terça-feira, 20 de setembro de 2011
Da desconfiança
1– Desconfio de todo anarquista que pede autógrafo.
2 – Desconfio de quem invoca opinião pública num país onde mal se divisa uma opinião pessoal.
3 – Desconfio de todo humorista que ri à toa e sobretudo a favor.
4 – Desconfio de todo ateu que vive da compulsiva negação de Deus. Afinal, não será sintomático repetidamente dar nome e combate ao que não existe?
5 – Desconfio dos liberados que fazem de sua vida sexual matéria de utilidade (e vaidade) pública.
6 – Desconfio dos libertários que usam verbos no imperativo.
7 – Desconfio de todo vanguardista que não toma posição, lato senso, sem antes consultar o relógio. Ou o calendário.
8 – Desconfio de todo marginal que tem bens a declarar ao leão do imposto de renda.
9 – Desconfio de toda e qualquer forma de contestação financiada.
10- Desconfio de todo comunista que tem classe.
11- Desconfio de todo extremista que abre as pernas.
12- Desconfio de todo sujeito que fala na primeira pessoa do plural.
13- Desconfio de todo idealista que necessita de nobres ideais.
14- Desconfio de todo político que invoca o povo subtraindo-lhe a polis.
15- Desconfio de todo parricida que procria.
16- Desconfio de todo humorista incapaz de se tomar como objeto de humor.
17- Desconfio do sexo oral que fala o que, se é sexo, é pra ser chupado.
18- Desconfio de todo humilde que não se identifique por um aposto humilhante.
19- Desconfio de mim, que me conheço o bastante para não me atrever a me dar as costas.
20 – Desconfio de mim: por prevenção e reiteração compulsiva.
Publicado no jornal O Rei da Notícia, no. 6, Recife, novembro de 1985.
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