segunda-feira, 16 de abril de 2012

Elogio da tristeza



Somente as pessoas simplórias acreditam que a vida é simples. Mas somente as pessoas confusas acreditam que a vida é só complicação. Como libriano coerente, procuro equilibrar-me entre os dois pratos da balança ou os dois extremos da inverdade. O sábio equilíbrio, no caso, parece-me estar com Thoreau (não confundir com o romancista Paul Theroux), que simplesmente recomendava a medida da simplicidade, isto é, simplifique tudo que for simplificável. Ora, a cultura corrente tende para o oposto disso. Ela funciona na prática de um modo que complica tudo, já que as forças onipresentes do mercado obedecem a um princípio supremo: compre tudo que queremos lhe vender. E tudo é tudo mesmo, a começar por aquilo que os simplórios julgam acima de todos os interessem e cifras: o amor. Uma evidência? As crianças do presente já aprenderam com os publicitários que amar é dar presente; no caso delas, receber presente. Mas isso fica para um outro dia. No momento, meu alvo é outro, como é patente no título desta crônica.
O que a tristeza tem a ver com o parágrafo precedente? Tudo. A tristeza tornou-se no vasto bazar da cultura do presente um sentimento obsceno, assim como a velhice e a morte tornaram-se substantivos impronunciáveis. A mentalidade dominante simplesmente empurra para debaixo do tapete tudo que perturbe o ruído da festa, a alegria autêntica ou postiça que alimenta o mercado do entretenimento e ao mesmo tempo é por ele alimentada. Como alegria e felicidade autênticas são mercadorias pouco comuns, não é de espantar que tanta gente que encontro tenha cara de clipe publicitário. Trocando em miúdos, falo dessa multidão que confunde alegria com ansiedade, vitalidade com insônia, experiência erótica com performance de reality show. Minha vizinha, coitada, inveja essa gente. É que ela, como tanto consumidor iludido com propaganda enganosa, supõe que simplificar a vida é viver no shopping center, que em tempos menos globalizados já foi centro comercial.
E daí, pergunta meu único leitor já visivelmente irritado. Onde entra a tristeza? Abro-lhe enfim minha porta antes que a internet me feche a sua. Por exemplo assim: quem amou de verdade reconhece o sentimento da tristeza recriado numa infinidade de poemas e canções, em romances, contos, crônicas... Mas aludo aqui a um tipo determinado de tristeza quando o título da minha crônica sugere a substância de um determinado sentimento. Não me arriscarei a definir a tristeza, a não ser opondo-a à alegria, caminho que não me levaria a lugar nenhum. Associei-a ao amor simplesmente porque, no momento em que escrevia, me lembrei de letras de canções escritas por Vinícius de Moraes, provavelmente o último romântico autêntico do Brasil. Meu único leitor nota que estou insistentemente adjetivando substantivos preciosos como romântico, amor, alegria, tristeza... Como proceder de outro modo, se o capitalismo de consumo reduziu tudo isso a simples mercadoria? É por isso, em suma, que estou triste. Estou triste porque me vejo reduzido a uma cifra, uma mercadoria qualquer exposta na prateleira de um supermercado. Quem acaso pensou que eu consideraria a tristeza em termos poéticos, filosóficos ou psicológicos admitirá agora, antes que a crônica acabe, que entrou no blog errado, ou tomou o bonde errado, ou comprou o bode errado. Se o leitor pode ainda conceder-me um voto de confiança, prometo brevemente voltar com uma outra crônica, a que de fato tecerá o elogio da tristeza. Enquanto isso, deixo-o com os versos de Vinícius: É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe...

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