domingo, 2 de maio de 2010

Penelope Lively


Literatura Inglesa: Penelope Lively

Concluo a leitura de mais um romance de Penelope Lively: Perfect Happiness. Lançado 3 anos antes de Moon Tiger, livro que conferiu a P. Lively o Booker Prize de 1987, nele é possível identificar elementos antecipadores da inquestionável obra-prima da romancista. De resto, é o que de melhor nele existe. Um esboço da técnica narrativa primorosamente realizada no romance de 1987, por exemplo, está claramente inscrito no princípio de construção de Perfect Happiness. O papel da memória, central em toda a obra ficcional de Penelope Lively, é já explorado a partir da pluralidade de focos narrativos que se de um lado relativizam e enriquecem a percepção dos personagens principais, doutro abandonam a meio, sem motivos convincentes, situações e conflitos insatisfatoriamente desenvolvidos. Disso resulta uma narrativa esgarçada, esboços de figura sem resolução, um certo tom de fragmento que não me parece derivar da perspectiva realista e das técnicas a ela conexas mobilizadas pela autora.

Dadas as evidentes características da ficção de Penelope Lively, parece-me justificado identificar nas irresoluções aqui grosseiramente indicadas a inabilidade com que a autora movimenta seus personagens. Tanto me parece ser isso verdadeiro que Moon Tiger, obra derivante de perspectiva e técnicas similares, transmite ao leitor a força de personagens tais como Claudia Hampton e seu irmão Gordon. Em Perfect Happiness, porém, é impossível identificar semelhantes elementos de força e desenvolvimento em personagens como Frances Broolyn e Zoe que, mais que a primeira, me parece sugerir alguns dos traços mais marcantes de Claudia Hampton.
Tendo chegado a Penelope Lively a partir de Moon Tiger, o entusiasmo da descoberta induziu-me a ler outros dos seus romances. Depois de ler, e em alguns casos reler vários deles, vejo-me constrangido a admitir, repetidas tantas decepções, que Moon Tiger é não apenas a obra-prima de Penelope Lively, mas também seu único romance de verdadeira importância. Tão grande é o desequilíbrio entre ele e os demais que li, notadamente Treasures of Time, que quase chego a encará-lo como uma espécie de feliz acidente em meio a uma tediosa sucessão de banalidades.

Meu desconforto ou insatisfação de leitor francamente interessado pela ficção inglesa contemporânea estendeu-se a outras autoras que também andei lendo: Barbara Pym, Anita Brookner, Muriel Spark. A primeira, sem dúvida uma das piores romancistas que li nos últimos anos, foi estranhamente louvada por Philip Larkin como sendo uma das grandes e injustiçadas romancistas inglesas deste século. Foi de resto este juízo infundado, emitido por poeta e crítico de notável influência, que repôs Pym no centro da cena literária inglesa. Agora me parece que o juízo do leitor corrente, no caso bem mais agudo que o de Larkin, devolveu-a ao lugar medíocre que lhe cabe.

A leitura recente de longa entrevista concedida por Carlos Fuentes ao crítico inglês John King, incluída em Modern Latin American Fiction: A Survey, livro organizado e co-escrito pelo próprio John King, fez-me novamente considerar minha insatisfação com grande parte da ficção inglesa contemporânea que li. Referindo-se ao entusiasmo que lhe inspira a literatura americana, Fuentes lamenta não poder dizer o mesmo da inglesa. Embora admita estar propondo na entrevista explicação pouco convincente (“The more important point is that when you have a very well-developed civil society as in Britain or France, you feel that society takes care of itself and you don't feel like writing about it so much, because it will appear in information, on the news or television”. p.l50), ele me parece acertar quando observa no mesmo parágrafo que muito da ficção inglesa produz a sensação de que tudo já foi dito.
De fato, o terreno percorrido e explorado por autoras como Penelope Lively, Anita Brookner e outras que se fixam nas formas de paralisia e tédio inscritos no horizonte da classe média inglesa de que são parte parece transmitir ao leitor não mais que formas correspondentes de paralisia e tédio.

Parece-me significativo que a grandeza de Moon Tiger, e particularmente de Claudia Hampton, derive do fato de que o romance se inscreve num campo de tensões absolutamente alheio à atmosfera rotineira das obras produzidas pelas escritoras que aqui critico. Claudia Hampton, historiadora não-acadêmica e jornalista atenta às turbulências da história e da política internacionais, é uma mulher generosamente aberta para o mundo. Seu interesse apaixonado pela história humana transporta-a do ramerrão representado na obra de Muriel Spark, Barbara Pym, Anita Brookner e em muitos romances da própria Penelope Lively, para o som e a fúria produzidos por Cortez e seu bando de aventureiros no México. Daí para os campos de batalha em que os desertos egípcios foram convertidos durante a Segunda Guerra Mundial; depois a colonização inglesa nos Estados Unidos; depois a Hungria ocupada pelos tanques russos em l956; depois o mundo da infância e da adolescência marcados por cenas incestuosas de perturbadora beleza ... tudo isso servido por uma técnica narrativa capaz de exprimir não só a complexa organização psíquica de uma personagem tão impressionante como é Claudia Hampton, mas também outros pontos de vista: o de Gordon (irmão de Claudia), o de Laszlo, o de Lisa (filha de Claudia e Jasper), o de Sonia (mulher de Gordon). Em meio a esse entrecuzamento de forças e tensões, até personagens humanamente medíocres e típicas do universo classe média inglês (como é o caso da mãe de Claudia, também o caso de Lisa e de Sônia) tornam-se importantes quando contrastadas à vitalidade de Claudia, Gordon e Laszlo.
Chega de romancistas inglesas presas à recriação ficcional de uma realidade cujos traços dominantes de paralisia e abafamento de possibilidades existenciais apenas servem para inspirar no leitor o tédio estampado em cada gesto e palavra desses personagens infinitamente desinteressantes. Já me basta aturá-los na vida real.
Colchester, 12 de maio 1992.

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