sexta-feira, 29 de abril de 2011
Máximas e Mínimas IV
Eu é outro. Eu também
Sou tantos que nem me sei
Que até no outro ninguém
Sou o outro que em mim neguei.
O insucesso sempre me sobe à cabeça, sobretudo quando ouço os vencedores ostentando as excelências de suas glórias.
Inscrição lida no retrovisor de um táxi: “Todos falam mal de Joca. O difícil é ser Joca”. E lá se foi Joca atropelando sinal vermelho e bloqueando faixa de pedestre. Se Joca nada sabe do código de trânsito, o que dizer da estupidez humana?
Acho que foi Chesterton quem observou que quando as pessoas deixam de acreditar em Deus passam a acreditar em qualquer coisa. Nada mais verdadeiro. Basta ligar a televisão ou simplesmente atentar para a vida corrente.
Se eu saísse pelas ruas do Recife gritando que sou o maior folião do mundo, prontamente me tornaria alvo de gozação e ridículo. Talvez os mais exaltados recomendassem meu internamento imediato num manicômio. Se no entanto um publicitário produzisse um videoclipe alardeando que o carnaval do Recife é o melhor do mundo, isso seria prontamente endossado como pura expressão da verdade e fonte de orgulho para a maioria dos pernambucanos.
Inteligência é o que sobra do que se esgota em vaidade.
Se o voto é um direito, como então conceber que seja obrigatório? Somente na democracia à brasileira os legisladores entendem que o titular de um direito é forçado a exercê-lo.
Há muito o Big Brother, compreendido como símbolo de uma sociedade totalitária, instalou-se na nossa subjetividade. Mas não ao modo da distopia concebida por George Orwell. Nesta, a teletela e outros dispositivos de controle acionados pelo poder totalitário nos são impostos. Hoje somos nós que servilmente renunciamos à nossa liberdade mais radical e privada e tudo entregamos ou vendemos ao poder abstrato e onipresente do Big Brother.
A renúncia à privacidade, último baluarte da liberdade individual contra a tirania exercida pelo Estado e pelo mercado, chegou a tal ponto que já confundimos invasão da privacidade com evasão da privacidade.
Há quem viaje apenas pelo prazer de voltar para casa.
Minha casa é o único mundo que possuo e todavia nem nela posso livremente exercer minha soberania.
O Brasil registra uma rica e comovente linhagem de romantização da nossa pobreza – não raro acrescida de outro tanto de pura e simples miséria. Sintomaticamente, é obra de pessoas bem nutridas, com presente e futuro imunes à necessidade dos que raspam o fundo de panelas vazias, quando não pura e simplesmente o esgoto das ruas. Em suma, como reza o dito popular, é fácil romantizar a fome de barriga cheia.
O brasileiro é portador do pior tipo de preconceito: o preconceito de não ter preconceito.
O sonho do brasileiro típico é tornar-se funcionário público mediante concurso que se tornou lotérico. Por nepotismo é ainda melhor. Depois disso terá a vida inteira para viver de parasitismo estatal.
Millôr Fernandes desmente liminarmente a ideia generosa segundo a qual todo cínico ou cético foi antes um grande idealista. Aos nove anos, quando caiu na vida, Millôr era já um homem liberto das nossas ilusões correntes.
Leia também
Máximas e Mínimas I
Máximas e Mínimas II
Máximas e Mínimas III
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