segunda-feira, 5 de março de 2012
Madrugada na praia
É noite em tudo.
O universo é só noite
e a noite de tudo recobre
minha noite mais íntima e incompartilhável.
Dentro e fora de mim as sombras se imobilizam
sobre tudo suspensas
e tudo que revestem é por dentro sombra.
Em sombra me dissolvo.
Desamparado espreito um anúncio de aurora
sinal de gente na praia deserta.
Mas sinto que todos dormem
todos naufragam nessa momentânea suspensão de tudo
líquido abismo
intangível rotação do nada.
No bojo da noite
rompendo a imobilidade da sombra
o silêncio no qual a ausência difusa se alarga
ouço a voz do mar crescendo.
E logo outras vozes secundam:
cão galo homem afundando na areia
ronco de motor distante.
Tudo milagrosamente se conjuga
e contra a sombra investe.
A luz, ainda tênue, desprende-se do véu de trevas.
Na distância, o prenúncio do dia
por tantos símbolos invocado
à treva se vai impondo.
Volto à sala
toco os objetos repostos na moldura dos sentidos
e reconstituído sei que voltei a ser.
Porto de Galinhas, agosto 1987.
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