O estudo da cultura é um dos aspectos fundamentais da sociologia e da antropologia. Seu desenvolvimento nas sociedades modernas, associado à aceleração dos contatos culturais num mundo globalizado, tem concorrido para a intensificação de pesquisas e estudos tanto gerais quanto específicos. Sendo assim, é praticamente impossível proceder a um mapeamento criterioso da produção disponível, ainda mais numa disciplina restrita a uma introdução geral à sociologia.
Conceito – Sentido corrente (senso comum) – O sentido corrente do termo cultura está antes de tudo associado à aprendizagem intelectual. No geral, quando dizemos que uma pessoa é culta queremos noutras palavras dizer que é uma pessoa educada, especialmente no âmbito da cultura humanística: artes, literatura, filosofia... Este sentido do termo envolve, no geral, atitudes preconceituosas.
Sentido sócio-antropológico – Este é evidentemente o sentido que mais nos interessa. Ele é bem mais amplo e complexo. A influência crescente destas disciplinas, sociologia e antropologia, no mundo contemporâneo é evidente na adoção crescente do conceito sócio-antropológico da cultura pela mídia em geral e pela linguagem da política e da publicidade. Basta pensar na ênfase e freqüência com que se fala em cultura pernambucana, cultura global, cultura jovem, identidade cultural etc. Abaixo esclarecerei melhor o sentido destes e outros qualificativos da cultura.
Visando esclarecer didaticamente a amplitude e complexidade do conceito sócio-antropológico de cultura, desenvolvo na sala de aula um argumento baseado na distinção geral entre biologia e cultura. Partindo de fatores que nos ligam diretamente à nossa natureza biológica (sexo, comida, linguagem, moradia, vestuário, agressividade...) procuro ressaltar, em cada caso, de que modo a espécie humana se diferencia do mundo da natureza. Noutras palavras, quando consideramos cada um dos fatores acima mencionados, fica evidente como nossas práticas e funções relacionadas à sexualidade, comida etc, são investidas de sentidos simbólicos, são transmissíveis, modificáveis e portanto não biológicas. Diferentemente das outras espécies, cujas práticas e funções são estritamente biológicas ou fixas, portanto instintivas, a espécie humana é dotada de extraordinário poder de transformação e variedade. Claude Lévi-Strauss expressa bem melhor a distinção entre natureza e cultura quando observa:
“A natureza é tudo o que está em nós por hereditariedade biológica; a cultura é, ao contrário, tudo o que mantemos da tradição externa e, para retomar a distinção clássica de Tylor – cito de memória e sem dúvida com falhas – enfim, a cultura ou civilização é o conjunto de costumes, crenças, instituições como a arte, o direito, a religião, as técnicas da vida material, resumindo, todos os hábitos ou aptidões aprendidas pelo homem enquanto membro de uma sociedade. Existem aí, portanto, duas grandes ordens de fatos, uma graças à qual dizemos respeito à animalidade por tudo que somos, desde nosso nascimento e características legadas por nossos pais e nossos ancestrais, a qual liga-se à biologia e algumas vezes à psicologia; e, de outra parte, todo o universo artificial que é este em que vivemos enquanto membros de uma sociedade.”Concluindo, o conceito sócio-antropológico da cultura compreende todos os aspectos simbólicos, aprendidos e não biológicos da sociedade humana. Neste sentido, não cabe falar de culturas superiores e inferiores.
Aprendizagem e aquisição da cultura – É graças à transmissão da cultura, processo que se renova perpetuamente de uma geração para outra, que nos tornamos seres humanos. A transmissão da cultura se realiza através da socialização (consultar este verbete nos dicionários especializados contidos na bibliografia da disciplina), que pode ser sumariamente compreendida como o processo através do qual internalizamos a sociedade: seus valores, práticas, conhecimentos, crenças, costumes etc. Importaria ressaltar, neste ponto, a polêmica insolúvel que divide os cientistas sociais e determinados grupos religiosos que baseiam sua concepção do ser humano na crença em nossa origem divina, isto é, somos criados por Deus e dele recebemos os atributos fundamentais da nossa humanidade. A evidência sócio-antropológica, no entanto, baseia-se no saber científico para refutar esta crença. Sendo assim, procura demonstrar que nossa humanidade é adquirida no universo da cultura através da socialização.
Cultura e conceitos afins – Como acima assinalei, é crescente a adoção do conceito sócio-antropológico da cultura pela mídia e pela linguagem da política e da publicidade. Alguns dos conceitos de uso mais corrente são os seguintes:
Cultura local – relativa a valores e práticas culturais associadas ao meio social imediato (comunidade, vila, cidade; exemplo: cultura recifense, caruaruense...)
Cultura regional – remete aos valores e práticas culturais dominantes em uma determinada região (exemplo: cultura nordestina, cultura gaúcha...)
Cultura nacional – é a cultura dominante de um determinado país.
Cultura global – é a que no mundo atual circula em escala global. É fruto da integração dos mercados e da revolução tecnológica e comunicacional.
Cultura tradicional – baseada na tradição e nos contatos culturais diretos (face a face). Predomina nas sociedades rurais. O desenvolvimento acelerado e irreversível do modo precedente (a cultura global) ameaça e reduz progressivamente a importância deste tipo de cultura.
Cultura moderna – baseada na mudança, é típica das sociedades urbano-industriais onde prevalecem os contatos indiretos e normas que privilegiam a autonomia do indivíduo.
Cultura de massa – relativa à cultura produzida e difundida pelos meios de massa (jornal, rádio, revistas, televisão, internet...)
Cultura popular – é a cultura tradicional produzida por grupos pobres e geralmente analfabetos (cultura folclórica).
Subcultura – compreende valores, comportamentos ou estilos de vida de um grupo distinto da cultura dominante em uma sociedade, mas sempre a esta relacionada (exemplo: cultura jovem, cultura gay, cultura alternativa...).
Identidade cultural – este é um tema muito complexo considerado não raro em termos polêmicos nos estudos e debates relativos à cultura. É muito difícil determinar a identidade cultural de um grupo ou nação, especialmente no mundo contemporâneo, onde os contatos e empréstimos culturais ocorrem com intensidade sem precedente histórico. Para os conservadores culturais, a identidade é algo inquestionável e precisa ser sempre defendida. Em decorrência, são no geral intolerantes com relação à diversidade cultural ou aos contatos e empréstimos entre culturas. No outro extremo poderíamos qualificar como cosmopolitas aqueles que defendem o livre comércio entre as culturas, a irrestrita circulação de contatos e empréstimos culturais.
Bibliografia:
Coelho, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.
Lévi-Strauss, Claude. Arte, Linguagem, Etnologia. São Paulo: Papirus, 1989.
Andrew Edgar e Sedgwick, Peter (orgs.). Teoria Cultural de A a Z. São Paulo: Contexto, 2003.
Williams, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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