segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Aforismos e desaforos


O Brasil já teve um Ministério da Desburocratização. Realizou a obra que alguns brasileiros ajuizados previram: burocratizou ainda mais o país. Por que não renovamos essa experiência extraordinária fundando agora o Ministério do Funcionamento? Tenho certeza de que faria o país parar de vez.
O Brasil é ruim, mas comigo é pior.
O Brasil deu à incivilidade moderna duas grandes contribuições: o carnaval e o futebol. Um povo capaz de tal façanha não precisa ser governado a pão e circo. O circo é suficiente.
Carnaval é regressão tribal. Como suportar o peso, a responsabilidade suposta na condição do indivíduo moderno? As massas precisam refugiar-se em algum abrigo tribal, que tanto pode ser o carnaval quanto a adesão ao nazismo. Ruim por pior, antes o carnaval.
Sou do tempo em que paralelepípedo era palavrão.
Sou do tempo em que o trânsito transitava e carro era meio de transporte. Agora, levando a regência verbal ao pé da letra, o trânsito tornou-se intransitivo.
Sou do tempo em que engarrafamento era uma grande quantidade de garrafas, geralmente esvaziadas durante o carnaval.
Sou do tempo em que masturbação era doença.
Masturbação é a prática sexual mais universal que existe, inclusive na velhice. Até os impotentes vingam-se com a masturbação imaginária.
Sou do tempo em que as pessoas tinham pudor e as mulheres enrubesciam. Hoje constrangimento moral é pó de ruge.
Sou do tempo em que gala era outra coisa. Não era o que se vestia, mas o que se vertia.
Sou do tempo em que a lança-perfume era liberada e o carnaval acabava na Quarta-feira de Cinzas. Agora, traduzindo apropriadamente a propaganda oficial do governo de Pernambuco, vivemos em estado de permanente anarquia.
O Brasil vive num estado de violência que beira a guerra civil. Por isso ninguém mais o percebe. A guerra no trânsito, a violência endêmica, rebeliões de todos os tipos, a começar pelas da polícia, banalizaram os conflitos ao ponto de torná-los imperceptíveis. Como estranhar que nos vejamos como um povo amável e cordato?
Sou do tempo em que a mulher não gozava, apenas submetia-se aos ditames cristãos da preservação da espécie.
Sou do tempo em que jogador de futebol era apenas jogador de futebol e fazia o que sabe fazer com um par de chuteiras. Agora inventaram de fazê-lo falar, entre outras impropriedades, e assim a chuteira lhe subiu à cabeça.
Já há quem faça na televisão o que não fui capaz de fazer nem no bordel.
A televisão é o único eletrodoméstico que emburrece e corrompe.
Se eu acreditasse em reencarnação, gostaria de voltar ao mundo como cachorro, ainda que vira-lata. Além de muito complicado, o ser humano se tornou demasiado dispendioso. É tão descaradamente traidor que transferiu o peso da fidelidade para Deus.
O etnocentrismo é uma doença tão incurável quanto a rinite alérgica.
Para o bairrista, qualquer acampamento urbano é a melhor cidade do mundo, contanto que seja a sua.
Amor é a mercadoria que mais vende, embora jamais ouse declarar o seu preço. Aliás, sequer admite sua redução ao fetiche da mercadoria.
Como ter polícia com a polícia que temos?
Não é fácil ser adulto. Sei de muita gente que não apenas vive da nostalgia da infância, mas também nunca saiu dela.
Misericórdia pelo outro e por mim próprio. Somos pequenos e vulneráveis demais para merecer algo melhor.
Recife, fevereiro de 2013.


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