quarta-feira, 24 de maio de 2017

No Mural do Facebook XXIX:


A beleza pura:
A beleza que mais amo e cultuo é a beleza pura, isto é, isenta de adereços e artifícios. Ela é como é, transparente como a luz que a revela na pureza das linhas em que é moldada. Refiro-me antes de tudo à beleza da mulher, que é a forma suprema da beleza. Contemplá-la adormecida, ou acordando tocada pela primeira luz do dia, foi sempre um momento de mistério e emoção inefável na minha vida.
Produto e expressão da natureza, ela é mutável como tudo que é da ordem da natureza humana. Portanto, muda sem dissimular o seu ser mutável. Infelizmente, no mundo de simulacro em que vivemos, ela é cada vez mais rara. Hoje, até na plenitude do seu esplendor ela já não se contenta com sua forma de esplendor. Por isso quer sem além do que é e acaba sendo apenas simulacro, além de valer-se de todas as formas de artifício para ser o que apenas parece. Por isso nunca é.
(Publicado no Facebook, 30 de abril de 2017).


Relendo Macunaíma
Ci, ó Ci, ó Mãe do Mato
Gemia Macunaíma,
Imperador da Amazônia,
Amor primeiro, ó Ci
Nunca terá companheiro.
Seja no céu, seja aqui
És meu gozo e cativeiro.
(Publicado no Facebook, 7 de maio de 2017).

Nossa orfandade política:

Embora tão grande e velho, meu Deus, o Brasil continua sendo um país de órfãos políticos. Digo um porque o fenômeno é extensivo à América Latina. Não explicito as raízes históricas desse fenômeno (dissecado, entre outros, por Octavio Paz) porque aqui a gente tem que ser curto (não falta quem seja curto e grosso).
O mito do rei Dom Sebastião, lá dos fins do séc. 16, continua bem vivo no presente. O povão, o povo e até a maioria da nossa suposta intelligentsia aguarda ainda o salvador da pátria. Já houve muitos e outros virão, à esquerda quanto à direita.
E assim vamos à deriva variando do delírio otimista à perplexidade expressa em frases que deveriam ser gravadas na nossa bandeira cujo lema, aliás, deveria ser Desordem e Regresso. As frases? Por exemplo assim: Que país é este? Por que o Brasil não deu certo? Por fim há também as frases consoladoras do tipo: Deus é brasileiro; Brasil, país do futuro; Com jeito vai; Deus é fiel...
Nenhum país é fruto de um pai salvador. Nenhum país se constrói vivendo de ilusões consoladoras. O verdadeiro agente fundador de qualquer país é o seu povo. Portanto, o que precisa mudar é a nossa mentalidade, as nossas instituições, a consciência coletiva. Em suma, a conversão do órfão em sujeito da sua história.
(Publicado no Facebook, 9 de maio de 2017).

A história tem sentido?

Observo de passagem os posts em louvor da família, do dia das mães, de todos os valores típicos da sociedade burguesa que os rebeldes da minha geração queriam destruir. O auge dessa "onda revolucionária" (com as devidas aspas) foram os anos 1960 e 1970. Também joguei esse jogo com razões pessoais ponderáveis, pois minha família se desintegrou de fato. Mas conheci muita gente careta (como dizia a gíria da época) que não passava de rebelde financiado. Quanto a esses, nunca me enganei. Sabia que voltariam para casa e para o aconchego do mundo burguês tão logo a chuva passasse. Escrevi alguns artigos dizendo isso no jornal anarquista O Rei da Notícia. Aliás, era anarquismo patrocinado pelo Estado, o que é típico do Brasil.
Saltando para o presente, há muito noto que todo mundo se reacomodou com total inconsciência no mundo que negava radicalmente. Parece que a real herança daqueles anos loucos e inconsequentes foi o vale tudo em que passamos a viver. De fato, reduzimos a poeira os valores mais sólidos da família e das instituições integradoras dos indivíduos na sociedade, mas voltamos a celebrar a família e tudo que ela tradicionalmente representava como se tudo fosse como antes. Parafraseando Shakespeare, inconsciência, teu nome é Brasil.
(Publicado no Facebook, 16 de maio de 2017).

O Horror, o horror:

Sei que esta frase aparentemente banal já está mais do que banalizada. Ela condensa o sentido de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, uma das obras fundamentais da literatura moderna. Corro os olhos pelos comentários do Facebook, quando o Brasil mergulha cada vez mais no abismo, e me desola a aceleração da histeria maniqueísta. Noutras palavras, tudo serve de munição para o Fla X Flu ideológico que já não suporto. Poucos vislumbram o horror perpetrado pela classe dirigente que governa este país há séculos garroteando e alienando o povo.
horror parece a muitos invisível ou até inexistente, fruto da imaginação de quem leu Conrad em excesso. Mas ele lateja e sangra nas ruas, nos hospitais, nos crimes inomináveis praticados por um Estado parasita e cruel. Ele depreda e impede qualquer processo efetivo e sustentável de reformas substanciais que nos libertariam da canga do passado, do horror que condena à miséria e ao desamparo um país rico onde a riqueza criminosa e a bandidagem nos condenam à condição de uma republiqueta de terceira classe. É esse o horror que governa o Brasil.
(Publicado no Facebook, 19 de maio de 2017).

quinta-feira, 4 de maio de 2017

A casa vazia


Há muito vive na casa vazia.
Tão ele ela, tão ela ele
Que se fundiram numa inconsútil unidade.

A casa vazia, mas habitada
Pelas imagens
Sombras e luzes
Vozes do tempo
Recobrindo as paredes.

A noite deserta dentro da casa vazia.
Mas sente e vive no bojo do tempo
A ausência viva de tudo que amou e perdeu.
Logo, a perda é plenitude
Na eternidade do tempo
Unificando o pleno e o vazio.
Tudo que ama é presente na ausência.

Recife, 14 janeiro 2017.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Seu nome


Reduzido ao mais íntimo e insondável
Seu nome recobre
Infinitos matizes de sentimento e memória.
Ora suspiro saudade
Ora silêncio e perdão
Ora ainda perda e engano
Ora manhã de verão.

Seu nome variante gráfica
De todo condicional
Paira no cimo da noite
Do meu presente eterno.

Recife, 22 março 2017.