sexta-feira, 26 de agosto de 2016

No Mural do Facebook XXIII


Jane Austen no cinema:

Alberto Manguel atribui o sucesso das adaptações dos romances de Jane Austen para o cinema ao fato de o público representar o universo social dessas obras como uma forma de regressão utópica ao passado. Vivendo no presente as aflições e incertezas impostas pelo estado de anomia cultural contemporâneo, conforta-o a representação de uma sociedade rigorosamente normatizada. Essa normatização observável no universo ficcional de Jane Austen estende-se às relações amorosas fixando normas de conduta para todos os personagens.
Recentemente uma amiga revelou-me seu desejo, ou fantasia, de viver na era vitoriana. Na verdade, acredita ser uma mulher vitoriana. É sintomático que ouça essa confissão irrealizável de alguém para quem quase tudo deu errado: o amor, o casamento, as relações de família, a frustração materna, a dor de suportar um conflito permanente entre desejo e satisfação. Daí sua compreensível fantasia compensatória: no mundo vitoriano que idealiza, a relação entre o seu universo subjetivo e o social seria harmoniosa.
(Postado no Facebook, 26 de julho 2016).

A cultura da irresponsabilidade:

Um dos poucos enunciados de validade universal que conheço é este: o sol nasceu para todos. No mundo em que vivemos, as pessoas passaram a isentar-se de qualquer responsabilidade culpando as circunstâncias ou o imperativo princípio de realidade, como diria Freud, por tudo que não podem ou não querem ser. Portanto, não me espantarei se logo começarem a culpar a natureza nas regiões temperadas, por não ensolarar o mundo, ou simplesmente por chover nas regiões tropicais. Talvez a maior sandice, no que concerne a esta questão, consista no que passaram a chamar de direito à felicidade. Ora, a felicidade não é um direito. A felicidade é um estado, não uma condição, sempre momentâneo. Só uma pessoa que nada sabe da condição humana pode reivindicar a felicidade como direito. Como disse alguém, em princípio qualquer pessoa de bom senso, não estamos aqui para ser felizes.
(Postado no Facebook, 30 de julho 2016).

Felicidade - Uma reflexão à toa

Um dos paradoxos da felicidade consiste no fato de que precisamos perdê-la para então nos dar conta de sua existência... perdida. Deste paradoxo decorre uma idealização provável: eu era feliz e não sabia,como canta Ataulfo Alves. Quando um adulto infeliz relembra a infância, dou por favas contadas a correspondência entre relembrança e idealização.
Impaciente com a metafísica desesperada de Beckett, Ferreira Gullar afirmou que não queria ter razão, queria ser feliz. Também eu. Mas o diabo é que intelectuais tendem a buscar a felicidade através da especulação metafísica. O mais provável é perderem a primeira nos labirintos da segunda. Há ainda, por certo a maioria, quem simplesmente despreze esses paradoxos e labirintos correndo da razão como via de busca da felicidade. O que importa para quem adota essa forma elementar de vitalismo irracionalista é deixar rolar e entregar-se à corrente cega da vida.
Um degrau acima, e eis-nos de volta ao labirinto especulativo. Foi o que ocorreu com a cultura da espontaneidade, florescente em Greenwich Village nos anos 1950 e banalizada na década seguinte. Entre seus cultores figuravam Miles Davis, Jackson Pollock, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e os contraculturalistas em geral. Sendo intelectuais e artistas, tinham que converter a espontaneidade numa forma alternativa de metafísica. O intelectual e a razão são tão indissociáveis que até para negá-la ele precisa dela. Parecem o drogado que se casa com a droga que o consome, mas sem a qual não suporta viver.
(Postado no Facebook, 7 de agosto 2016).





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