segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

No Mural do Facebook XXVI


Consciência e alienação:
Tudo já foi dito, mas importa repetir o que não deve ser esquecido ou é ignorado pela maioria. Esta é de Bernard Malamud: Não é a loucura que põe o mundo às avessas, mas a consciência. Revolucionou a minha quando eu era jovem e vi o filme O homem de Kiev, baseado no livro cujo título é The Fixer. Foi traduzido no Brasil pela Bloch Editores. É irônico que o marxismo, a ideologia cujo objetivo era dissolver a alienação humana através da consciência de classe, se tenha degradado numa religião secular. Portanto, numa farsa da religião. Por isso disse que o religioso sabe que crê, enquanto o ideólogo que crê que sabe. O Brasil está vivendo essa repetição da ideologia como farsa religiosa que não ousa dizer o seu nome. Melhor dizendo, é tão alienada que não sabe que é religião.
(Publicado no Facebook, 29 de dezembro 2016).

A diferença entre o religioso e o ideólogo:
O religioso sabe que crê, enquanto o ideólogo crê que pensa. Como tudo já foi dito pelo menos desde o Eclesiastes, com certeza alguém escreveu isso antes de mim.
(Publicado no Facebook, 29 dezembro 2016).

A bondade dos estranhos:

Tenho um amigo que se diz afortunado por receber a bondade dos estranhos. Embora tenha ajudado a tantos amigos e conhecidos, nas horas adversas nunca esses lhe prestaram a ajuda de que precisava. Sua sorte, portanto, é quase sempre aparecer-lhe o estranho bondoso na hora da carência ou necessidade. A bondade dos estranhos é não-só imprevisível, mas também desinteressada. Feliz do necessitado que, desamparado pelos supostos amigos, encontra um ancoradouro na bondade dos estranhos. Mais que impagável, o bem que lhes deve, e para sempre guardará na memória da gratidão, renova sua precária confiança na imperfeita natureza da nossa condição.
(Publicado no Facebook, 20 dezembro 2016)

Vida, amizade e reciprocidade:
Comentando meu post mais recente, A bondade dos estranhos, alusivo à peça e filme escritos por Tennessee Williams, Heloisa Pait observou com razão que a vida não é feita de ações baseadas na reciprocidade. Relacionando a vida estritamente ao tema um tanto vago que aqui discuto, entendo a vida como uma rede complexa de ações e reações imponderável. Encurtando a rédea do meu galope toscamente filosófico, a ponderação ética que me ocorre ressaltar consiste no reconhecimento de que é insensato fazer o bem movido pela intenção de reciprocidade. O ideal seria praticá-lo como disse fazê-lo o estranho bondoso. Este, até por não conhecer a quem doa, faz o bem de forma desinteressada. Se no entanto consideramos a amizade neste contexto, suponho que ela implica reciprocidade. Não digo que isso esteja implicado no plano da intenção do amigo que faz o bem, mas na natureza da amizade. Se de fato sou amigo de alguém, este pode contar comigo na hora da necessidade, naquela ordem de circunstância que diferencia a amizade da mera relação de conveniência, interesse ou cálculo. Entendo, portanto, que a reciprocidade está necessariamente compreendida na amizade, não na vida compreendida no sentido genérico com que acima intentei caracterizá-la.

Declaração de omissão:

Que os militantes da minha geração me desculpem, mas declaro que optei pela omissão. Quero dizer, não quero e nunca quis envelhecer frequentando o Facebook e coisas semelhantes para desabafar minha revolta e impotência diante dos impasses insolúveis do Brasil. Já vivi e refleti o bastante (detestaria viver uma vida sem exame e revisão impiedosa da minha experiência e de minhas ilusões) para repetir o que há muito penso: o Brasil é inviável. Poderia expor evidências históricas e pessoais infindáveis para justificar esse juízo que para muitos não passa de pessimismo ou omissão. Para mim é apenas realismo. A história do Brasil nem chega a ser farsa, lembrando a frase célebre de Marx; é apenas a comprovação de que somos "the centre of paralysis", como escreveu o "apolítico' Joyce definindo a Dublin que imortalizou na sua obra.
O Brasil é um fazendão incivilizável. Falta-me o pessimismo (isto é, realismo) heroico de Antonio Callado e o otimismo delirante, também heroico, de Darcy Ribeiro. Fico com o primeiro, diante de quem me envergonho de propor qualquer comparação pessoal. Depois de tanto lutar para civilizar o fazendão, ele, que foi um modelo de civilidade e coragem, afirmou que o Brasil tinha apenas grandeza geográfica.
Melhor voltar a cultivar o meu jardim. Minhas flores não brigarão comigo como brigaram tantos "revolucionários, amigos, democratas, salvadores da pátria, órfãos da utopia, comissários do povo, viciados no otimismo a qualquer preço". Fico com a minha omissão, meu jardim voltariano, minha arrière boutique montaigniana.
Pena que tudo isso sequer nos ajude a reconhecer nossa intolerância, nossa indiferença à realidade iníqua que alegamos combater, nossa servidão voluntária, nossa sujeição eterna à esperança. Não foi à toa que, no auge da ditadura, um show intitulado "Brasileiro: profissão esperança" alcançou tanto sucesso. É a nossa cara. Vivemos de esperança, futebol, carnaval e retórica vazia. O Brasil perdeu o trem da modernidade de forma tão aberrante que nos restaram apenas as rodovias (obra de empreiteiras corruptoras associadas a políticos corruptos) e o inferno do trânsito nosso de cada dia. Espero que todos continuem brigando em paz.
(Publicado no Facebook, 10 de janeiro de 2017).

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