quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Máximas e Mínimas VIII


A revolução tecnológica tornou a mentira factualmente inviável. No entanto, nunca se mentiu tanto, assim como nunca houve tanto crédulo imbecil. Definitivamente, o ser humano não suporta a verdade.
A renúncia do papa, em pleno carnaval, não teve o poder de silenciar um só tamborim, um só grito de folião, uma nota de frevo nas ruas. O país de maior população católica do mundo deu livre curso ao seu carnaval indiferente à renúncia da autoridade suprema do catolicismo. O fato é excepcional, mas os exemplos da irrelevância normativa da religião no mundo secularizado são apenas uma banalidade. Embora não falte especialista que fale em reencantamento do mundo, fico com minha convicção de ignorante: o que há é desencantamento do reencantamento. Trocando em miúdos, Deus continua sendo objeto de fé, mas de uma fé semelhante à que temos num protetor secularizado e rebaixado à nossa medida humana. Deus se tornou menos normativo do que o guarda de trânsito.
O pernambucano não é solidário nem no carnaval.
Há pessoas mesquinhas até no gozo da nossa maior orgia coletiva, o carnaval. Precisam suprimir o prazer do outro para viver a ilusão narcisista do prazer exclusivo e absoluto.
Não posso definitivamente levar a sério um país que sopra aos quatro ventos do universo, com absoluta razão, que faz e é o melhor carnaval do mundo.
Somos tão vulneráveis que em princípio qualquer coisa pode nos matar. Podemos morrer de amor. Podemos morrer por falta de amor, causa provavelmente mais frequente. Mais frequente ainda é morrermos de fome. Portanto, antes um prato cheio do que um coração amante e amado.
Se tivesse ainda alguma ilusão acerca da humanidade, sentaria durante dez minutos diante de uma televisão ligada.
Tive compaixão do homem arrastado pela corrente ruidosa do carnaval. Sequer gostava do carnaval; sequer ensaiava um passo de frevo ou entoava uma marchinha. Debateu-se na corrente, que o empurrou à deriva da massa, simplesmente por já não saber de si, de sua solidão, de sua carência de amor. No delírio que o possuía, acreditou que o amor, produzido por um feliz acaso, o abraçaria em plena folia. Seria uma mulher de linhas e traços opacos, mas belos, sensuais e inconfundíveis. Tudo que sabia era que desceria sobre ele como um milagre, um marco zero refundando sua vida árida e vil.
Na Quarta-feira de Cinzas, mais exausto que a massa ébria, mais esvaído do que o carnaval, cujos últimos clarins vibravam no ar tórrido do asfalto, tombou na sarjeta e perdeu os sentidos. Dizem uns que foi recolhido por uma ambulância do Samu; outros, que seu corpo afundou nas águas sujas do Capibaribe. Por fim, um louco ou visionário, que há muito vaga pelas ruas, jura que o viu ascender aos céus de braço dado com a Virgem Maria, que doravante será apenas Maria.
Qual é o prato mais servido na mesa do pobre? O vazio.
Qual é o melhor carnaval do mundo? O que acabou.

Um comentário:

  1. Caro professor Fernando
    Raramente escrevo em blogs, embora seja leitor assíduo
    De alguns deles, como o seu.
    Causou-me muita alegria seu artigo sobre o carnaval, pela
    Inteligência, sensibilidade e coragem. Poucas vezes defrontei-me
    Com colocações adequadamente alinhavadas sem concessões ao
    Antropologismo vulgar.
    Antes de despedir-me, digo-lhe que também sou da área de
    Ciências sociais e o conheci através do jornalista Paulo Carneiro,
    Um divulgador de sua obra, embora um tanto dado as brincadeiras.

    Obrigado

    Manuel Assis

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