sábado, 9 de julho de 2016
No Mural do Facebook XX
Marilena Chaui e a normalidade do fanatismo:
No frigir dos nervos, quando leio certas coisas cretinas aqui no Facebook, já afirmei que Marilena Chuá Chuá, vulgo Chaui, era uma desvairada. Não retiro o qualificativo, mas esclareço que o desvairismo dela é perfeitamente normal. A universidade brasileira, suposta consciência esclarecida do Brasil, age massivamente em defesa da "narrativa" conspiratória de Marilena. Aspeio a narrativa por se tratar de um termo de origem literária que hoje contamina a terminologia das chamadas ciências sociais, que no Brasil tornaram-se ideologia descarada.
Marilena narra uma conspiração que não me espanta porque conheço um pouco a história do comunismo no século XX. Perto das conspirações inventadas por Lenin, Trotsky, Stalin e outros tiranos, a historinha dela é até pouco imaginativa. O que a compromete é o contexto histórico, algo desconcertante numa pensadora marxista que muitos consideram a maior do Brasil.
A Santíssima Trindade da revolução era genial. Tiranos impiedosos, com perdão do truísmo, escreveram um capítulo fundamental da história sanguinária do século XX. Além disso, viveram num mundo de conflitos extremos, mais tarde desdobrados na guerra fria que dividiu o mundo em duas frações antagônicas e belicosas entredevorando-se durante mais de quatro décadas.
Marilena e grande parte da esquerda brasileira continuam tramando conspirações como se a gente vivesse ainda no contexto da guerra fria. Seu delírio é antes de tudo o delírio dos fanáticos, que nenhuma razão tem o poder de despertar. A esquerda brasileira sonha ainda as revoluções que outros já fizeram e a história dissolveu em ruína. É uma esquerda que não despertou ainda das ilusões sepultadas em 1989.
(Publicado no mural do Facebook, 5 de julho de 2016).
Uma reflexão negativa sobre os intelectuais
Cresci num mundo assolado pela incultura intelectual. Um dia, sem que ninguém me guiasse, cheguei por acaso a uma estante de livros e esse fato mudou radicalmente minha vida. Através dos livros, dos autores que li e transfiguraram minha vida infeliz e corroída pela rotina e o tédio, passei a ver o mundo com outros olhos. Graças à literatura, expandi imaginariamente os horizontes de minha vida e a solidão, que até então fora uma fonte de sofrimento e carência, tornou-se um modo intraduzível de convívio simbólico com mundos remotos e sonhados, não obstante reais para o ser extraviado que eu era.
Mais tarde descobri a figura do intelectual como agente de transformação política da realidade e me persuadi de que ele era a consciência de um mundo alienado, um mundo no qual sempre me senti estrangeiro. Os intelectuais que então me pareciam modelares foram combatentes de ditaduras e tiranias, defensores, por conseguinte, da liberdade e de um mundo mais justo, quando não utopicamente além das formas de dominação que têm castigado a história humana através de milênios. No século XX, muitos desses intelectuais foram marxistas militantes, nas suas muitas variáveis facções, ou pelo menos companheiros de viagem, com perfil ideológico igualmente variável.
Despertei para a política exatamente quando irromperam os anos de chumbo da última ditadura brasileira. Mero companheiro de viagem, eclético e cético por formação e talvez temperamento, nunca aderi ao marxismo. O mundo dividido pela guerra fria enfim desintegrou-se em 1989. Embora há muito fosse muito crítico com relação ao marxismo, foi depois disso que conheci as formas mais brutais das tiranias impostas em nome do comunismo ao longo do século XX.
Lendo a historiografia mais recente, renovada pela revelação de arquivos até então inacessíveis, notadamente no que foi a União Soviética, tomei consciência mais precisa dos horrores perpetrados em nome de belos ideais utópicos que marcaram de forma profunda a minha geração e algumas precedentes. Esse balanço crítico, também uma revisão de minhas ilusões humanistas, convenceu-me de que os intelectuais são antes cúmplices e agentes da tirania do que a consciência libertária da sociedade. Em suma, não mais me iludo com eles. O que me conforta na minha descrença é saber que são desmascarados também por intelectuais. De tudo resta, portanto, minha percepção do intelectual como figura ambígua.
No momento em que escrevo, assisto no Brasil a mais uma traição dos intelectuais, em especial os acadêmicos. A expressão “traição dos intelectuais” é uma alusão, claro, ao livro famoso de Julien Benda. No meu entender, e aqui sigo tendencialmente a noção do intelectual adotada e defendida por Benda, o papel do intelectual é defender os valores universais do espírito orientados para a busca da verdade, ainda que esta seja sempre parcial e até enganosa. Por isso o intelectual sempre trai sua função quando se converte à militância em nome de uma causa ou ideologia particular. O exemplo mais catastrófico dessa traição consistiu na adesão do intelectual ao comunismo no século XX. Iludido pela crença de servir a uma concepção científica da história, ele negou a religião compreendida no seu sentido tradicional e sagrado para converter-se a uma religião secular que nunca ousou dizer o seu nome.
Recife, 5 de julho 2016.
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