terça-feira, 26 de maio de 2015

No Mural do Facebook IV


A herança das utopias
Se é possível falar em debate público nas redes sociais, ele está restrito a questões políticas imediatas ou conjunturais. Há questões de fundamento que, sei, não podem ser razoavelmente discutidas nessas vitrines moventes. Se no entanto teimamos em ignorá-las, continuaremos repetindo nossos erros e brigando em torno dos efeitos alheios às causas. Um exemplo: a esquerda, da qual procedo e dentro da qual formei minha concepção da realidade histórica, continua cegamente presa a ideais utópicos e a projetos políticos que foram profundamente abalados pela história do século 20. As utopias de esquerda (comunismo) e direita (nazi-fascismo) resultaram em Estados totalitários e conflitos armados sem precedente histórico. O custo social disso tudo é inominável. Há pouco li um livro obrigatório para quem deseja conhecer líderes da esquerda como Stalin. Refiro-me a Stalin – the court of the red tsar, de Simon Montefiore. Também recomendo este de Orlando Figes: The Whisperers. Eduquei-me politicamente aprendendo que Stalin era o grande benfeitor da humanidade. Hoje sei que foi um dos maiores tiranos da história. Seus crimes e os horrores que praticou para converter um país feudal e autocrático em uma grande potência são simplesmente inomináveis. Não conheço um intelectual ou militante de esquerda do Brasil que tenha feito publicamente um exame dos nossos erros e ilusões, dos enganos e crimes que cometemos, como agentes ou cúmplices omissos, da história de horrores do século 20, que se estende para o presente. Não falo da direita porque todo mundo sabe, pelo menos via cinema e a mídia de massa em geral, dos horrores que praticou. Além disso, o ideário dela nunca enganou às pessoas inspiradas por autênticos ideais humanistas. É por isso que miro a esquerda neste comentário que ou será ignorado ou servirá para que alguns dogmáticos e cegos intransigentes atirem pedras no meu telhado de vidro. No entanto, é preciso enfrentar essa história, se de fato queremos saber o que significam a história da revolução cubana, nosso bolivarianismo novamente em ascensão e a degradação do PT. (Facebook, 6 de abril de 2015).

A militância é tendenciosa
Há muito aprendi que a consciência militante ou partidária é no geral tendenciosa. Por isso renunciei a me pronunciar ou opinar em qualquer sentido em nome de um partido ou um poder constituído. Longe de mim a presunção de que sou imparcial ou neutro. Sei que as ações e juízos humanos são por natureza parciais. O que acredito é que é possível encurtar a distância ou desacordo entre a consciência e a verdade objetivamente verificável. Seguindo esse princípio, já fui acusado por amigos de ser omisso. Quando assim me acusavam, pressionavam-me significativamente para tomar partido... aderindo ao partido deles.
A verdade humana é sempre limitada. Isso não justifica o partidarismo e sectarismo que todos os dias leio no mural do Facebook. Lamento constatar que pessoas que me inspiram afeto e admiração (algumas não mais) compartilham e endossam posts, pesquisas e qualquer tipo de suposta evidência que supostamente denuncia X ou Y como o partido mais corrupto do Brasil, X ou Y como o presidente mais corrupto do Brasil e coisas desse tipo. As pessoas que assim procedem estão implicitamente justificando a corrupção e os crimes do seu partido. O subtexto é o seguinte: defendo a corrupção e os crimes do meu partido porque o partido X ou o presidente Y foram ou são muito mais corruptos. Essas pessoas se veem, no entanto, como portadoras de boa consciência cívica. Se o fossem de fato denunciariam e se oporiam a toda e qualquer corrupção, todo e qualquer crime, não importando de onde ou de quem procedessem. Não consigo ser otimista com relação ao Brasil porque, no auge de uma crise crescente, em meio à corrupção de todo tipo, pessoas supostamente éticas combatem-se nas redes sociais para justificar os crimes dos seus partidos. Só falta aparecer alguém para ter a canalhice de defender a inocência do partido, político ou presidente que roubou menos. Seria uma variação deste dito famoso que muito traduz a mentalidade corrente do Brasil: rouba, mas faz. Ou ainda: rouba, mas ajuda os pobres.
(Postado no Facebook, 15 de abril 2015)

Direitos Urbanos e Estelita
Posto este comentário para declarar meu apoio ao movimento Direitos Urbanos, notadamente à sua luta em defesa de uma cidade mais humana, portanto voltada para os interesses coletivos. Recife é um dos piores, senão o mais desastroso exemplo de uma forma de crescimento urbano tutelado pelo poder das empreiteiras associadas a uma tradição política oligárquica e autoritária. Isso explica o estado de calamidade a que chegamos. Vivemos numa cidade onde não há espaço efetivo para as pessoas, sequer para se locomoverem livremente exercendo seus direitos mais elementares. Nesse contexto, o movimento Direitos Urbanos tornou-se um símbolo de admirável resistência à depredação do espaço público. Ocasionalmente, no passado, houve esboços de reação contra a sanha predatória dos que estão levando nossa cidade à ruína. Mas essas reações momentâneas nunca lograram organizar-se como movimento efetivo de resistência continuada. O movimento Direitos Urbanos é, por isso mesmo, um fato novo na política local, espero que também inspirador de práticas semelhantes e urgentes em todas as cidades brasileiras onde a cidade é do povo apenas na enganação publicitária promovida por uma classe dirigente cínica, corrupta e indiferente ao próprio futuro dos seus filhos, pois a cidade que estes irão herdar é isso que vemos e cotidianamente sofremos à nossa volta.
(Postado no Facebook, 14 maio 2015).

O tédio militante
Borges: a política é uma das formas do tédio. Cito a frase antes de tudo por espírito de provocação, embora acredite que contém muito de verdade. Cito-a porque me entedia correr os olhos pelo mural do Facebook e ver, não ler, as mesmas e previsíveis postagens. Não me limito a vê-las por ser indiferente, mas simplesmente por já sabê-las de cor. Por isso dou razão a Borges, o grande reacionário argentino, o gênio literário que foi aviltado durante décadas pela esquerda latino-americana. Cito também Glauber Rocha, embora noutro contexto: Chico Buarque é o Tom Mix da esquerda. A frase é do tempo em que Chico, escudado pela sua fama e pela sua admirável integridade, resistia quando todos nós silenciávamos temendo os castigos da ditadura. Hoje, quando se diz tudo, sobretudo a futilidade e a mentira, qualquer um é Tom Mix: diz o que quer no mural do Facebook, sempre o previsível, e vai dormir em paz com a sua consciência. Preferiria ler um reacionário consciente, responsável pelo que diz.
(Postado no mural do Facebook, 9 de maio 2015)