segunda-feira, 12 de junho de 2017

No mural do Facebook XXXI


Os males do Facebook:
Os poucos que me concedem atenção no Facebook por certo já notaram que deixei de falar de política, o assunto dominante na rede. Confesso que a maior parte do que vejo, há muito deixei de ler, não tem nenhum sentido para mim. Antes que me acusem de omissão, como já o fizeram, não acho que tagarelar compulsivamente sobre toda essa lama, essa bandidagem que afunda o Brasil, seja participar da política no sentido de orientá-la positivamente.
Os poucos que me leram, e no geral convergem com minha perspectiva política, assim como no modo de praticá-la na rede, sabem muito bem o que penso. Já postei aqui com nitidez o que penso de todo esse processo de degradação da política e do país. Tanto é verdade, que perdi vários "amigos" ou oponentes ideológicos. Também fui com frequência incompreendido por opinar isento de qualquer vinco de intolerância ou partidarismo.
Sempre concebi e usei o Facebook como uma tribuna de livre opinião, um exercício de reflexão pública. Em suma, queria doar meu grão de civilidade à barbárie na qual vivo sitiado. Por isso não acho que a linha dominante do que falam, denunciam e até caluniam concorra em nada para melhorar nossa interação e o estado inqualificável da nossa crise política cada vez mais degradada e degradante.
Isso tudo que há de negativo tornou-se apenas conversa de salão no pior sentido do termo, isto é, tagarelice dos que se associam para verter o que a realidade e eles próprios têm de pior. Aliás, muitos assim procedem por não saberem o que fazer de suas vidas, do seu tempo diluído em aridez e futilidade.
Ao escrever isso, e sobretudo declarar meu distanciamento ainda maior (continuarei lendo e ocasionalmente comentando apenas o que corresponde à escolha da minha liberdade ética e subjetiva), estou me tornando ainda mais isolado socialmente. Privado de viver uma vida normal, a rede virtual era (é) meu vínculo principal com as poucas pessoas que são parte da minha vida.
Mas que fazer? Quem escolhe sua liberdade possível, cada vez mais difícil, escolhe também o preço que ela implica. Enfim, amigos do Facebook, estou saindo ainda mais. De resto, poucos notarão esse fato e aceito que assim seja.
(Publicado no Facebook, 27 de maio de 2017).

O reinado da psicologização:
No início dos anos 1960 Philip Rieff escreveu sobre a emergência da cultura terapêutica, ou do homem psicológico. Sua antevisão é hoje incontestável. Hoje tudo parece ser explicável ou diagnosticável pela psicologia. A evidência orgânica da doença, comprovada por exames sofisticados, não isenta o paciente de ouvir este diagnóstico fatal: seu problema é de cabeça, ou emocional. Os médicos também incorrem nesse diagnóstico, sobretudo quando não sabem o que fazer com o paciente e seus males. Afinal, apesar da soberania profissional e cultural que passaram a exercer, sua suposta ciência é bem mais inexata do que presumem muitos dos seus críticos.
Tenho um amigo sofrendo de problemas orgânicos inquestionáveis. Como a doença alterou radicalmente sua vida, hábitos, formas de convívio etc, é evidente que há no seu quadro clínico fatores psíquicos cuja apreensão depende apenas de bom senso. Mas o problema é que médicos, amigos, no geral com a intenção de o ajudar, invocam reiteradamente os fatores psíquicos. Tanto o fizeram que ele concordou em tomar um antidepressivo. Se estava mal, ficou ainda pior.
Saltando para outros contextos, já me cansei de ouvir amigos falando apreensivos da depressão de filhos ainda crianças. Hoje mesmo um me disse que a filha, com apenas 11 anos de idade, está tomando medicação antidepressiva. O sofrimento da perda de alguém que amamos também passou a ser diagnosticado como depressão. Poderia multiplicar os exemplos ao infinito. Vários presos da Lava Jato foram diagnosticados como padecendo de depressão, alegação usada por seus advogados para que fossem libertados. Enfim, Philip Rieff anteviu esta banalidade: a psicologização da nossa cultura, da doença em geral, de estados emotivos que são simplesmente parte constitutiva da natureza humana. Quem perde um amor sofre, se entristece, pode até ficar deprimido. Mas agora a depressão tornou-se um conceito clínico que passou a recobrir e supostamente explicar todos esses sintomas. Como todo absoluto, acaba não tendo mais nenhuma operacionalidade. É como afirmar, como tantos já o fizeram, que tudo é político. Ora, como explicar a realidade na sua totalidade com um conceito de sentido absoluto? Uma coisa acaba anulando a outra.
(Publicado no Facebook, 07 de junho 2017).

O que é democracia?
A democracia não é apenas um regime regido por valores e práticas restritos às instituições políticas. Ela só existe verdadeiramente quando esses valores e práticas se tornam normas correntes balizando o conjunto das nossas relações sociais. É por isso que a Inglaterra, o país mais democrático que conheço, nunca teve uma Constituição formal. Ela é fruto de uma longa e complexa invenção coletiva.
É devido às razões acima grosseiramente esboçadas que insisto em dizer que não somos, nunca fomos uma democracia. Basta observar questões fundamentais como o exercício dos direitos humanos, a relação entre o Estado patrimonial e os direitos individuais, a relação essencial entre a realidade e o que prescrevem as leis do país. Estamos cansados de ler e ouvir os que falam do divórcio real entre o Brasil real e o Brasil legal. No papel somos, sim, uma democracia. Mas papel aceita tudo, como dizia Graciliano Ramos, que amargou de muitas formas o gosto da nossa democracia.
É também devido à definição grosseira de democracia aqui proposta que não me canso de citar os grandes intérpretes do Brasil, notadamente Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Se o faço, é porque tiveram fina percepção do país baseados nos princípios da história de longa duração, na relação entre as instituições sociais e a vida cotidiana. É nesta que melhor captamos nossa "democracia". Seremos uma democracia quando o povo for capaz de a inventar não apenas reformando radicalmente as instituições políticas, mas praticando-a nas práticas e valores cotidianos.
(Publicado no Facebook, 10 de junho de 2017).

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