terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A Luz do Primeiro Engano


Para Brenno.

A primeira luz do ano
Sopra no mar os enganos
Que entanto queremos ser.
Enganos de metro e amor
De vida além do esplendor
Que se resolve em prazer.

A luz primeira do ano
Anúncio de tantos planos
Ermos de régua e compasso
É vela de roto pano
Traindo no ardor do engano
Apenas tédio e fracasso.

Mas prosseguimos, erramos
No dia retendo o engano
Que as ondas lavam na areia.
E assim seguimos sonhando
A vida se esvaziando
Nas trevas da maré cheia.

A luz do primeiro engano
Refeita ano após ano
Reflete a sombra do cético
Portando no coração
A mais humana invenção
Tombada no último século.

Mas ninguém ouve ou quer ver
O moribundo a gemer
Os estertores da dor.
Ébrios de festa e engano
Vão este e os seguintes anos
Sem consciência enterrando
O ser que vive no engano
De ser o que foi amor.

Fernando da Mota Lima.
Recife, 1 de janeiro de 2005.

3 comentários:

  1. Belo poema. Ilumina o primeiro dia do ano, a despeito dos enganos ano após ano.

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  2. Fernando, não me lembrava deste poema. Se é verdade que em 2005 era capaz de me identificar profundamente com esse contraponto entre lucidez e engano que permeia -- que fratura, talvez? -- todo o poema, lê-lo agora me causa espanto. Não o espanto-estranheza, causado pelo que tem de alheio um objeto que agora desconhecemos; mas sim o espanto daquele que, crendo desbravar novas salas e abrir novas portas, de repente se dá conta que salas e portas pouco mais eram que miragens de um jogo de espelhos; e o que parecia novidade era apenas o reflexo fraturado, visto por ângulos inusitados, do que sempre esteve lá. Não sei se me consola ou me perturba perceber que, apesar de tudo e dos anos que passam, somos ainda quase sempre os mesmos, vítimas ainda da mesma luz e senhores dos mesmos enganos.

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  3. Meu caro Brenno: Ler seu comentário já justifica a repostagem deste poema. Se a memória não me trai, você não gostou muito dele quando o dediquei a você. Claro que sua opinião importou e importa muito. Afinal, além de poeta e tradutor de poesia, você é um dos raros leitores agudos e sensíveis de poesia que conheço.

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