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sábado, 20 de agosto de 2016

Máximas e Mínimas XV


Penso. Logo, desisto.

Quem fala mal de mim, não sabe o que penso de mim próprio.

A crítica da guilhotina: Se não poupo meu pescoço, por que deveria poupar o do semelhante?

A utopia é o melhor refúgio para os que não suportam a realidade.

O pior cego é o que está certo do que vê.

O ser humano é tão incompatível com o autocontentamento que, se acaso o alcança, logo inventa uma carência.

Se as pessoas que se declaram progressistas conhecessem os processos históricos mais elementares, desistiriam de ser o que não existe.

Era tão hipocondríaco que confundia saúde com sintoma de doença.

Era uma infiel tão compulsiva que pedia perdão quando não traía.

A liberdade sempre se evidencia e expressa enquanto liberdade individual. É por isso que as ideologias coletivistas necessariamente a suprimem. Por isso começo a correr logo que deparo com forças coletivas lutando para libertar o povo, a nação, o pobre, a mulher, o negro, o proletário ou qualquer abstração coletiva.

A alma honesta: A alma honesta jamais louva a si própria, muito menos alardeia sua virtude, já que a arrogância é inconciliável com qualquer virtude. Sua natureza consiste na ação, não na fala. A alma honesta não precisa dizer o que é.

Antipascaliana:
A razão tem razões tão ciente
Que o cego coração nem pressente.

Wittgenstein - melhorar o mundo: Certa vez um discípulo de Wittgenstein perguntou-lhe o que deveria fazer para melhorar o mundo. Melhore a si próprio, respondeu o filósofo, pois isso é tudo que você pode fazer para melhorar o mundo.

A Cultura da Incompetência:
Num mundo exaltado como o da informação e do conhecimento, somos domesticados do berço ao túmulo para a incompetência. Ser mãe, o mais difícil e irrevogável ofício humano, tornou-se uma competência exercida por uma cadeia de especialistas que ditam regras sobre tudo: da tecnologia das práticas sexuais à gestação, do parto à missa de sétimo dia, passando pela amamentação e todo o processo apropriado por instituições e especialistas alheios à família.
Pai e mãe correm ansiosos para o oráculo do terapeuta com o cartão de crédito na mão para aprender como dizer sim ou não ao filho sem lhe causar nenhum trauma. Ah, não esquecer que é prudente consultar o economista antes de usar o cartão, pois no fim do mês chega a fatura infalível com cálculo antecipado de juros.
Comer e fazer sexo, nossas necessidades e competências mais primárias, foram colonizados pela cultura geradora de incompetência. Comer já não é uma necessidade, mas uma mistura de saber técnico, aprendizagem e entretenimento. Basta observar a programação matinal da Globo. Sexo também, além de competição e ostentação de poder. Não admira que tantos passem a depender de estímulos artificiais e transponham a cama para o palco.
E ainda dizem que a revolução tecnológica nos libertou da servidão do mundo tradicional. O mais espantoso é que todos acreditam enquanto festejam a tirania do admirável mundo novo dissolvendo todas as competências que exercíamos naturalmente no passado.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

No Mural do Facebook - VIII


O lugar comum depois das manifestações:

As manifestações contra a corrupção, Lula, Dilma etc, estão ainda em curso, inclusive a de São Paulo, que é a mais importante. Ainda assim, gravo aqui os lugares comuns que a observação da realidade me sugere:
A voz do povo não é a voz do PT.
A jararaca botou o rabinho entre as pernas.
A vontade espontânea do povo não quer esse poder sujo que está aí nem endossa as alternativas visíveis. A voz popular não quer o que está aí, mas também não sabe ainda o que quer. Melhor dizendo, recusa todos os partidos e alternativas constituídas. A única unanimidade positiva parece ser o apoio a Sérgio Moro e tudo que ele simboliza de novo na política e na sociedade brasileira.
Felizmente a militância petista criou um pingo de juízo, botou o pé no freio e não partiu para a porrada. Lula nunca foi paz e amor. A maioria do povo é.
Ou o povo já não está com o PT ou então o povo não está nas ruas. Se o povo não está nas ruas, então essa multidão é a elite que odeia o povo e o PT.
A cabeça da jararaca está ficando careca.
Tem mais não.
(Postado no Facebook, 13 de março 2016).

O culpado é Hegel:

Já vi aqui tanta postagem sobre o tropeço dos magistrados que confundiram Hegel com Engels que acabarei me convencendo de que o que está em jogo é Hegel, ou melhor, a ignorância dos promotores. Que tal a gente esquecer tudo que verdadeiramente importa e propor a Faustão ou qualquer desses educadores das massas brasileiras uma sabatina sobre o idealismo alemão, Hegel, Marx, Engels, Lenin (não confundir com o cantor), etc?
Já disse que sou contra a entrevista dos promotores e as medidas que recomendaram à autoridade competente. Portanto, posso criticar esse show de hegelianismo vulgar como mero diversionismo ideológico. No mais, é estranho que os petistas tanto se encrespem e malhem a ignorância de um grupo de promotores que com razão lhes inspiram ódio. Mas isso não condiz com quem tem como líder um político que sempre brandiu com orgulho sua ignorância e nunca mediu palavra nem grosseria quando se pronunciou publicamente. Para quem não tem memória, e hoje no Brasil parece que toda memória está se tornando sectária, basta lembrar o que ele disse no Instituto Lula logo que saiu da condução coercitiva. Não se corrige uma "menas" a verdade com ignorância, muito menos com mentiras arrogantes.
(Postado no Facebook, 11 de março 2016).

A Ética da Guerra Ideológica II:

Ontem li aqui no mural do Facebook uma denúncia caluniosa contra o juiz Sergio Moro. Lamento declarar que a denúncia procede de Marcos Costa Lima, pessoa querida e muito respeitada no meio acadêmico. Segundo a denúncia, o juiz seria filiado ao PSDB. Marcos acrescenta que o juiz não dissimula sua filiação partidária e seu ódio a Lula e Dilma. Mas a coisa não para por aí, pois acrescenta faltar vergonha e isenção ao juiz cuja filiação partidária explicaria o tratamento leniente ou cúmplice que concede a FHC, Aécio e outros.
Acabo de comprovar, depois de ler um post refutando as acusações feitas por Marcos Costa Lima, que a pessoa em questão é outra, não o juiz. Saltando para os comentários ao post de Marcos, Eduardo de Alencar esclarece que a página não é do juiz Moro, como em próprio comprovei antes de vir digitar este post. Marcos agradece o esclarecimento, mas reitera tudo que escreveu contra o juiz. Também o aluno que lhe forneceu a informação caluniosa, Amarílio Neto, identifica-se rindo sem se desculpar ou admitir qualquer falsidade. Isso é o que chamei aqui de ética da guerra ideológica.
(Postado no Facebook, 8 de março 2016).

A Ética da Guerra Ideológica:

Quanto mais nos avizinhamos do próximo domingo, com manifestações previstas por todo o país, e quanto mais o processo da Lava Jato progride, mais se exacerba a guerra ideológica nas redes sociais. Quem de fato quer passar o Brasil a limpo, quem quer preservar e fortalecer nossas frágeis instituições democráticas não entra nesse jogo sujo da guerra ideológica. Mais do que denúncias infundadas, acusações sem comprovação e até a pura montagem mentirosa, como o vídeo que acabo de ver no qual Paul McCartney supostamente exalta Lula numa entrevista coletiva que prevê a volta deste em 2018, há um clima de crescente promoção da intolerância e da violência.
Lula tem uma grave responsabilidade em tudo isso, pois foi o único líder político de peso que veio a público radicalizar esse clima. A quem serve tudo isso? Serve evidentemente aos extremistas da esquerda e da direita, a todos que lutam para manter o Brasil da intolerância, da impunidade e do atraso. Quem quer um Brasil mais justo e civilizado, defende sem restrições a investigação e punição de todas as denúncias fundadas e comprovadas. Isso deve servir para Lula, FHC, Aécio Neves, Dilma, Eduardo Cunha, todos que cometeram crime contra a democracia e as instituições que a sustentam. Promover guerra ideológica é concorrer para o agravamento da intolerância, da violência, da manutenção do Brasil dos privilégios e da impunidade.
(Postado no Facebook, 8 de março 2016).

A alma honesta:

A alma honesta jamais louva a si própria, muito menos alardeia sua virtude, já que a arrogância é inconciliável com qualquer virtude. Sua natureza consiste na ação, não na fala. A alma honesta não precisa dizer o que é.
Antipascaliana:
A razão tem razões tão ciente
Que o cego coração nem pressente.
Wittgenstein - melhorar o mundo:
Certa vez um discípulo de Wittgenstein perguntou-lhe o que deveria fazer para melhorar o mundo. Melhore a si próprio, respondeu o filósofo, pois isso é tudo que você pode fazer para melhorar o mundo.
(Postado no Facebook, 1 de março 2016).
Oposição política etc:

Faz algum tempo que resisto à tentação de digitar algum post sobre o bananão político brasileiro. Defendo todas as investigações e punições legais, mas não aposto um centavo na oposição que temos, não aposto um centavo na classe dirigente brasileira. Já disse aqui que nossa chamada elite, conceito mais extenso do que o de classe dirigente, não é elite, mas clientela. A frase é de Evaldo Cabral de Mello, historiador que conhece nossa história como poucos.
Volto a escrever porque li alguns posts bebendo uísque. Aí fica bem mais difícil conter meu desejo continuamente refreado de opinar. Quando a oposição começa a se agitar, isso é sintoma de que a vaca há muito está no brejo, assim como Minas, que não tem mar, corre o risco de não ter mais rio. Quase todos são oportunistas e raros podem apontar o dedo contra a bandidagem que está depredando o Brasil em todos os sentidos. Onde estão Marina e Aécio depois de toda a água podre que já rolou sob e sobre as pontes e cidades e palácios e estatais etc e tais? Que líderes alternativos são esses que se apagam na hora em que os verdadeiros líderes se impõem?
Por mais que diga que não mais me decepciono, pois esgotei minha cota de crença, admito que me decepcionei mais uma vez. Não com a bandidagem do PT, já que nunca fui petista nem votei em petista. Decepcionei-me (shame on me!) com intelectuais que nos anos 1970 e 1980 inspiravam-me admiração e respeito. Eles estão aí rastejando aos pés de Lula. Usando a linguagem que todo marxista compreende, não passam de lacaios do PT. E eu que durante tantos anos acreditei que os intelectuais eram a consciência da sociedade. Shame on me!
Mais uma vez me repetindo, quem tem a esquerda que temos não precisa de direita. Essa lenga-lenga sectária que acusa todos os críticos do PT e associados como direitista, fascista, neoliberal et caterva, diz muito da miséria ideológica e moral do Brasil. O buraco é tão mais embaixo que só me resta reiterar meu ceticismo. Defendo integralmente a faxina possível, mas não tenho mais idade nem experiência para me enganar sobre o Brasil. Seria consolador acreditar que nossos males são apenas Lula-Dilma, PT e associados. Como cantava Cazuza, um cantor que nunca ouvi, Brasil, mostra a tua cara. Quando?
(Postado no Facebook, 24 de fevereiro 2016).

segunda-feira, 12 de março de 2012

Cioran (fragmento de um diário)



Releio Cioran: Exercícios de Admiração. Esse romeno de formação francesa, que muito à vontade declara a ambição de escrever em francês melhor do que os próprios franceses, é sem dúvida um filósofo escritor. O traço talvez mais saliente dos ensaios curtos e textos de circunstância que compõem este volume – salvo o longo capítulo inicial dedicado a Joseph de Maistre – é o pessimismo dissolvente com que encara a condição humana. O curioso é que essa sua peculiaridade, com freqüência expressa em termos desabusados, não deprime o leitor. Pelo menos posso dizer que não me deprime, antes pelo contrário.

Cioran é um homem governado por excessos, presa fácil das paixões infrenes. Como ele próprio reconhece, é pouco afeito à nuança. Escrevendo sobre Otto Weininger, frisa as qualidades deste que mais o seduziam: o exagero desmedido, a negação extrema, a aversão ao bom senso, a busca intransigente do absoluto. Em suma, tudo que não sou nem me apetece. Weininger foi uma referência crucial na juventude de Wittgenstein. É este um dos argumentos mais fortes de Ray Monk, o biógrafo que mais profundamente me marcou. Sua biografia de Bertrand Russell em dois magníficos volumes (The Ghost of Madness e The Spirit of Solitude) é provavelmente a melhor que já li em toda a minha vida. A que dedica a Wittgenstein, The Duty of Genius, é também excelente, mas não tanto quanto a de Russell. Monk é um wittgensteiniano e coerentemente toma o partido de Wittgenstein contra Russell em ambas as biografias. Isso entretanto não basta para que a biografia do primeiro seja melhor que a do segundo. Sendo mais preciso, Monk toma o partido de Wittgenstein por nele identificar uma integridade ética e intelectual superior à de Russell.

Voltando a Weininger, ele é tão central para a compreensão da vida de Wittgenstein proposta por Monk que a epígrafe que este escolheu para The Duty of Genius é extraída de Sexo e Caráter, o livro fundamental de Weininger: “Lógica e ética são fundamentalmente idênticas; não são mais do que dever para consigo mesmo”. A epígrafe evidentemente é a pista que conduz ao título da biografia, portanto do seu sentido substancial. Cito a epígrafe em português por não dispor do meu exemplar da biografia em inglês. Alguém o levou ou roubou, não sei. Tenho adotado como norma neste diário registrar primeiramente uma obra no original sempre que a tenha lido primária ou exclusivamente no original. No caso de The Duty of Genius, cito a epígrafe em português por dispor apenas da edição publicada pela Companhia das Letras.

Cioran é autor de boutades deliciosas. Referindo-se à misantropia, escreve estas palavras que não resisto à tentação de citar: “Não receie encontrá-lo: de todas as criaturas, as menos insuportáveis são as que odeiam os homens. Não se deve nunca fugir de um misantropo” (p. 120). A propósito dos benefícios catárticos da função da escrita, revela haver sobrevivido graças a ela. Julgo compreender o que escreve acerca da função liberadora da escrita por experimentar corriqueiramente esse fato de raiz psicológica. Considero-o de resto tão saudável que viso antes de tudo a função expressiva da escrita, até porque não sou um escritor profissional e quase nada publiquei dos meus escritos erráticos e dispersos, além de no geral circunstanciais. Cioran é evidentemente um escritor profissional. Como tal, pode melhor apreciar os benefícios catárticos da escrita. Observa assim que “Quando detestamos alguém a ponto de querer liquidá-lo, o melhor é pegar uma folha de papel e escrever várias vezes que X é um canalha, um crápula, e imediatamente percebemos que o odiamos menos e que quase não pensamos mais em vingança (...) Suportei-me melhor assim, como suportei melhor a vida. Cada um se cuida como pode” (pp. 127-8).

Registrando um pouco de minha experiência pessoal a esse propósito, com freqüência noto que o mero fato de escrever no diário páginas duras contra determinadas pessoas ou situações funciona efetivamente como um dispositivo descompressor, um liberador de energia agressiva reprimida. Talvez o caso mais facilmente observável no meu diário seja o referente a tudo que na realidade social brasileira inspira-me revolta e aversão. Escrevo reiteradamente acerca dessas coisas e sinceramente gostaria de suprimi-las de um diário que estimaria menos pesado e menos negativo. Sucede, no entanto, que sou rotineiramente vítima de abusos e agressões a meus direitos elementares de cidadania numa realidade regida pela anomia; sou vítima da desonestidade ou descaso de pessoas e instituições que burlam minha boa fé, quando não simplesmente me ignoram. E não consigo nem quero adaptar-me a esses horrores grandes e pequenos inscritos no nosso cotidiano cultural, embora saiba de minha impotência, o que naturalmente acentua minha revolta. Diante disso, transporto muitas vezes intencionalmente parte dessas irresoluções para as páginas do meu diário. Aqui me pronuncio contra a grosseria dos recifenses, sua incivilidade crônica, sua inconsciência social que em verdade define um padrão de convívio. Noto então que o mero registro da crítica, da denúncia irrefreável, da indignação impotente, tudo isso como que se quebranta, cede na força opressiva que tanto me perturba. É esse, em substância, o processo psíquico que Cioran assinala na sua própria escrita.

Escrevendo sobre Scott Fitzgerald, indica Cioran dois modos de lucidez verificáveis nos seres humanos. O primeiro ele o caracteriza como um privilégio ou dádiva. Seria próprio dos que vivem a vida ou a experiência do mundo como algo transparente e assim sentem-se como que libertos do sofrimento de sabê-la transparente, já que ela assim os define. Ainda que a vivam como um estado de crise permanente, não sofrem nem se queixam do que afinal é inerente à sua condição. O outro modo de lucidez é sempre uma revelação tardia sobrevindo como um acidente, “uma rachadura interior que ocorre em dado momento”(p. 108). Este é o modo de lucidez característico de Scott Fitzgerald. Sua expressão mais plena e transparente está documentada num dos textos literários mais dilacerantes, verdadeiros e impiedosos que já li: The Crack-up. É a rachadura a que alude Cioran quando emprega a expressão “rachadura interior”.

Passo a palavra ao romeno da catástrofe, que sintetiza com felicidade o essencial do que escreve Scott Fitzgerald no seu dilacerante texto autobiográfico: “Até então, fechados numa agradável opacidade (refere-se aos que se identificam com o segundo modo de lucidez acima caracterizado, nota minha) aceitavam suas evidências sem avaliá-las nem lhes pressentir o vazio. Ei-los desiludidos e como que involuntariamente engajados no caminho do conhecimento. Ei-los tropeçando entre verdades irrespiráveis, para as quais nada os preparara. Por isso, experimentam sua nova condição não como um dom, mas como um ´golpe`. Nada preparara Scott Fitzgerald para enfrentar ou suportar essas verdades irrespiráveis. O esforço que fez para se acomodar a elas não deixa, contudo, de ser patético” (p. 108).

The Crack-up é o relato pungente de uma experiência de desintegração, expressão lúcida e dolorosa da ruína de um homem que antes viveu mimado pela glória literária e a dissipação de sua fortuna e talentos num estado de orgia inconsciente e infrene. Algo dessa atmosfera, ambientada nos círculos mundanos da Paris dos anos 20, foi recriado em The Sun also Rises, de Hemingway, mas sobretudo na obra de Scott Fitzgerald. Diria que antes de tudo nos seus contos. Meu favorito é Babylon Revisited, que já contém muito do que Fitzgerald expressará em nome próprio, isento de qualquer artifício ficcional, na sua lúcida, atordoantemente lúcida escavação autobiográfica. The Crack-up é o relato de uma ruína, a lúcida descrição do desmoronamento de uma mente brilhante e de um escritor emblemático da dissipação enlouquecida de uma geração, the lost generation, espremida entre duas guerras devastadoras.

Scott Fitzgerald morreu pouco depois dos quarenta. Não resistiu à experiência devastadora documentada na sua excepcional peça autobiográfica. Sua mulher, Zelda, parceira lendária de mergulho esgotante nos labirintos sedutores da vida, entrou em pane e acabou internada numa clínica psiquiátrica, onde morreu num incêndio. Otto Weininger, acima mencionado, suicidou-se com pouco mais de vinte anos. Seu suicídio foi cercado por circunstâncias patéticas, pois escolheu matar-se na casa onde Beethoven morreu. O fato não é de modo algum acidental, já que cultuava Beethoven como o gênio supremo. Weininger legou à inteligência do seu tempo um livro crucial para Wittgenstein e outras mentes poderosas: Sexo e Caráter. Como observa Cioran, pretexto para estas páginas pouco animadoras, cada um cuida ou precisa cuidar de suportar a vida como pode. Não consigo seguir à vontade, nem de fato, o espírito do seu pessimismo. Acredito ainda que a vida encerra outros valores e possibilidades além da mera e desoladora experiência da suportação. Sem a intenção de pregar ânimo demasiado para o exercício da vida, sei que ela representa bem mais que isso.

Diário - Recife, 30 de novembro 2008.