quinta-feira, 4 de julho de 2013

Meditação sobre a noite


Não mais a manhã recoberta de luz
A ilusão do futuro
Anunciando um mundo de infinitas possibilidades.
Não mais o amor que a tudo imprimia sentido
Transfigurando o deserto da vida
Presente oprimida pelo medo
A incerteza de tudo
O medo de tudo jogar quando
Se sabe que o risco é tudo perder.

Não mais a vida coletiva
Lastreada em ideais de justiça e igualdade
Tua utopia que não veio, nunca virá.
Não mais o dia desdobrado na sua perturbadora
Extensão que é antes inconsciência
Da fluidez em que te dissipas.
Somente agora, tardiamente
Te dás conta do que tão pouco
Conta ou simplesmente nada conta.
Quanto abuso e desperdício
De ti e do outro por razões
Que nem existiam ou eram pura maquinação
Enganosa de sentido onde nenhum sentido havia.

Não mais o desejo confuso à caça
Do que passava e logo te fugia
Dispersando-se nas ruas sem mapa
Enquanto no ar retinhas um travo
De engano, um vinco de perda sem reparação.
Não mais o desejo incontentado
Ou ainda o que fruías à custa da dor
De sabê-lo vazio de tudo que não fosse
A insensata imaginação que tudo quer
Por não saber o que quer.

Não mais a busca desnorteada
Da felicidade inacessível.
Não mais a consolação do amor
Que foi e sobrevive como memória
Fidelidade a tudo que importa viver e salvar
Para além da perda inerente a todo bem humano.
Como aspirar a outro ideal de amor
A outra ordem de felicidade
Se a tua matéria, a frágil matéria humana
É a madeira torta que quer e sonha a perfeição
Factível apenas na irrealidade do sonho?

Não mais nada além
Da tua humana e humilde medida
Pois que o dia, o longo dia
Cumpriu sua jornada e tudo agora é a noite
A imensa e solitária noite
Impregnada do fim previsível.
Acolhe-o, esse obscuro e temível fim,
Como acolheste a vida que te coube
Viver contigo e contra ti.
Tudo que afinal te resta é a noite
Com seu mistério e promessa
De reconciliação na ordem insondável da natureza.
Dorme e sonha ou simplesmente
Sonha acordado, já que talvez tudo e tua própria vida
Sejam apenas sonho.

Recife, 2 de julho de 2013.











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