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quinta-feira, 4 de maio de 2017

A casa vazia


Há muito vive na casa vazia.
Tão ele ela, tão ela ele
Que se fundiram numa inconsútil unidade.

A casa vazia, mas habitada
Pelas imagens
Sombras e luzes
Vozes do tempo
Recobrindo as paredes.

A noite deserta dentro da casa vazia.
Mas sente e vive no bojo do tempo
A ausência viva de tudo que amou e perdeu.
Logo, a perda é plenitude
Na eternidade do tempo
Unificando o pleno e o vazio.
Tudo que ama é presente na ausência.

Recife, 14 janeiro 2017.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Seu nome


Reduzido ao mais íntimo e insondável
Seu nome recobre
Infinitos matizes de sentimento e memória.
Ora suspiro saudade
Ora silêncio e perdão
Ora ainda perda e engano
Ora manhã de verão.

Seu nome variante gráfica
De todo condicional
Paira no cimo da noite
Do meu presente eterno.

Recife, 22 março 2017.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Amor


Amor é uma palavra que ouvi
A troco do que é tudo e do que é nada.
Ouvi-a em comícios, confissões
Nas casas de família, nas igrejas
Bordeis, clubes, partidos, livrarias.

Ouvi-a no silêncio da clausura
No tempo em que o silêncio era de lei
Nos nichos da utopia, nas novelas
Nos filmes, nos romances, nos idílios.

Palavra tão banal e universal
Quinhão da fantasia que embriaga
Os sonhos e sentidos deste mundo
O amor a tudo impregna, assim dizem
E entanto nada sei nem o vislumbro
No tempo que demarca o meu deserto.

Ó amor, o que és e onde vives
Num mundo onde impera a indiferença?
Tantos nomes te dão e tantas formas.
Contudo, nesse reino que habitas
Tantas portas se fecham e quedamos
Exilados na aridez das ruas mortas.

É inútil bater, buscar o amor
Na mecânica dos sinais entorpecidos.
As máquinas se movem azeitadas
Governadas por comandos insensíveis.
No ruído da noite ouve-se o choque
(colisão ou talvez um estampido)
Arremessando o corpo no asfalto.
Os carros rolam triturando a massa informe.
Era, dizem, talvez o último homem
Quem sabe o último alento do amor.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Teu nome


Teu nome sopro na brisa
Teu nome flor no deserto
Quanto mais longe, mais viva
Me acenas no céu aberto.

Teu nome sempre presente
No dia transfigurado
Onde o passado fluente
Dissolve o lodo encalhado.

Por isso teu nome vive
Além dos fatos da vida
Além do que sou e tive
E da memória perdida.
Recife, 26 dezembro 2016.

domingo, 1 de janeiro de 2017

O dia e a aporia


O dia é apenas o dia
Não mais que o dia que passa.
O dia é isto: a graça
De fluir na correntia.

Nadar é próprio do ser
Cuja razão... O que digo?
Cada um para viver
Cria a razão e o perigo.
Tudo mais é aporia.
Recife, 1 de janeiro de 2017.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Aliança


Amamos o que perdemos
E até o que nunca vemos
Sem isso o que restaria
Senão o ódio
A indiferença
Nada no fundo, a descrença
Desintegrando o meu dia?

Amor é um sinal de menos
Quando no fim o perdemos.
Mas no deserto de tudo
Paira essa luz na memória.
Quem sabe apenas me iludo
Mas ela salva o meu dia
Quando a transformo em história.


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A solidão da madureza


Deus me negou um amor
No tempo da madureza
Quando a noite sobre mim desce
E a solidão me oprime.
Depois de tantos que tive
De tantos que já perdi
Depois de tudo que dei
Do que errei e traí
Na noite do desamparo
Minhas lições desaprendo.

Tanto neguei o amor
Tanto quanto Deus neguei.
A vida foi encolhendo
E a casa quedou deserta.
Também a própria cidade
Que antes em flor se abria
Suas muralhas fechou-me
Me condenando ao exílio.

Deus me negou um amor
Um amigo, abrigo, cidade.
Vago na noite deserta
E à casa enfim me recolho.
E no balanço de tudo
Já nada ou ninguém encontro.
Os frutos da madureza
Sobre o asfalto murcharam.
Ouço ruído nos bares
Os tiros dentro da noite.
Amanhã serei famoso
Quando a tv me vender
Os crimes que cometi.


terça-feira, 27 de setembro de 2016

Inexplicável


O poema não vem quando quer
Nem é obra de nenhuma musa inspiradora.
O poema não promana do acaso
Nem do arbítrio de algum gênio.
Ele brota de muitas fontes
E flui entre muitos veios.
Há mesmo os que nascem quando querem
Assim como os que abortam.
Como o poeta, o poema não se explica.
Recife, maio 2014.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Freud para Paulo Medeiros


Paulo Medeiros
Dedicatória num livro sobre Freud: O Projeto de Freud

Sopro de entendimento:
eis o que ele tem sido
no cerne da irrazão.
Ele que Freud, não fode
ele me iluminou
minha medida que pode
apenas viva medir-se
no hiato entre gozo e dor.

x.x

Mais que ninguém
foi ele a luz
do entendimento
redefinindo
meu ser errático.

Fernando da Mota Lima

Recife, 30 de abril de 1996.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A vida é engano


A vida é um grande engano.
Cada amor que amamos
E por fim perdemos
Cada amor é uma traição
A tudo que sonhamos viver no amor.

A amizade é um outro engano
Salvo Montaigne e La Boétie.
Mas estes foram um descuido
Um erro de cálculo da amizade.
A amizade mente como mente o amor.

Que diriam a ti, que diriam a mim
Os que viveram a lucidez do real além da névoa?
Ama sem esperar, ama sem amanhã.
Hoje é tudo e em tudo espreita o engano
De tudo.
Recife, 11 de junho 2016.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Branquinha


Diga, Branquinha, o que sente
seu corpo colado ao meu.
Eu nasci num clima quente
preto retinto, ó xente!
sou preto mas todo seu.

Fruto da cana caiana
e engenho colonial
finja que é falsa baiana
Gabi, canela, cacau.

Eu nasci num clima quente
mas coração não tem cor.
Adeus, adeus preconceito
o seu desejo desmente
seus preconceitos de amor.

Oxford, Inglaterra, março 1990.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

A muralha


Não se apresse, disse o Fado.
Você anda anda
Você corre corre
Mas esbarra sempre na muralha.
Desce, amor, diz o caçador.
Sobe, amor, diz a sua caça.
Tanto relutam e esperam
Que enfim se rompe a muralha
Caindo-lhes sobre a cabeça.
Ai de quem busca ou espera
Ai de quem vive, pois vida
É o que é e já era.
Outubro 2014.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Anulação do desejo


Queria telefonar
Dizer cheguei a Isabel
Mas essas nuvens no ar
Fecham-me as portas do céu.

Queria sair com ela
Levá-la pra passear
Quem sabe no céu perdê-la
Com outro modo de amar.

Queria rodar na pista
Corpo no dela apertar
Mas um receio despista
A vida pra um lugar

Que é a solidão deste quarto
Desejo de só ficar.
Sou quem deseja o desejo
De nada mais desejar.

Curitiba, 12 de abril 2013.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

No Mural do Facebook XXI


A Solidão e seus Avessos:

Leio uma pesquisa sobre os efeitos nocivos da solidão. Esses efeitos seriam não apenas psíquicos, mas também orgânicos. Não discuto isso, até por não ter competência para tanto. O que discuto é o conceito de solidão implícito nessas pesquisas que ocasionalmente leio. É como se o sentido da solidão fosse evidente. E daí para as confusões rotineiras a passada é bem curta. Por exemplo: o solitário, compreendido negativamente, é o que vive ou está sozinho. No Brasil em particular, onde ainda são fortes os vínculos de família e gregarismo, o solitário é visto com um vinco de preconceito inegável. Se você é solitário, não casado ou não casou, não tem família identificável, é provável que seja uma pessoa difícil, complicada, no limite deslize para a misantropia.
Como sou parte da categoria dos solitários reconhecíveis, esclareço que os momentos mais belos e prazerosos de minha vida foram momentos de convívio, momentos inconcebíveis sem o outro que é meu semelhante e amo ou amei. Por isso fico à vontade para desmentir os preconceitos acima, embora pouco articulados. Além disso, falo um poucos dos que estão do outro lado da cerca, para que fique claro que essas distinções nunca são simples.
Não conheço nenhuma família feliz, contrariando o inesquecível capítulo de abertura de Anna Karenina, de Tolstoi. Também ressalto a solidão dos que vivem em família, como foi meu próprio caso. A solidão dos amantes, mesmo os que se amam de verdade. E quantas vezes não ouvi confissões intransmissíveis de amigos de ambos os sexos no momento em que desce o pano das convenções hipócritas?
Só um exemplo recente: a meio de uma consulta médica com um amigo, disse que gostaria de casar. Aleguei estar ficando velho, etc. Ele retrucou imediatamente: "Não faça uma loucura dessas. Estou casado há 25 anos e vivo de mentiras e conflitos. Não me separo porque não sei viver sozinho, como você".
Em suma, não recomendo solidão a ninguém. O que sei é que amo a minha, na medida em que é voluntária, na medida em que a tornei parte dos meus mais rotineiros e indispensáveis ofícios e prazeres: a leitura, a arte, a música, a reflexão, a carência pura e simples de ser comigo o que somente comigo posso ser. Mas existe também a solidão involuntária, que é dolorosa, mesmo na vida de quem escolheu e ama a solidão. Quem acaso tiver interesse em refletir melhor sobre o assunto, recomendo o livro Solitude, de Anthony Storr. Soube que foi traduzido no Brasil, não sei se com o mesmo título. É um livro belo, sensato e isento dos preconceitos correntes sobre a solidão e seus avessos.
(Publicado no Facebook, 10 de julho de 2016).

Literatura não é biografia:

O poema não é um documento biográfico, me disse meu amigo poeta. A frase lhe saiu com sabor de queixa, do desânimo de quem se sente incompreendido pelo leitor. Como todo autor, ele precisa do leitor, é em parte por este que escreve, mas seus poemas não são documentos biográficos. Lidos nestes termos, o leitor concluiria que seus poemas são a confissão de um homem solitário e insone, atormentado por memórias dolorosas. Foi isso o que lhe disse uma amiga com a comovente intenção de o consolar de suas dores derivantes do modo como ela leu o poema. Era um poema, claro, sobre a solidão e a insônia.
Mas o poema, repisa o poeta, não é um documento biográfico. Ele dorme bem, vive em paz com sua memória, embora sofra a carência do amor, a aridez desses tempos difíceis que vivemos: tanta infelicidade e solidão gritadas e dissimuladas nas redes sociais contra os políticos corruptos, com perdão da redundância, contra as mazelas insanáveis do Brasil.
O poeta, ser sensível decerto em demasia, lamenta não apenas a incompreensão da leitora que desastradamente o consola, mas a realidade sem vias de fuga. Ora, dirá quem me lê, como um poeta não encontra na imaginação vias de fuga da realidade? É outra incompreensão que também desola o poeta. Como é banal o preconceito de que a poesia é uma fuga do real. Lembrou-me o dia em que, cuidando de um amigo operado num hospital, recebeu a visita de uma médica enquanto lia Drummond para o enfermo, gravemente enfermo. Nunca esqueceu o que ela disse: "Por favor, não me fale de Drummond. Estou farta de realidade".
Em suma, todo poema verdadeiro é necessariamente belo, mas talvez insuportável para quem se contenta em viver na superfície da realidade ou simplesmente não suporta a provação do mergulho para o fundo da superfície. Por fim, reiterando ainda a queixa do poeta, o poema não é o reflexo do que o poeta vive. O poeta é uma antena do que é humano, não Narciso enamorado de si próprio nas águas da arte.
(Publicado no Facebook, 14 de julho de 2016).

terça-feira, 12 de julho de 2016

A voz da insônia


O que farei de mim quando a tristeza
Baixar na solidão do meu outono
E a noite dissolver tua beleza
Que o mar resserenava no meu sono?
Eu me reviro como um cão sem dono
Na noite insone do meu abandono.

Se a memória mais e mais me assalta
Vertendo uma corrente de sucessos
Que extremam minha dor da tua falta
Eu rezo na insônia os longos terços
Que antes o ateu nos seus avessos
Negava na paixão da noite alta.

E agora eu me pergunto em meu tormento
Se antes de morrer algum alento
Virá apaziguar a minha dor.
Por fim o sono desce e tudo é treva
No abismo que não sei aonde me leva
O hiato entre a vigília e o desamor.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Eu é você


Você meu outro eu
Você eu fora de mim
Meu modo único de me saber refletido.
Você que me amou como ninguém
E por isso me doeu e me perdeu
Como ninguém mais perdi.
E depois de tudo
À parte nossas vidas apartadas
Esse cão odioso ladra na tarde deserta
Uma bomba explode
E o mundo segue seu curso
Inconsciente de tudo e de nós que nos perdemos.
Mas vivo em você
E você em mim durante
O êxtase do orgasmo
Que se prolonga em memória
Até.

Recife, junho 2016.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Na Pista do Laçador


Quando contigo dançava
Na pista do Laçador
Meu coração batucava:
Teu corpo no meu suor.

Tua pele no meu calor
Quando o trompete vibrava
Na pista do Laçador
Meu coração te enlaçava.

Pé no teu pé no teu meu
Passo errante dançava
E havia um sonho de céu
No braço que te apertava.

Quando contigo dançava...
E entanto foi só uma vez.
Eu nos teus braços sonhava
Fazer... e a gente nem fez...

Recife, setembro 1993.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Chuva e mar


Amo a chuva.
A soledade da vida
Molhada dentro da chuva.

Amo vagar por vagar.
O sem-sentido da vida
Assimilado ao andar.

Deus e os pecados do mundo
Onde me querem levar?
A água lavando tudo
A redenção vem na chuva
Vem no dilúvio, no mar.

Depois de tudo, desnudo
Em chuva e mar dissolvido
Fosse eu na paz do mar-tudo
O mar liberto de tudo
Fosse o mundo esse mar.

Porto de Galinhas, junho 1998.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Roman Road, Colchester


Existo e assim existo nessa treva
Que às cegas me move e ainda me leva
Além do que na lida figurei
Teimando em indagar o que não sei.

De longe, muito longe me chamavam
As vozes que na noite me amavam
E entanto à luz do dia dissolviam
Meu canto cujas notas esqueciam.

Meus passos já se movem com a fadiga
De quem bem se fartou das vãs intrigas
Que turvam a urdidura desse mundo
Vertendo o que no ralo deita ao fundo.

Existo e isso é tudo e nada sobra
E em cada semelhante, em cada obra
Diviso um fim que engana e ignoro
O que será de mim se o que já sou
Me escapa enquanto cato o que sobrou
Do que doendo em mim é o que choro.


domingo, 12 de junho de 2016

A beleza da mulher


Era tão bela que de mim zombava
Pisando minha triste imperfeição
No céu a estrela vaga se apagava
E a mãe natura no mar lavava
O desenho torto da criação.

Era tão bela e tão orgulhosa
Que soberana tudo destratava
Indiferente à fluidez da rosa
Do ser que passa como ela passava.

Era tão bela que esqueceu o tempo
O tempo algoz de tudo que é humano.
Restou-lhe a fuga, a humilhante fuga
Do espelho fluido como seu engano
Cego na linha onde reponta a ruga.

A mãe natura pisa impiedosa
A beleza volúvel da mulher
Pois se sopra a beleza no espelho
Sopra o avesso da beleza aonde quer.