quinta-feira, 23 de outubro de 2014

No Mural do Facebook


A morte de Nicolau Sevcenko
Em meio à comoção nacional provocada pela morte chocante de Eduardo Campos, tomo conhecimento, graças uma postagem de Randal Johnson, da morte de Nicolau Sevcenko. Ambos morreram no mesmo dia. É compreensível que a repercussão da morte de Eduardo Campos praticamente reduza a de Sevcenko a uma reportagem de pé de página, se posso me valer desta metáfora grosseira. Ainda assim, ou sobretudo por isso, importa ressaltar aqui a importância da sua obra. Tive apenas dois encontros com Sevcenko: o primeiro na Universidade de Londres, quando ele fazia seu pós-doutorado dividindo sala com Eric Hobsbawm; o segundo, alguns anos mais tarde em São Paulo, quando o procurei na sua sala da USP. Embora mal o tenha conhecido, marcou-me a memória sua cultura exposta sem afetação numa conversa casual, assim como seu espírito acolhedor e amável. O Brasil perde um grande historiador, um dos mais notáveis no âmbito da história cultural. (14 de agosto 2014)

Racionalidade e paixão:
Penso ser muito difícil articular um discurso racional na tribuna livre que são as redes sociais. As pessoas se manifestam sobre tudo, opinam irrefletidamente sobre tudo, em particular sobre temas que provocam reações passionais imediatas: política, religião, família, sexo, preconceito etc. Não bastasse a natureza intrínseca dos temas, a irracionalidade e a intolerância das opiniões é agravada pela leviandade com que muitos opinam, leviandade que com freqüência desliza para o desrespeito grosseiro. Por isso reluto sempre em entrar nessas discussões. Ao invés de concorrerem para o entendimento e a opinião esclarecida e isenta, servem apenas para agravar nossa intolerância e os preconceitos que tantos supostamente combatem.
Observando melhor, quase tudo acaba em repetição de clichê. As pessoas ficam repisando a frase dita por Eduardo Campos: “Não vamos desistir do Brasil” com o mesmo automatismo mimético dos que repetiam a frase sem sentido de Galvão Bueno quando o Brasil foi desclassificado pela França: “Faltou atitude”. Um povo politicamente organizado, e é isso o que mais importa para mudar verdadeiramente o Brasil, é um povo que pensa e ao pensar conquista sua autonomia. Confesso pensar que estamos muito longe disso. A forma como reagimos à morte chocante e dolorosa de Eduardo Campos constitui, antes de tudo, uma evidência da nossa orfandade política, da nossa incapacidade de nos organizarmos para além das figuras míticas do Mártir, do Salvador, do Pai protetor. No avesso disto, como é próprio do discurso maniqueísta, elegemos as figuras do Tirano, do Conspirador, do Pai punitivo. Ousar pensar, como dizia Kant, não é uma palavra de ordem. Ninguém pensa obedecendo a palavras de ordem. Ousar pensar é exatamente o contrário disso. Ousar pensar é educar-se para a autonomia, a coragem de ser e viver de acordo com convicções próprias. Conheço raríssimas pessoas capazes disso. (19 de agosto 2014)

A cegueira da paixão
Há alguns dias postei um comentário geral considerando a relação entre razão e paixão. Os comentários que provocou ajudaram-me a esclarecer melhor meu pensamento, além de os próprios comentadores melhorarem ou explicitarem melhor o que intentei dizer. Debate que se desdobra nestes termos me parece necessário e educativo para nossos livres exercícios de discussão nas redes sociais. É movido ainda por essa intenção que retomo o assunto afirmando que há muito desisti de discutir opinião política que não passa de cegueira da paixão. Dando um exemplo concreto, e ainda em curso no Facebook, acompanhei as repercussões e interpretações da série de entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional com os principais candidatos à presidência da República. É impressionante como as opiniões se contradizem. Dão até a impressão, quando salto de um partidário para outro, que falam de assuntos antagônicos ou de algo que simplesmente não vi. Em circunstâncias dessa natureza, acho que debater é pura perda de tempo, argumentar para ir a lugar nenhum. Se não obedecemos a um critério mínimo de consenso entre realidade objetiva e opinião, a discussão perde sentido e com freqüência serve apenas para agravar mal-entendido e intolerância.
Comentando meu post acima mencionado, Ester Aguiar observou que a política é feita de paixão. Concordo, mas faço uma ligeira correção: sem dúvida, a paixão prevalece na política, mas ela precisa ser sempre temperada pela razão, pelo exercício da argumentação crítica. Do contrário, tudo acabaria em divergência insolúvel. Se as partes envolvidas não convergem num consenso mínimo sobre a natureza do que se discute, tudo acaba em opiniões que se anulam, isto é, a minha opinião vale tanto quanto a que nega a minha. Infelizmente, não posso demonstrar melhor essas apreciações abstratas cotejando as entrevistas do Jornal Nacional com uma amostragem significativa das reações que suscitaram. Portanto, confio na reflexão que o leitor crítico poderá fazer a partir do meu ponto final. (21 de agosto 2014)

O voto da necessidade
Há quem se surpreenda, ou simplesmente não compreenda, o fato de Dilma Roussef continuar subindo nas pesquisas de intenção de voto. A julgar pelos dados dessas pesquisas, a reeleição de Dilma é praticamente certa. Isso ocorre num contexto de crise econômica evidente. Basta conferir os próprios dados oficiais, escândalos de corrupção, antes de tudo o saque colossal aos fundos da Petrobrás, e o agravamento dos nossos problemas crônicos: saúde, educação, transporte, mobilidade urbana, violência crescente e outras pragas. Por que no entanto Dilma continua subindo? Porque grande parte dos brasileiros vota ainda atada ao cabresto da necessidade. Trocando em miúdos, o Bolsa Família continuará sendo a fonte de legitimidade eleitoral do PT. É razoável que sob o arrocho da necessidade o povo seja e continue indiferente aos problemas que somente importam para a fração esclarecida e privilegiada da sociedade. Enquanto tivermos um povo excluído dos benefícios efetivos da modernidade, quem lhe garantir o pão e o circo da necessidade continuará empunhando as armas do poder. Quanto à civilização, talvez no século 21, se o Brasil e o mundo ainda existirem. (2 de outubro 2014)

O voto da necessidade II
Neste país do atraso
É sempre a necessidade
O que decide eleição.
Por isso o Bolsa Família
É o partido maravilha
Do povo de pé no chão.

O voto de consciência
Com sua fé ou ciência
Com seu motivo ou razão
É sempre minoritário.
Embora seja tão vário
Nunca ganhou eleição.

Portanto, a eleição real
Com o seu bem e o seu mal
Vai ser na urna o que é.
O sonho é a esperança
Que nunca na vida alcança
Os fatos dos quais dou fé.
(4 de outubro 2014)

Inocência ou autoengano?
Prometi-me não mais me meter nas disputas políticas dos facebuqueiros. Lembrando o verso de Dante: guarda e passa. Mas a inocência ou autoengano com que tantos discutem e brigam por candidatos e partidos é tão absorvente quanto foi a torcida durante a Copa do Mundo. Pois é, o espírito é o mesmo e por ser o mesmo minha comparação é intencional. Não sei se as pessoas estão falando do que não sabem ou preferem a consolação do autoengano. Hoje Anco Márcio Tenório Vieira postou no mural uma reportagem publicada na Folha de S. Paulo que diz o que o eleitor informado, bem poucos, já sabe. Não importa o fato de Dilma Roussef ou Aécio Neves vencer. Os reais vencedores serão os de sempre: as grandes empresas financiadoras, notadamente as empreiteiras, que são de resto as grandes corruptoras do Brasil. Quantas vezes foram sequer investigadas? Bolsa Família é um paliativo que garante o voto dos milhões de necessitados. Quanto às grandes reformas, dívida histórica do Brasil, continuarão sendo objeto de lero-lero de campanha eleitoral. Já sei de cor todo esse discurso. Quem quer ver a realidade já sabe, pois desde a minha infância ouço os políticos prometendo investir no que de fato importa: saúde, educação, transporte, segurança, infraestrutura produtiva...
Quem fala em reforma do Estado? Quem tem ideia do que deveria ser? Quem fala em reforma fiscal e urbana quando vivemos em cidades que são verdadeiros acampamentos urbanos? Quem fala em reforma política num país cuja democracia representativa tem 32 partidos políticos? Isso não é democracia, é circo ideológico. Os governos continuam sendo prepostos das montadoras e empreiteiras que devastam o que antes conseguimos construir como cidade digna deste termo. Mas todo mundo aqui no Facebook continua torcendo e brigando como se Dilma e Aécio fossem dois times antagônicos. Os torcedores do futebol, pelo menos, não caem na ilusão de supor que a vitória do seu time vai mudar o Brasil. O que os move é a paixão pelo futebol. Nosso eleitor de Facebook, no entanto, repisa a cada eleição a ilusão de que o seu Fla ou o seu Flu vai mudar o Brasil. O Brasil vai continuar sendo o bananão que sempre foi, isto é, muda pontualmente aqui e ali, mas o enredo básico continua sendo o mesmo. Como não suportamos encarar essa realidade, nem lutar adequadamente para transformá-la, continuamos encenando esse grande circo carnavalesco a cada eleição. Prefiro o futebol, que pelo menos não finge ser algo além de circo. (9 de outubro 2014)

O Debate Político nas Redes Sociais
A qualidade do debate eleitoral que há meses envenena as redes sociais ratifica uma verdade que poucas pessoas se dispõem a admitir: nossos governantes têm a cara de quem os elege. Se eu ainda precisasse de uma razão para continuar fiel a meu ceticismo, veria cinco minutos de debate entre os candidatos ou leria a sério as promessas que fazem, tão velhas quanto nossas mazelas insolúveis. Lendo de passagem muitos dos ataques que partidários de Dilma lançam contra Aécio, e vice-versa, lembrei-me do que diziam de um velho corrupto: o político paulista Ademar de Barros. Maluf é seu herdeiro, assim como muitos de todas as partes e partidos do Brasil. Diziam que Ademar roubava, mas fazia. Uma variante inconfessada da nossa leniência ou cumplicidade com a corrupção é esta: o PT é corrupto, mas o PSDB é muito mais – e vice-versa, claro. Quando as pessoas debatem apoiando-se implicitamente neste argumento, que mais dizer? Diante disso, talvez convenha conferir legalidade à corrupção. Assim os corruptos seriam poupados dos linchamentos e mentiras de que tanto se queixam, ofensivos à respeitável imagem social que querem ostentar. Vamos organizar um movimento para legalizar a corrupção, gente. Assim todos nos entenderemos e ninguém precisará mentir tanto para fingir ser o que não é. (17 de outubro 2014)

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