sexta-feira, 25 de junho de 2010

Máximas e Mínimas III


Amigos? São os que ficam depois que a festa acaba. Quantos? É difícil estimá-los no país do carnaval, onde frequentemente confundimos festa com amizade. O brasileiro folião confunde sempre uma coisa com a outra. Por isso acredita ter tantos amigos, quando na verdade não tem nenhum.

Sei de um poeta famoso, imortal da Academia Brasileira de Letras, o que basta para esclarecer que falo de imortalidade tópica, que cultivava o hábito saudável de falar mal dos seus convivas tão logo se retiravam de suas festas. Alguns mais perceptivos, à força de lhe frequentarem a casa, acabaram notando-lhe esta particularidade e prudentemente passaram a retirar-se já no último minuto, quando a manhã já se anunciava. Sugiro que o leitor coteje esta anedota com a definição precedente de amizade e por fim tire suas próprias contas. Melhor dizendo, responda-me esta pergunta: quantos amigos tinha o poeta imortal?

Liberto enfim da esperança, eu nada espero. É portanto com fundamento no desespero que nego o absurdo da vida e na minha nudez acolho o quinhão de felicidade que me cabe ou tem a medida do meu contentamento.

Há muitos anos, bracejando no pessimismo atormentado, incorri num paradoxo inconsciente ao escrever: eu nada espero e assim me poupo de desesperar. Somente agora me apercebo do quanto era escravo de minhas esperanças malogradas ao escrever esta frase que apenas teria sentido na medida em que encerrasse um paradoxo intencional. Agora sei que ser livre para não ter esperança é escolher o desespero.

Esperança não é força, mas impotência, pois esperamos o que por definição está além de nossa vontade e realidade. Seria acaso dizer-se que a profissão do brasileiro é a esperança? Ou ainda e melhor: que o Brasil é o país do futuro?

Com frequência hoje me pergunto se minha vida progride (ou regride?) para uma atmosfera de serena reclusão. A esse propósito, é curioso ou sintomático observar como a memória – tocada por filmes que ninguém vê e livros que ninguém lê, salvo eu – me transporta para a solidão inglesa que profundamente me transformou ao enraizar minha maturidade num solo de vida habitada por modos de convívio muito restrito. Não brinco quando afirmo que o mundo, como idealmente o concebo, teria uma população de 1000 habitantes. É fato que não há muitas pessoas que verdadeiramente importem para mim. Direi que falo de um mundo de serena reclusão ou de quase misantropia? Terá a solidão voluntária, à força de repetir-se, me desabituado do mundo, ou merecerá o mundo insolúvel a redução de minha drástica medida?

A vida banal, feita de repetições e máscaras que nos protegem do outro, é talvez o que mais me desencoraja do convívio rotineiro. Sem pretender subordinar a vida à literatura, não me furto ao pensamento de que num breve capítulo de Brás Cubas penetro verdades humanas infranqueáveis a uma amizade de 10 anos, por vezes de uma vida inteira. Acaso insinuo nas linhas de tal contraste a convicção de que pessoas reais são rasas, quando não vazias? De modo algum. É por assim pensar que me inconformo com o fato de que seres humanos, dotados de possibilidades e experiências tão ricas e complexas, se acomodam a um convívio de trivialidade e desperdício. Prisioneiro da experiência trivial, quando enredado no convívio ordinário, mais e mais me recolho ao cultivo do meu jardim.

Most of my life I´ve been living in wrong places with wrong people. Learning to live by myself was a way of avoiding complete moral debasement.

Vivi a maior parte de minha vida nos lugares errados entre pessoas erradas. Aprender a viver sozinho foi um meio, entre outros, de não me acanalhar completamente.

O Brasil é uma porção de terra muito grande ocupada por uma porção de gente muito pequena.

If Brazil is the country of the future, then I can surely foresee that the future will be called Brazil.

A civilização é uma conquista penosa e sempre reversível.

Conflito de geração: Os pais desejam que seus filhos sejam o que eles não puderam ser, enquanto os filhos não querem ser o que seus pais foram.

Sou humildemente um self-failed man. Posso portanto orgulhosamente afirmar que não devo meus fracassos a ninguém.

Nossa identidade é uma costura consistente de muitas máscaras não porque queremos ser hipócritas ou mentirosos, mas porque precisamos dissimular para conviver e ser aceitos, medida necessária de nossa própria aceitação. Não obstante toda a reivindicação de transparência e verdade que inscrevemos no cerne de nossos ideais éticos, a nua transparência do que somos constitui uma verdade intolerável para as convenções que regem o funcionamento do mundo. Eliot assinala num dos Four Quartets o quanto é limitada nossa medida de suportação da verdade. Se igualmente pouco toleramos a mentira nua e crua, como então determinar a medida do que somos e fingimos?

Pensando melhor, não fui eu que envelheci, foi o tempo que se apressou. Mais que pressa, há nele uma progressiva aceleração que se manifesta no espaço e dentro de nossa medida subjetiva. Um dia deixarei de ser um nome para me tornar gerúndio: um tempo sempre sendo. Um dia deixarei de ser Fernando para ser apenas Fernada.Um dia inventarão a parada móvel, o sono acordado, o presenteando: presente sempre em processo. Um dia, carente de identidade, um dia sonhei ser eu. Sei agora que ser é sempre ser outro. O outro é nosso incerto destino. E nosso destino, universal e inescapável, é nossa medida mais humana suprimida pela cultura da alienação narcisista.

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