sábado, 9 de janeiro de 2010

Máximas e Mínimas


Passamente
Ou Máximas e Mínimas

O título desta página visa traduzir algo do espírito da época: tudo passa e é fugidio, tudo passa na nossa mente exaurida pelo fluxo contínuo de imagens e palavras e muito do que nela passa mente sobre a realidade. No fundo de tantas mentes exauridas e confusas, o que sobra é niilismo tingido de barbárie, por vezes salvo na corrosão lúcida de alguns loucos dançando à borda do vulcão.

A razão fria e a irrazão cega são males equivalentes. Quando quer e onde quer que se manifestem, a catástrofe irrompe no mundo.

A razão é com frequência uma inconsciente serviçal das paixões. Por isso acredito que o racionalismo e a civilização constituem árduas, precárias e reversíveis conquistas do gênero humano.

O ceticismo atrai bem pouca gente. Afinal, como conceber amantes céticos, empresários céticos, guerreiros céticos, esportistas céticos... ? Em contrapartida, nunca soube de um crime passional cometido por um cético, de guerras de conquista empreendidas por empresários e guerreiros céticos, de qualquer tipo de conflito armado tramado por céticos. Mas eles decerto encorajam, quando não produzem, um estado existencial abominado pela humanidade: o tédio.

A arte logra e a vida mata.

Embora persigamos obstinadamente a felicidade, o que de ordinário encontramos é o seu avesso. Como observou Borges, a infelicidade sempre nos encontra.

Eu nada espero. Assim me poupo do infortúnio que é o desespero.

Já se disse tudo o que dizemos e prosseguiremos repetindo inconscientes dos que nos precederam. Isso se aplica, acredito, às questões substantivas concernentes à condição humana. Mas não mudará ela, se já não está mudando, com um sentido de radicalidade que desmentirá o que sempre fomos?

Fiel ao espírito da antropofagia oswaldiana, eu me aproprio de tudo o que não é meu e até do que é. Por exemplo assim: comer são as duas melhores coisas da vida.

Evocando o espírito das páginas que Dostoiévski escreveu sobre o Grande Inquisidor, se Cristo descesse a este mundo no Natal, até a cruz em que foi crucificado seria leiloada na bolsa de valores.

Uma das evidências mais fortes da cultura narcisista dominante no nosso tempo consiste no fato de que quase todo mundo agora se diz ou se pretende artista. A própria mídia atua no sentido de reforçar essa presunção tola. No noticiário esportivo, por exemplo, apaga-se a distinção entre público e atores, entre os atletas e a torcida. Todos são estrelas ocas, ou pelo menos alimentam a fantasia de fruir um minuto esportivo de estrelato. O mesmo fenômeno é observável na música. Nos shows que hoje mobilizam milhares de espectadores, também se dissolve a distinção entre palco e plateia, entre músicos e ouvintes. Qualquer anônimo – nulo ou talentoso, não importa – sente-se investido do direito de reclamar um grão de celebridade, não importa a que custo. Já não se sabe mais quem é Narciso, quem o espelho.

Concordo: nossas vidas são regidas pelo capitalismo transposto para um patamar de consumo e hedonismo que converte o conjunto das nossas relações sociais num vasto bazar ou bordel. Mas convenhamos: há gente indo um pouco além do excesso. Aludo aos que matam mãe ou pai; aos que leiloam a mãe no mercado; aos que leiloam tudo como se tudo fosse pura e exclusivamente mercadoria. Encurtando a transação: declaro que também estou à venda.

Quando me falaram do filme “Lula, o filho do Brasil” prontamente lembrei-me da famosa boutade de Oswald de Andrade. E logo assim a amplifiquei: nem vi nem gostei nem verei. Assim como ninguém precisa beber o mar para saber que ele é salgado, não preciso ir ao cinema para saber que falam da hagiografia (um Aurélio com caju para o presidente, por favor) de um pragmático afortunado. Como falar de estadista num país incapaz de criar um Estado moderno?

O recifense realizou um feito que eu julgava inconcebível: converteu os costumes públicos em algo bem pior que os privados.

If the water closet is our private opinion, what would you say about the public one? Traduzindo livremente para os brasileiros que não dominam nossa língua nativa: se a água da privada escorre sobre nossa opinião privada, o que dizer do esgoto que inunda nossa opinião pública?

Se já nem temos opinião privada, o que dizer da pública?

Fernando da Mota Lima
Recife, dezembro 2009.

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