quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Voando Azul


O mundo visto do alto
é um balão flutuante
estranha cartografia
de um anão deslumbrante.

O mundo visto do alto
tem tortuosos caminhos
cores tingindo a paisagem
retas nas nuvens moventes.

Tortas as linhas que apagam
a luz do sol tão intensa
que fechei minha janela
contra o calor que adormenta.

Dez quilômetros me separam
do solo que sempre habito
tanto os espaços separam
como turvam o infinito.

Voar é um modo de ver
que de ordinário pratico.
O avião vai pro alto
enquanto na terra fico.

Que belo voar na Azul
entre contrastes de cores.
Só não me faço azul
porque perdi meus amores.

No espaço entre Campinas e Belo Horizonte,
21 de abril de 2013.

domingo, 25 de agosto de 2013

Tempo e memória


Ah, minha amada, os anos que passaram...
São tantos e no entanto não te esqueço.
No sopro da memória que deixaram
Em cada acorde de som teu tom eu teço.

No tempo sem repouso tudo passa
E entanto na memória ela perdura.
A linha que na areia a vida traça
O tempo apaga, mas retém a jura

Da duração inscrita na memória
Dos seres que amando o amor que dura
Convertem contingência em história.

Por isso, minha amada, não perdi
O amor que se na vida não perdura
É meu depois de tudo que esqueci.

Recife, 20 de janeiro de 2013.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Mãe Bovary


Minha mãe que nunca foste
mãe neste mundo de arcanos
delírio de Bovary
nua surdez dos pianos.

Minha mãe que nunca amaste
meu pai, teus filhos ciganos
por que no mundo geraste
tanto infortúnio e enganos?

Minha mãe que te perdias
nas tramas do ego cego
que ao léu da vida te ias
e em mim ainda te nego.

Minha mãe, fonte de dor
origem que em mim deploro
tanta tortura e amor
na lágrima que nunca choro.

Curitiba, abril de 2013.

sábado, 17 de agosto de 2013

Morte na piscina


Morrerei na piscina, ele disse
Enquanto boiava solitário
Na água imóvel.
A piscina imersa no azul da tarde
Será o leito da sua morte.
Recusa-se a vegetar na UTI
Como Millôr, Rosinha, Niemeyer
Esses que viveram belas vidas.

Se a fortuna o escolher
Morrerá como Carlito
Passarinho serenamente adormecido
Transportado do sono da vida para o sono eterno.

Quando as forças minguarem
Por fim lhe faltarem
Quando a lucidez o desertar
E sentir que a vida autônoma gradual
E irreversivelmente lhe escorre das mãos
Saberá então que chegou a hora da piscina.

Recife, abril 2013.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A partitura universal


Somos acordes grafados
No pentagrama de uma partitura universal.
Cada memória que nos evoca
Arrancando-nos do esquecimento
É o músico que ao interpretar a obra
Remove o som do silêncio da partitura.
No som de alguns acordes miraculosos
Somos restituídos à corrente do tempo.
Cada sinfonia, cada concerto, cada canção
Encerra um universo de humanidade
Sepultado no silêncio da partitura.

Recife, maio de 2013.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Gratuidade


Poesia que assim se faz
como conversa vadia
é fácil até demais
pra que se chame poesia.

Poesia que ia ou vai
como cadela vadia
que corre, tropeça e cai
como dizê-la poesia?

Meu verso quer só brincar
com arte do improviso
e se dissolve no ar
com a inconstância do riso

que ri de tudo e de mim
da gratuidade da vida
colhendo em seu próprio fim
a luz da estrela perdida.

Curitiba, 20 de abril 2013.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A confissão do pai


Filho, perdoe a fraqueza
De quem te pôs neste mundo
O peso da incerteza
Que me arrasta pro fundo

Do fundo em que me abismo.
Tão pouco sei, quase nada
Sou qual um gago truísmo
Ou pedra na mesma estrada

Onde tropeço à procura
De um norte que não tracei.
A vida é uma senda escura
Que nunca em mim decifrei.

Filho, perdoe a ausência
Na noite sofrida em claro
A inação que é demência
Urdida em meu desamparo.

Faltou-me a força de ser
O pai que você pedia
Eu que mal falo e sei ler
As linhas dessa aporia

Que é a própria paternidade.
Como me dói a certeza
De que não deixo saudade.
Deixo somente a fraqueza

Dessa bondade passiva
Que às vezes me paralisa
Fazendo da própria vida
Um fútil sopro de brisa.

Filho, o silêncio perdoe
Perdoe a falta de abrigo
Pois sei o quanto te dói
Ser do teu pai o amigo

Que não fui forte pra ser
Na noite de desamparo
Que é tua vida sofrer
Como um destino ignaro.

Filho, perdoe o legado
Que é tudo que te deixei
Eu que tangi o meu gado
Pra um pasto que ressequei.

Assim de mim me perdi
E como pai fracassei.
O que não fui e esqueci
Perdoe e o que confessei.

Resposta do filho:
Pai,
afasta de mim este cálice
Que me fartei de beber.

Curitiba, 17 de abril 2013.