segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Desejos


“E se tudo isso acontecer
Não tenho mais nada para te desejar”.
(Do poema Desejos, atribuído a Victor Hugo)

Desejo que você ame
E seja feliz no amor.
Mas ame consciente de que o fim do amor
É a perda, o desenlace
No desamparo de uma noite escura.
Amamos sempre para perder
Para a solidão iluminada
Que vive além do amor já esvaído.

Desejo que você tenha amigos
Mas saiba desde já que a amizade
É um grão diluído na areia do deserto
Que é o vil comércio das relações.
A amizade é o mais alto privilégio da intimidade
E poucos os afortunados que a conquistam.

Desejo que você tenha amigos
Que a isentem da necessidade
Dos inimigos honestos
(Aqueles que dizem tudo
Que não gostamos de ouvir
Ou estilhaçam o cristal do espelho
Onde nossa autocomplacência se reflete).
Assim eles a pouparão da lisonja e da hipocrisia
Que lastreiam as falsas amizades.

Desejo que você seja inútil, livremente inútil
Dentro desse ubíquo bazar
Onde tudo se troca.
Seja livre como uma canção cantada na solidão da noite
Como uma criança antes do primeiro clipe publicitário
Como uma carícia no corpo da primeira virgem.

Desejo que você seja jovem, ainda quando já velha.
Mas não confunda a juventude do espírito
Liberto das opressões do corpo
Com a adolescência senil
Ou um produto chamado terceira idade.
Terceira idade é de fato a velhice
A caminho irreversível da morte
Nosso destino definitivo.

Desejo que você tenha a coragem da tristeza
Ainda mais a da solidão voluntária
Sobretudo a coragem da dor.
Desejo que você conquiste a coragem desilusória
De ser como a vida é
E assim realize a felicidade sem comércio
E a lúcida e serena alegria
Dos seres genuinamente livres.

Desejo que você tenha a coragem de me perder
Como preciso da coragem de perdê-la.
Assim nos reconciliaremos numa ordem de permanência
Onde na memória do amor falível
Os amantes afinal se eternizam.

Recife, 1 de janeiro de 2010.

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