domingo, 25 de maio de 2014

Nos Murais da Internet IV


Paranóia Social
Antes que alguém me acuse de psicologizar questão social, alerto para o fato de que onde há fumaça, há fogo, lembrando o dito popular. Paranóia não é puro delírio ou alucinação patológica. A paranóia tem sempre um pé no contexto social, no espaço real onde o paranóico pisa. Acabo de dar uma volta de carro pelo bairro onde moro (Setúbal e algumas extensões). Não consegui nem comprar pão. Quase tudo fechado, até clínica de hidroterapia. Perto da praça de Boa Viagem vi um automóvel em chamas e gente fotografando a cena. Nenhum sinal de polícia ou bombeiros. Há sem dúvida paranóia no ar, mas o fogo está queimando no solo onde ela pisa. Nenhum povo vive sem mitos, como nos ensinam os antropólogos. No entanto, triste de um país que vive de mitos, como é o caso do Brasil, a começar pelo mito do país da esperança. Aliás, este cabe como uma luva na nossa mão torta. Só se espera o que não se tem. É o caso dos brasileiros. Lembrem do contramito cantado por Chico Buarque: está provado, quem espera nunca alcança. Há só um remédio para a esperança: a vontade que gera ação transformadora. (15 de maio 2014).
Consumo versus civilização
Definindo civilização nos termos mais simples e neutros, o ser civilizado é aquele que respeita as normas de funcionamento da sociedade em que vive. Ninguém nasce civilizado. Internalizamos essas normas através de um longo e complexo processo de socialização que começa na família e passa para a escola, a religião e outras instituições socializadoras. No Brasil, nenhuma delas funciona efetivamente. A sociedade de consumo, na qual somos o que consumimos, ameaça ainda mais esses controles sociais. Os que têm vivem no shopping, templo desse novo mundo. Os que não têm sitiam o shopping e extensões da rede de consumo empilhados em favelas. Esses mundos antagônicos definem a paisagem potencialmente violenta da cidade brasileira. Quando a polícia cruza os braços, os que têm fecham as portas para proteger-se do saque desencadeado pelos que não têm e são de ordinário contidos apenas pelo medo da polícia e dos automatismos cotidianos da vida social. Os que têm fecham as portas e os que não têm começam a arrombar as que podem. Foi o que vimos e tememos nos dois dias de greve da polícia. (16 de maio 2014).
Volta à normalidade
No dia seguinte ao fim da greve dos policiais e bombeiros, repeti a volta de carro da véspera pelas redondezas. Que prazer respirar novamente esse ar de normalidade recifense! Na Av. Boa Viagem os motoristas, em pleno trânsito confuso, conversam ao celular, furam sinal vermelho, estacionam onde é proibido. A transgressão habitual. Na curva da Rua Baltazar Passos, por pouco não atropelei um ciclista pedalando na contra-mão. Ciclista no Recife acha que bicicleta (ou Bike, como colonizadamente dizemos) não é veículo. Diante da escola, o engarrafamento previsível provocado por pais que formam fila dupla e até tripla. É assim que nossas crianças são socializadas. Do parque Dona Lindu nem falo, pois num país civilizado seria caso de polícia. Por fim, almoçando no restaurante, ouço o dono e a cliente bela e elegante, almoçando com um casal de filhos pequenos, comentando os incidentes e saques da véspera:
Ela – Uma vergonha. Fecharam o mercadinho porque foi assaltado por dois bandidos. A polícia chegou a tempo e atirou neles. Matou um.
Dono do restaurante – que bom!
Em suma, que alívio voltar à normalidade. Espero que a gente continue sempre assim. Um povo que vive desse jeito não precisa de repressão policial. (18 maio 2014).

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