trabalho, dos hábitos alimentares, das práticas religiosas, da linguagem, da sua espantosa energia de vida tão patente nas festas, jogos, nas expressões dionisíacas e mágicas de sua cultura.

Como antes observei, o processo de caldeamento das nossas matrizes culturais foi complexo e original. Através de meios tanto violentos quanto integradores, os grupos nele envolvidos criaram um país e uma cultura de características singulares. Um exemplo que ressalta nessa singularidade é o que diz respeito à nossa mestiçagem e à forma como se processam nossas relações raciais. Diferentemente dos Estados Unidos, onde as relações entre brancos e negros foi marcada pela segregação racial e linhas de separação bem nítidas, aqui no Brasil a escravidão misturou os polos antagônicos. Há uma expressão muito feliz que sintetiza a diferença entre Brasil e Estados Unidos com relação a esse problema. Enquanto eles, os americanos, são iguais, mas separados, nós somos desiguais, mas juntos. Explicando melhor essa distinção, lá os americanos criaram leis que asseguram a igualdade legal, mas mantém separados os brancos e os negros. Aqui não fomos capazes de instituir a igualdade de fato perante a lei, mas vivemos juntos, misturamos de muitos modos as nossas diferenças e antagonismos sociais.

Concluiria frisando que a forma como criamos meios culturais de expressão da nossa mestiçagem tem muito de positivo. Mas importa prevenir, mais uma vez, contra a representação integradora da nossa mistura na visão oficial ou dominante no Brasil. Ela nos representa como um povo portador de uma cultura mestiça ou híbrida cuja virtude maior reside na integração harmoniosa da nacionalidade. Essa imagem é difundida principalmente pela mídia e a propaganda oficial. Como acima salientei, ela é bem visível durante nossas grandes festas, notadamente no carnaval, na música e no futebol. Mas essa imagem idealizadora do país contém um avesso sombrio e violento suprimido pelos meios de comunicação de massa. Ela suprime as brutais condições de exploração do trabalho no Brasil, ainda herdeiras do nosso passado escravista. Ela suprime nossas formas dissimuladas de racismo e outras formas de opressão incompatíveis com um regime autenticamente democrático.

Importa ter em mente essa face dupla da nossa cultura, dividida entre a integração e o conflito cultural, para evitarmos uma visão parcial e idealizada da nossa cultura. Precisamos assimilar essa compreensão mais realista e complexa da cultura brasileira para, de um lado, melhor valorizarmos o que temos de bom, o que merece ser louvado e preservado; de outro lado, lutarmos para modificar condições de opressão e desigualdade que continuam mantendo o Brasil numa posição incompatível com uma sociedade verdadeiramente democrática, incompatível ainda com um país cuja economia passou a figurar entre as dez maiores do mundo. Portanto, nosso problema maior já não é o do subdesenvolvimento econômico que nos castigou por tanto tempo, mas o de uma mais justa distribuição da riqueza, o problema de uma autêntica democracia econômica e social. Enquanto não realizarmos esse ideal, continuaremos longe de ter motivos realistas para celebrarmos o país que somos.
Fontes complementares:
Além dos dois livros citados, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, recomendo também o documentário baseado no livro de Darcy Ribeiro e também citado no texto.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Impacto e Permanência de CG&S


Impacto e Permanência de Casa Grande & Senzala

Resumo: Objetivo, neste artigo, caracterizar, de um lado, o impacto causado por Casa-Grande & Senzala (doravante assim abreviada: CG&S) nos quadros da produção intelectual dos anos trinta desde o momento de sua publicação; de outro lado, acentuar a permanência desta que é, segundo o insuspeito juízo de Darcy Ribeiro, “a obra mais importante da cultura brasileira”. No que se refere ao impacto anotado no título do artigo, intento acentuar que os nomes e setores mais significativos da inteligência brasileira de imediato identificaram na obra de Gilberto Freyre sua força e originalidade. A incompreensão de que ele próprio mais tarde tantas vezes veio a se queixar derivou seja de críticos menores, seja de fatores ideológicos que serão explicitados no corpo deste artigo. Quanto à permanência de CG&S, nenhum fato contemporâneo talvez melhor a comprove do que o progressivo ressurgimento de estudos e interpretações inspirados pela ambição de acentuar a posição tanto seminal quanto clássica da obra que, compreendida na sua autonomia epistemológica e estética, transcende os rumos e posições contingentes do seu autor.
Nota: este artigo foi antes publicado na revista Estudos de Sociologia, da pós-graduação em Sociologia da UFPE, Ano 1, No. 1, Recife, janeiro/junho de 1995. Tomei a liberdade de suprimir algumas notas bibliográficas, além do parágrafo final. As notas que me pareceram necessárias à clareza do artigo foram incorporadas ao texto.

O lançamento do último livro de Harold Bloom nos Estados Unidos, The Western Canon, teve entre nós, aparentemente, uma repercussão de alcance puramente jornalístico. Inspirada na lista canônica proposta por Harold Bloom, a revista Veja convocou quinze intelectuais solicitando-lhes que compusessem listas individuais das vinte obras mais representativas da cultura brasileira (Ver Veja, 23 de novembro de 1994, pp. 108-112). Feitas as listas, delas Veja extraiu um conjunto canônico “definitivo” composto de vinte e duas obras. Embora valha aqui destacar que os intelectuais convocados a propor um cânon (note-se que não escrevo “o” cânon) da cultura brasileira figuram, salvo um ou outro nome discutível, entre os maiores da nossa inteligência, não interessa aos fins visados por este artigo discutir a consistência e legitimidade dos critérios adotados para a seleção canônica.

Se é verdade que iniciativas dessa natureza estão sempre a um passo do consumismo mais banalizador, já que é corriqueiro votarem dentro desse objetivo geral tanto os dez livros que um intelectual levaria para uma ilha deserta quanto as dez mais gostosas penduradas nas sórdidas paredes de uma oficina de automóveis, muita coisa útil pode ser discutida para além do blablablá consumista que pulveriza nosso cotidiano cultural. Se se considera, por exemplo, o contexto cultural anglo-saxão, do qual deriva o livro de Harold Bloom, há que se admitir que a polêmica em torno da definição de um cânon literário, ou mais abrangentemente cultural, encerra implicações da mais alta relevância para a redefinição e realinhamento dos quadros culturais contemporâneos. Pois o que aí está em questão não é meramente a legitimidade estético-cultural de uma obra tida como canônica, mas também, senão sobretudo, os fatores de ordem ideológica que recortam a identidade do cânon nos quadros da cultura. E se hoje tantos ventos polêmicos varrem o Olimpo onde antes mais solidamente se firmara o perfil canônico da cultura anglo-saxônica, ou mais amplamente ocidental, tal fato resulta fundamentalmente da redefinição do lugar ocupado por grupos até recentemente submetidos a uma posição de inferioridade sócio-cultural. Na medida em que agentes intelectuais procedentes desses grupos passam a intervir num espaço antes praticamente monopolizado pela cultura que, em tom francamente depreciativo, se tem caracterizado como WASP (White Anglo-Saxon Protestant), a solidez do cânon passa a ser questionada com veemência suficiente para inquietar as correntes mais elitistas e conservadoras empenhadas no debate cultural contemporâneo.

Mas meu assunto é cultura brasileira e mais especificamente o lugar ocupado por CG&S nos seus quadros gerais. Pareceu-me oportuno principiar pela menção ao livro de Harold Bloom e ao cânon da cultura brasileira precisamente porque a obra-prima de Freyre ocupa no cânon da Veja uma posição privilegiada, ficando abaixo apenas, e imediatamente, de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Seria porém efetivamente necessário recorrer à enquete da Veja para se reconhecer a magnitude da obra de Gilberto Freyre? Estou certo de que não. Desde 1933, ano em que pela primeira vez foi submetida ao escrutínio do leitor brasileiro, CG&S se impôs como uma obra-prima. E deriva essa qualidade inequívoca não da circunstância, própria de certas obras-primas, de integrar-se a uma categoria de grandes obras cujos méritos e valores predominantes estão já estabelecidos nos quadros clássicos da tradição cultural. Se parte dos seus méritos deriva dessa corrente, ou a ela se associa, outra parte, talvez a mais significativa, intervém nos quadros da cultura brasileira distinguida pela força estilística impressa à empresa de reinterpretação do passado patriarcal brasileiro. Deriva ainda dessa combinação inédita entre o tom ensaístico firmado na sólida formação sócio-antropológica do autor e o raro domínio dos instrumentos expressivos hauridos na intimidade que Freyre desde cedo sedimentara no estudo apaixonado das artes e da filosofia, das línguas e da literatura.

Uma apreciação genérica da fortuna crítica de CG&S de pronto revela que a recepção da obra tem sido quase unanimemente favorável. Se digo quase unanimemente é porque tenho em mente duas ordens de restrição que merecem ser explicitadas e discutidas. A primeira remete ao tom reprovador proveniente da crítica de feição mais conservadora. Um exemplo frisante seria o artigo publicado por Afonso Arinos de Melo Franco em 1934. Embora tenha a lucidez de identificar na obra de Freyre a marca do grande livro, repele no livro a linguagem nele adotada, que lhe soa de pouca dignidade. Nas suas palavras,
“... sua língua deve ser simples e nossa, não julgo indispensável que seja chula, impura e anedótica, tal como aparece em tantas das suas páginas. É pouco técnico esse linguajar. Pouco científico. Dá ao livro um aspecto literário que o seu assunto e as suas graves proporções não comportam”. (“Uma obra rabelaisiana”, in Edson Nery da Fonseça, ed., Casa-Grande e Senzala e a crítica brasileira de 1933 a 1944).
Caberia ainda agregar a este item a crítica praticada por intelectuais de peso menor, quando não simplesmente nulo. Quem hoje sabe dos críticos de formação católica mais conservadora que acolheram com indignação o tratamento conferido por Gilberto Freyre ao papel desempenhado pelos jesuítas no processo da formação colonial brasileira de par com o relacionamento entre vida religiosa e sexualidade no âmbito da família patriarcal?

A segunda ordem de restrição deriva da crítica que, demasiado aderente às circunstâncias em que é produzida, tende a reduzir a obra à ideologia, tanto a ideologia nela própria identificável quanto a que exprime seu autor enquanto cidadão e indivíduo atuante no debate político e cultural. A melhor ilustração seria, neste ponto, a crítica vigorosa, lastreada em grande força argumentativa, desfechada por Dante Moreira Leite no seu admirável O Caráter Nacional Brasileiro e a de Carlos Guilherme Mota em Ideologia da Cultura Brasileira. Sintomaticamente, ambas as críticas, entre as mais duras e ressoantes já lançadas contra a obra de Gilberto Freyre, foram publicadas nos anos 1960 e 1970, momento em que mais se patentearam, contra o pano de fundo do regime militar, as posições mais reacionárias do autor de CG&S.

Embora consciente de que, no trato dessa matéria, já se vai banalizando a referência ao prefácio assinado por Antonio Candido em 1967 e agregado à 5ª. edição de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, parece-me impossível aqui omitir trechos do seu ensaio-depoimento, já que ninguém melhor que ele soube sintetizar o significado profundo que CG&S, Raízes do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo, este de autoria de Caio Prado Jr., tiveram para a sua geração e para as que a sucederam.
Referindo-se aos três livros acima, cuja integridade canônica não foi ainda refutada por nenhum estudioso de mérito, assim se exprime Antonio Candido:
“São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo”. (“O Significado de Raízes do Brasil, in Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. 8ª. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975, pp.XI-XII
)
Logo em seguida, referindo-se especificamente ao impacto causado por CG&S junto à geração de que fazia parte, externa o crítico um juízo que, deliberadamente expresso no plural, traduz não só um ponto de vista pessoal, mas um modo de leitura e apreciação compartilhado por toda uma corrente geracional:
“Era justamente um intuito anticonvencional que nos parecia animar a composição libérrima de Casa-Grande & Senzala, com a sua franqueza no tratamento da vida sexual do patriarcalismo e a importância decisiva atribuída ao escravo na formação do nosso modo de ser mais íntimo. O jovem leitor de hoje não poderá talvez compreender, sobretudo em face dos rumos tomados posteriormente pelo seu autor, a força revolucionária, o impacto libertador que teve este grande livro”. (Idem, pp. XI-XII).
Há nesta citação um ingrediente de fundo ideológico que interessa explorar no contexto dos propósitos norteadores deste artigo. Receoso de que o leitor contemporâneo não alcançasse apreender a real importância “daquele” Gilberto, o Gilberto Freyre que no entender de Antonio Candido passara a adotar atitudes francamente identificadas com as forças mais conservadoras da sociedade brasileira, enfatiza o crítico o caráter revolucionário e impactante contidos em CG&S. Como tantos que têm intentado caracterizar ideologicamente Gilberto Freyre, me parece que aqui confunde ele as posições momentâneas tomadas por Gilberto Freyre com o que muito inapropriadamente chamarei de “caráter ideológico” do autor. Ora, parece-me um equívoco distinguir ideologicamente “este” “daquele” Gilberto. Pois se o leitor põe entre parênteses as posições políticas momentâneas do autor e lê a “ideologia” que lhe percorre de ponta a ponta o conjunto da obra produzida, sem muita dificuldade se vai dando conta de que o Gilberto mais profundo é entranhadamente um conservador. Desde os escritos da juventude até os da velhice, aqui incluídos os escritos do Gilberto que ostensivamente emprestou apoio intelectual e moral ao regime militar, nitidamente se desenha o perfil de um intelectual ostensivamente imantado ao culto da tradição, sempre resistente às forças socioculturais passíveis de transpor o Brasil para um mais avançado padrão de modernidade cultural. A questão que neste ponto me parece mais relevante, diria a questão verdadeiramente decisiva, foi proposta, embora não resolvida, por Darcy Ribeiro.

Quando Gilberto Freyre era abertamente execrado pela nossa inteligência de esquerda, atitude que de resto me pareceria acertada se restrita às contingências ideológicas que a inspiravam, generalizou-se em torno à sua obra uma situação similar àquela que na Argentina afetou a obra de Borges. Foi então que se tornou moeda corrente combatê-lo e negá-lo não a partir de uma análise efetiva da sua obra, mas sim a partir de uma atitude de negação fundada na ignorância pura e simples. Em suma, intelectuais e estudantes, estes frequentemente por aqueles inspirados no que me parece ser um dos mais deploráveis modos de intolerância, tratavam a pontapés uma obra e um autor dos quais tudo ignoravam.

Foi dentro dessa atmosfera de hostilidade iletrada movida contra Gilberto Freyre que Darcy Ribeiro escreveu um ensaio de apreciação geral incorporado, em forma de prefácio, à edição venezuelana de CG&S. (Ver “Gilberto Freyre: Casa-Grande & Senzala”, in Darcy Ribeiro, Ensaios Insólitos. Porto Alegre: L&PM Editores, 1979).
Começando pelo registro bem-humorado do narcisismo insaciável de Freyre, cita o antropólogo alguns elogios, merecidos, a ele feitos no Brasil e no estrangeiro por figuras intelectuais de renome. Embora frisando somar-se contrafeito à corrente dos louvores, não reluta entretanto em enunciar o elogio máximo: CG&S é “...a obra mais importante da cultura brasileira”.

Esboçada a apresentação desse ensaio que importa aqui comentar, retomo afinal o que acima referi como sendo a questão verdadeiramente decisiva proposta, se bem que não integralmente resolvida, por Darcy Ribeiro. Formulando-a em termos de franca perplexidade, assim a enuncia:
“Sempre me intrigou e me intriga ainda que Gilberto Freyre sendo tão tacanhamente reacionário no plano político – em declaração recente chega a dizer que a censura da imprensa é, em geral, benéfica e que nos Estados Unidos a censura é mais rigorosa do que em qualquer outro país do mundo – tenha podido escrever esse livro generoso, tolerante, forte e belo”. (Idem, p. 64)
A questão decisiva consistiria, pois, em explicar o relacionamento contraditório entre o autor e a obra. Somente a crítica primariamente ciosa de deduzir explicações positivistas simplificadoras das complexas mediações inscritas no relacionamento entre esses dois termos, o autor e a obra, ousaria presumir que a obra não passaria, no final das contas, de uma expressão necessária da ideologia abraçada pelo homem que a escreveu. Tanto a história das artes e da literatura quanto a própria história do pensamento social encerram notórios exemplos de obras revolucionárias assinadas por autores conservadores, assim como, contrariamente, obras irrelevantes inspiradas por belos e generosos propósitos de natureza político-ideológica.

Intentando decifrar o enigma imposto pela obra, algo muito além da distinção feita por Antonio Candido entre “aquele” e “este” Gilberto, reitera Darcy Ribeiro no corpo do seu ensaio a questão que confessadamente o intriga. A decifração resultante das reiterações e argumentos que desenvolve residiria num artifício metodológico peculiar à legítima investigação de base antropológica: a divisão epistemologicamente fecunda entre o familiar e o estranho, entre o movimento de empatia confundindo o investigador com o seu objeto e o movimento de estranhamento desdobrando-se na direção contrária. Melhor dar a palavra ao próprio ensaísta:
“Voltemos, porém, à nossa indagação original: o que teria permitido a GF escrever CG&S? A razão preponderante é ser ele um ambíguo. Por um lado, o senhorito fidalgo evocativo de um mundo familiar, de um mundo seu. Por outro lado, o moço formado no estrangeiro, que trazia de lá um olhar perquiridor, um olho de estranho, de estrangeiro, de inglês. Olho para quem o familiar, o trivial, o cotidiano – e como tal desprovido de graça, de interesse, de novidade – ganhava cores de coisa rara e bizarra, observável, referível. Combinando as duas perspectivas nele interiorizadas, sem fundi-las jamais, GF viveu sempre o drama, a comédia – a novela, na verdade – de ser dois: o pernambucano e o inglês”. (p. 73)
A ênfase com que Darcy Ribeiro revisa Gilberto Freyre para o pensamento de esquerda, depois de assentadas as apreciações vigorosamente negativas contidas em obras como O Caráter Nacional Brasileiro e Ideologia da Cultura Brasileira e o tom de alto louvor que imprime à sua celebração do sociólogo pernambucano aparentam haver deslocado para um plano de irrelevância as muitas e severas restrições que lança contra interpretações contidas em CG&S. Assinala, por exemplo, como o emprego de instrumentos analíticos cedidos pela psicologia à obra de Freyre presta-se, em alguns momentos, a exercer papel puramente psicologizante no plano da interpretação efetiva de fenômenos socioculturais brasileiros. Seria o caso da função explicativa atribuída ao sadomasoquismo. No entender de Darcy Ribeiro, que me parece acertado, para Gilberto Freyre o despotismo das nossas classes dominantes “não seria mais que um atavismo social”, uma evidência do masoquismo característico do brasileiro comum (conferir pp. 70 e 86). Tiradas desse tipo, apressa-se Darcy Ribeiro em o demonstrar, iluminam com inequívoca nitidez no corpo de certas interpretações de CG&S “uma tara direitista gilbertiana”.

Os guardiães provincianos da glória de Gilberto Freyre, que hoje interferem entre o leitor e a obra de modo tão negativo quanto antes interferia a identidade ideológica viva e atuante do autor, tanto aparentam deleitar-se com o tom predominantemente celebratório do ensaio de Darcy Ribeiro que as restrições nele contidas, tal como a exposta no parágrafo acima, lhes passam despercebidas, como que rebaixadas a um nível de improcedente irrelevância, repousando diluídas sob o verniz dos justos louvores firmados pela letra apaixonada do autor de Maíra.

Retomando porém a recepção crítica dos anos trinta, foi enorme o impacto causado de imediato por CG&S no ambiente intelectual brasileiro. Baseado nas evidências fornecidas pela fontes documentais que reúne e comenta em Casa-Grande & Senzala e a crítica brasileira de 1933 a 1944, assinala Edson Nery da Fonseca a repercussão alcançada pela obra-prima de Gilberto Freyre nos círculos da crítica nacional durante esse período. A leitura dos documentos por ele reunidos comprova, sem dúvida, a consagração conferida a CG&S pelos nomes mais eminentes da inteligência brasileira. Entre as duas datas acima referidas assistiu-se à publicação de artigos e ensaios nos quais se manifesta a recepção entusiasmada da melhor crítica militante. Embora bastante diferenciados do ponto de vista da formação intelectual e ideológica, escritores como Manuel Bandeira, João Ribeiro, Roquette-Pinto, Miguel Reale, Agrippino Grieco, Nelson Werneck Sodré, Edison Carneiro, Sérgio Milliet, Álvaro Lins, Wilson Martins, entre tantos outros, convergem no tom elogioso com que aprovam a obra de Gilberto Freyre. Observa-se aqui, entretanto, uma omissão intrigante: Mário de Andrade.

Personagem central do Modernismo proveniente da Semana de Arte Moderna, estudioso e pesquisador insaciável, ávido de tudo ler, divulgar e criticar, não deixa ele, contudo, nenhum trabalho dedicado à apreciação de CG&S ou às duas outras obras de Gilberto Freyre publicadas nos anos trinta: Sobrados e Mucambos e Nordeste. Dada a centralidade do papel que desempenhou no processo cultural brasileiro entre 1922 e 1945, ano em que morreu, acrescida da excepcional amplitude de sua formação de intelectual militante, seria absurdo supor que Mário de Andrade não leu CG&S. Tanto é isso verdade que a mais notável estudiosa de sua obra, Telê Porto Ancona Lopez, anota esta observação no livro em que trata precisamente de rastrear o processo de formação intelectual e ideológico de Mário de Andrade:
“Na bibliografia, no Prefácio e nas notas para a Introdução de Na Pancada do Ganzá, cita principalmente Tylor, Frazer, Lévy-Bruhl, Euclides da Cunha e Gilberto Freyre. Foram esses autores os que formaram a base dos conhecimentos antropológicos e sociológicos que aplicou no Brasil”. (Mário de Andrade: Ramais e Caminho. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972, pp. 86-7).
Logo, fica aí comprovado que o silêncio de Mário de Andrade de modo algum se explica pelo desconhecimento da obra. É sem dúvida intrigante esse silêncio interposto entre os dois escritores que foram provavelmente os mais importantes e influentes intelectuais brasileiros nos anos trinta. Haveria aí algo mais que a discreta, sobretudo de parte de Mário, rivalidade entre dois intelectuais disputando posições de liderança? Como me confesso incapaz de satisfatoriamente responder à questão por mim próprio introduzida, deixo-a suspensa no ar ou na mente do leitor curioso.
Considerando todas as evidências disponíveis, este artigo registra apenas algumas entre as mais notórias e notáveis, me parece desnecessário insistir ainda sobre o impacto provocado por CG&S desde sua publicação em 1933 e sua intocada permanência na linha do presente. Intentei considerar, ainda que muito genericamente, dois fatores negativos interpostos entre a obra e o leitor: a tacanhice reacionária de Freyre, para valer-me aqui de uma expressão empregada por Darcy Ribeiro, e, mais recentemente, o controle intolerante da sua glória exercido por guardiães provincianos capazes da proeza de serem ainda mais gilbertianos do que o próprio Gilberto. Se contra o primeiro fator, dominante nas décadas de 1960 e 1970, investiu certa corrente crítica de esquerda fixada mais no ajuste de contas ideológico do que na apreciação isenta da obra, daí resultando erros de enfoque e atitudes de intolerância neste artigo anotados, contra o segundo se batem em especial estudiosos independentes atuantes no Recife tanto louvado e amado por Gilberto Freyre.

Mas o balanço geral que se poderia fazer, e aqui não faço, seria indiscutivelmente animador. Combatido e negado notadamente durante os anos 1960 e 1970, em larga medida devido ao deplorável apoio que ostensivamente emprestou ao regime militar, já agora se nota a emergência de estudos orientados para o objetivo de reavaliar, à margem de implicações ideológicas momentâneas, o significado mais permanente da obra de Gilberto Freyre.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O transitório e o Permanente




A história da cultura é um vasto cemitério de obras cadentes. A cada geração, senão a cada década, repontam no horizonte das humanidades uma sucessão de obras saudadas pela crítica e pela comunidade dos leitores como obras-primas ou definitivas. Logo porém o tempo, juiz último e implacável, procede a uma operação rotineira de filtragem e decantação. De umas retém valores de referência e fontes de pesquisa para o especialista; de outras, virtudes medianas que seduzem o leitor sedento de prazer gratuito e entretenimento ou saber livremente desinteressado. Uma outra categoria, a majoritória, simplesmente mergulha no esquecimento, dando assim provas cabais do seu interesse transitório. Uma última, reserva das raridades autênticas, sobrevive a todas as provas do tempo e ao capricho das circunstâncias elevando-se à categoria de obra definitiva. Casa-Grande & Senzala inscreve-se, sem dúvida, nesta categoria.

Há obras-primas que são acolhidas com hostilidade mesmo pela crítica mais qualificada. Seu teor de inovação ou ruptura é tão radical que tem o poder momentâneo de desnortear o receptor munido de códigos e instrumentos inadequados para apreender-lhes a real dimensão intelectual e estética. Talvez por isso todo grande crítico incorreu em graves erros de apreciação. Basta que se pense nos erros de gente como Virginia Woolf, Edmund Wilson, Lionel Trilling, Harold Bloom e dos brasileiros Mário de Andrade e Antonio Candido.

Casa-Grande & Senzala passou ao largo desse destino. Afora um ou outro crítico menor – ou caturra, como prezava dizer Gilberto Freyre – a melhor crítica brasileira teve a lucidez de saudar com entusiasmo o surgimento da obra. Algumas das suas qualidades mais notáveis, já tantas vezes reiteradas, traduziam-se na originalidade do estilo e da exposição da matéria, na linguagem desatada, mas de forte senso artístico, na reinvenção interpretativa do nosso passado. Desde então, Gilberto Freyre e sua obra-prima, somada a outros títulos igualmente fundamentais como Sobrados e Mucambos e Nordeste, ocuparam posição privilegiada nos quadros gerais da cultura brasileira.

O consenso que assinalava a excelência de Casa-Grande e Senzala foi porém abalado nos anos sessenta e setenta. A imposição da ditadura militar, e seu endurecimento a partir de 1968, atingiu de modo traumático as artes e a cultura brasileira num momento de intensa fermentação e atividade criadora. A perseguição movida pelo regime militar contra intelectuais, artistas e estudantes, institucionalmente concentrados na esfera acadêmica, produziu reações gerais de resistência ora ativa, ora passiva. A última forma de resistência, a passiva, ou o auto-exílio como forma de negação da intolerância e violência institucionalizadas, acentuou-se por motivos óbvios durante os chamados anos de chumbo. Dentre os intelectuais de renome e irrecusável influência crítica e institucional, Gilberto Freyre foi dos raros a apoiar a ditadura. Falta ainda um pesquisador paciente e isento interessado em revisar seus artigos publicados – na imprensa local, sobretudo - durante esse período sombrio. Em resposta, a esquerda oprimida e perseguida deu-lhe um troco de intolerância silenciando sua obra nas universidades durante cerca de duas décadas. Quando sobre ela se pronunciou, mesmo através das melhores vozes críticas, foi em tom de combate ideológico ou ajuste de contas. Esse espírito ou intenção é sensível, por exemplo, em obras de valor crítico inegável como O Caráter Nacional Brasileiro, de Dante Moreira Leite, e Ideologia da Cultura Brasileira, de Carlos Guilherme Mota. Outro dado significativo para que melhor se compreenda a resistência ideológica desfechada contra a obra de Gilberto Freyre evidencia-se na relativa sobreestima concedida a seus grandes concorrentes nos estudos de interpretação do Brasil: Mário de Andrade, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Antonio Candido.

Passado o vendaval, e refeito o cenário da nossa precária democracia política e cultural, a obra foi gradualmente reconquistando sua autonomia abalada pelos erros ideológicos em que incorrera seu autor. O Grande marco da revisão crítica de Casa-Grande e Senzala foi certamente o ensaio-prefácio corajosamente assinado em 1979 por Darcy Ribeiro para a edição venezuelana da obra. Começando pelo registro bem-humorado do narcisismo de Gilberto Freyre, cita o antropólogo alguns elogios feitos a Freyre dentro e notadamente fora do Brasil. Embora frisando somar-se contrafeito à corrente dos louvadores, rende-se ele à grandeza da obra saudando-a como a mais importante da cultura brasileira. Mas o ensaio de Darcy Ribeiro não se distinguiria como a melhor síntese crítica de Casa-Grande e Senzala se se detivesse no elogio sem fundamentação interpretativa. Sendo assim, cuida em seguida de articular com clareza o problema cuja tentativa de resposta é o próprio ensaio-prefácio. Noutras palavras, pergunta-se ele como um autor tão “tacanhamente reacionário no plano político”, cito literalmente Darcy Ribeiro, foi capaz de “escrever esse livro generoso, tolerante, forte e belo.”

A resposta é complexa e, no meu entender, Darcy Ribeiro não a fornece integralmente. O que porém mais importa destacar no problema que nos propõe é a distinção necessária entre o autor e a obra. Como o leitor em geral, e mesmo a crítica mais qualificada, tendem com freqüência a confundi-los, há sempre quem queira julgar a obra pelas posições políticas do autor. Foi isso, em suma, o que pôs momentaneamente em questão o caráter permanente de Casa-Grande e Senzala.

Assentada a poeira das batalhas ideológicas, nota-se a crescente retomada de interesse pela obra. Estudiosos de variadas formações e objetivos voltam a ressaltar sua originalidade e permanência. O pioneirismo de muitos dos seus temas, valores, fontes e processos de apreciação, tão grosseiramente incompreendidos durante décadas, o que forçava o narcisismo de Freyre a vir a público chamar a atenção para si próprio com reiteração insistente e por vezes mesmo ridícula, é enfim reconhecido e louvado. O irônico é observar que tal reconhecimento deriva muitas vezes do prestígio atribuído à nova história nos nossos círculos intelectuais e acadêmicos. Como a historiografia européia, sobretudo a francesa, estimulou no Brasil os estudos e pesquisas orientados para a história do cotidiano, a história oral, a história das mentalidades etc., muitos dos nossos estudiosos descobrem agora com espanto que Gilberto Freyre já fazia tudo isso nos anos trinta. Isso prova, antes de tudo, a persistência da formação colonizada do intelectual brasileiro.

A fortuna crítica de Casa-Grande e Senzala e, mais amplamente, do conjunto da obra de Gilberto Freyre, é já considerável e crescente. É entretanto oportuno salientar que grande parte dela se reveste de tom fortemente celebratório e apologético. Diria, nesse sentido, que vários dos nossos autores canônicos têm sido melhor afortunados que Freyre. Tenho em mente Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Dada a singularidade que os caracteriza, seria descabido considerar o problema acomodando-os numa medida comparativa comum. O que intento acentuar nesta observação ligeira é o limitado alcance qualitativo da fortuna crítica freyreana em face da quantidade que se avoluma.

As obras permanentes são permanentes, entre outras coisas, por prescindirem da crítica apologética assinada pela corte dos epígonos e diluidores. Importa, portanto, considerar Casa-Grande & Senzala à margem de qualquer intuito oficialista ou apologético. Confesso estar enjoado de certa crítica gilbertiana diluída em variações do tema “eu e Gilberto Freyre”. O crítico, e notem que me refiro ao crítico autêntico, existe e escreve para servir à difusão das obras de excelência, para servir às obras verdadeiramente originais. Na nossa era saturada de narcisismo, entretanto, o crítico mais e mais se comporta como se ele e sua produção transitória e parasitária se sobrepusessem ao restrito universo das obras permanentes. É por constatar essa inversão de valores no mundo da cultura que me arrisco a concluir em tom desmedido ou até paradoxal. Quero dizer: esqueçamos a crítica deslocando assim nossa atenção dos valores transitórios para os permanentes. Diria mais: esqueçamos Gilberto Freyre, esqueçamos o autor, pois o que fica e por fim importa é a obra.

Nota: Artigo publicado na revista Continente Multicultural, Ano III, no. 33, Setembro de 2003.