sexta-feira, 21 de maio de 2010

Máximas e Mínimas II




Um dia visitei Antonio Candido supondo que ele me abriria as portas da imortalidade. Abriu-me apenas um guarda-chuva, que foi providencial, pois chovia. Abriu-me o guarda-chuva, insistiu em que eu o levasse de presente e lá fui eu rua afora, já noite, mortal como antes chegara, mas a salvo da chuva. Essa é uma das verdades (estoicas?) que a vida me ensinou: se você saiu em busca da imortalidade e encontrou apenas um guarda-chuva presenteado por um estranho generoso, então você é um homem de sorte. Quantos expostos à chuva e a outras intempéries podem dizer o mesmo?

Genealogia – alguns dos meus amigos mais cultos já me perguntaram se eu acaso seria parente de Pedro Mota Lima. Sinceramente não sei, embora no fundo o desejasse. Afinal, dizem que ele foi o melhor amigo de Graciliano Ramos, além de jornalista de valor e militante comunista. Admirei e continuo admirando muitos comunistas vencidos, isto é, comunistas que nunca chegaram ao poder. Mas nem a vaga admiração que nutro por Pedro Mota Lima me tenta a escavar minha árvore genealógica. Algum pressentimento obscuro me diz que lá encontraria traficantes de escravos, exterminadores de índios ou ainda escravos remotos, ou índios assimilados. Já me basta ser o que sou.

Eis uma pérola da educação universitária brasileira: O professor propõe aos alunos, como exercício de avaliação, uma dissertação sobre o tema Hobbes e a Violência. Resposta de uma aluna : Depende do hobbes. Tem gente que tem o hobbes de colecionar selo. Tem gente que tem o hobbes de colecionar figurinha, revista de sacanagem, álbum de fotografia. O problema é quando a pessoa gosta de colecionar armas. Aí o hobbes se transforma em violência.

Ninguém ainda escreveu, que eu saiba, a história dos movimentos revolucionários e pseudorrevolucionários enfatizando devidamente uma categoria analítica chamada ressentimento social. Quando um dia alguém o fizer, saberemos afinal que muito do que na história passa por revolução ou desejo de revolução é apenas ressentimento social. Trocando em miúdos: quero revolucionar o mundo não para abolir a opressão ou a injustiça, mas para me apropriar daquilo que invejo. Sem desmentir o fato de que houve na história muitos revolucionários autênticos inspirados por verdadeiro desejo de amor e justiça, a maior parte da horda revolucionária é movida pelo ódio contra o que não pode ter.

Nostalgia é um sintoma de mal-estar no presente. Logo, a suposta felicidade da infância ou da juventude reencantada pela memória é apenas um mecanismo de consolação para os tormentos sofridos no presente.

Solidão não é isolamento, mas irredutibilidade. Sou sempre eu, não importando o quanto ame ou queira ser o outro. Perder-me em quem amo, ao mesmo tempo desejo e temor de quem ama, é uma impossibilidade sempre desejada e temida. Nascemos e morremos sozinhos. Entre estes extremos, estamos igualmente sozinhos, pois o que no outro amamos é o que não somos. Por isso estamos sozinhos; por isso Narciso está isolado.

A brevidade poupa o leitor.

Às vezes é fácil ser profeta: basta prever o pior.

No Brasil é fácil ser profeta: basta sempre prever o pior.

O que o Brasil tem de pior são os brasileiros.

Sou eterno quando sou: presente do indicativo.

Tem gente que recorre à citação apenas para confundir cultura com impostura.

Publicitários, marqueteiros, relações públicas, porta-vozes e ideólogos tout court são os oráculos que produzem perólas da liberdade de mercado como as que abaixo transcrevo:
Sorria! Você está sendo filmado.
Seu filho morreu. Tudo por causa de uma bala perdida.
Seja livre, seja você mesmo: beba Coca-cola.
Beba a lourinha geladinha que desce redonda na praia, na festa, na cama, na estrada, no futebol, no carnaval, no trânsito... beba com moderação.
Você pode ser tudo que quiser.
Sem medo de ser feliz.
Deus é fiel.
Brasilbrás ou Utopia: um país de todos.
Amar é dar presente.
O amor é como uma prateleira do shopping. Você ama o quiser. Basta pagar no caixa.

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