segunda-feira, 8 de agosto de 2016

No Mural do Facebook XXII


O Russo e o Brasileiro:

Alguém disse, acho que Bertrand Russell, que o russo confundia ideologia com vodka. Por isso, acrescento, acabou fazendo uma revolução absolutamente improvável. Inspiraram-se em Marx para converter um colossal porre de vodka ideológica numa revolução que constitui uma completa negação da fonte na qual se inspiraram. Isso prova que a história é uma invenção humana indomável por qualquer ideologia supostamente científica. Marx e Engels tinham a presunção de haver fundado o socialismo científico. Os russos confundiram sua teoria com vodka e assim transformaram o país mais brutal e autocrático da Europa, quintal do capitalismo, na pátria da revolução proletária. Em suma, Marx põe e a indeterminação histórica dispõe, fato que desmente toda a sua teoria da história.
Gilberto Freyre ressaltou semelhanças inegáveis entre a Rússia e o Brasil. Por que, então, nunca de longe tivemos uma variação da Revolução Russa? Ora, porque o brasileiro converteu sua cachaça numa cultura festeira, fez do carnaval uma fantasia de revolução tão enganadora e funcional que esvaziou, sem que o soubesse, qualquer tentativa de revolução efetiva. Aqui, nestes trópicos delirantes, toda ambição revolucionária acaba em opereta ou golpe, real ou imaginário. Além disso, o brasileiro inventou um catolicismo festeiro e sincrético. Mistura todas as diferenças, até as mais inconciliáveis, num balaio do qual sai samba, batuque e acomodação de todo tipo de contradição. No Brasil, ninguém é ou se reconhece de direita. Pelos menos até recentemente. Agora que os antagonismos enfim eclodiram, já há gente de direita que se reconhece como tal, embora a maioria continue jurando de pés juntos que é de esquerda. O revolucionário típico do Brasil é funcionário público, membro de uma casta privilegiada e só conhece o pobre no fogão da sua cozinha.
A Rússia produziu uma força social minoritária, mas poderosa, que nunca tivemos nem teremos: uma intelligentsia. Nâo é à toa que a palavra é de origem russa. Foi ela a real protagonista da Revolução Russa. Ela dirigiu todo o processo revolucionário com mão de ferro e venceu obstáculos inconcebíveis para o socialismo científico de Marx. Por isso acabou realizando todos os imprevisíveis históricos entre 1917 e 1945, digamos sugerindo um recorte histórico arbitrário. Lenin, Trotsky e Stalin, para falar da Trindade Sagrada, constituíram a cristalização de um processo de determinação singular da vontade revolucionária sedimentado desde a rebelião dos dezembristas (1825).
Concluindo, a vodka produziu uma legião de fanáticos que entre 1825 e 1917 realizou uma das mais espantosas revoluções da história. A cachaça do brasileiro produziu o carnaval, o samba, o sincretismo religioso, o futebol (os ingleses serviram apenas para inventar o que nunca aprenderam) e por fim, fechando seu ciclo de carnavalização da cultura, naturalizaram Deus como brasileiro. Deus é brasileiro: eis o milagre consumado.
(Postado no Facebook, 21 de julho 2016).

Millôr Fernandes:

Nestes tempos de tanto alinhamento ideológico e intolerância, de repente tive saudade de Millôr Fernandes. Lendo-o, eu me sentia em casa, reconhecia-me num país imaginário onde o indivíduo afirma sua liberdade pensando livre de qualquer tutela: igreja, partido, corporação ou torcida. Millôr foi, já escrevi, o intelectual mais livre do Brasil. Como tal, incomodava todo mundo. Não bastasse tanto, foi o melhor pensador brasileiro traduzindo seu ceticismo radical na forma de aforismos e desaforos, irreverência e prazer de castigar a estupidez humana com a lâmina afiada do humor e da inteligência intransigente. Num país de funcionário público, categoria na qual me incluo, foi o melhor modelo do self-made-man. Millôr é a evidência de que pensar com liberdade é um peso que poucos suportam carregar pela vida afora. Por isso não me espanta encontrar tanto libertário seguindo ou sendo seguido pela massa. A única massa que aprecio é massa de macarrão. Neste contexto, nada melhor, para saudá-lo, do que citar alguns dos seus aforismos. Vou omitir as aspas.
Liberdade Liberdade:
A liberdade é um produto da alucinação coletiva.
A nossa liberdade começa onde podemos impedir a do outro.
A liberdade começa quando a gente aprende que ela não existe.
Eu também não sou um homem livre. Mas nunca ninguém esteve tão perto.
Nossa liberdade começa onde começa a escravidão alheia.
Não tenho procurado outra coisa na vida senão ser livre. Livre das pressões terríveis dos conflitos humanos, livre para o exercício total da vida física e mental, livre das ideias feitas e mastigadas. Tenho, como Shaw, uma insopitável desconfiança de qualquer ideia que venha sendo usada há seis meses.
(Postado no Facebook, 17 de julho 2016).



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