domingo, 15 de janeiro de 2012
Daniel Piza
Foi com surpresa e pesar que ontem tomei conhecimento da morte súbita de Daniel Piza. Vítima de um AVC (acidente vascular cerebral), Piza morreu jovem, sobretudo para os padrões de idade hoje correntes: 41 anos. Apesar disso, militou sem trégua no jornalismo cultural brasileiro, além de paralelamente escrever livros de biografia e ficção acrescidos de atividade de criação intelectual paralela. Sua morte constitui sem dúvida uma perda para a mídia inteligente deste país saturado de porcaria e trivialidade.
Confesso que há muito não lia Daniel Piza, sequer ocasionalmente acessava sua página na internet. Mas durante alguns anos fui leitor fiel dos seus artigos regularmente publicados no Estadão, também dos artigos escritos para a revista Continente Multicultural, atual Continente. Evitava porém seus artigos sobre futebol. Dirão que sou elitista, mas o fato é que não me interessa ler nada sobre futebol ou conversar sobre assunto tão recorrente e vulgar. Gostava de jogar futebol, meu vínculo maior com esse esporte objeto de culto e reverência universais. Meu descaso por esse assunto transposto para as páginas de um livro é tão completo que simplesmente ignorei o livro que José Miguel Wisnik escreveu sobre ele, embora esteja longe de ignorar o autor e a pessoa, com quem entretive conversa inesquecível durante um almoço no qual minha amiga Valéria Torres generosamente nos reuniu. Ocasionalmente vejo com prazer na televisão algum jogo de real qualidade. Como são cada vez mais raros, habituei-me a ligar a televisão para logo em seguida desligá-la.
Também concedi pouca atenção ao Daniel Piza que escrevia sobre política. Este é um assunto que contra minha vontade e temperamento ainda me interessa, embora tenha aprendido a me manter em guarda para lhe fechar as portas de minhas leituras e reflexões. A explicação é simples: a leitura da política é algo que quase sempre me inspira ódio, revolta e impotência. Logo, melhor evitá-la. Além disso, não sou e nunca fui militante político. Essa omissão consciente, e eticamente dolorosa, deriva de minha inabilidade para a ação, de minha incompetência ou recusa das negociações necessárias em toda ação política. Claro que reconheço e aprovo muitas delas, já que a política, para chover no molhado, é a arte do possível, não raro do possível mais vil e lucrativo. O moralista que há em mim, e não sei como refrear, menos ainda suprimir, impede-me de agir politicamente.
O Daniel Piza que verdadeiramente me interessa é o jornalista cultural. Aliás, esse foi o seu domínio preferencial, onde melhor expressou seu talento e seu valor como crítico. O melhor do que escreveu está associado às expressões características da cultura humanista. Sua formação, como ele próprio reconheceu, deve muito a escritores como Machado de Assis e Graciliano Ramos No âmbito da atividade jornalística, é também sabida sua dívida para com Paulo Francis. Sobre este, aliás, escreveu uma curta biografia – Paulo Francis, Brasil na cabeça. Além disso, organizou, segundo a fórmula dos verbetes temáticos, O Dicionário da Corte de Paulo Francis. Salvo a independência crítica com que investiu contra preconceitos políticos e culturais correntes no Brasil, país de cultura paroquial amplamente subordinada à corrupta ingerência do nosso Estado patrimonial, seu perfil intelectual está longe da singularidade ambivalente e truculenta de Francis. Quanto a Machado de Assis, seu modelo literário supremo, pelo menos no Brasil, confesso que achei decepcionante a biografia que escreveu – Machado de Assis, um gênio brasileiro. A julgar pela evidência disponível, a crítica especializada, assim como os estudiosos em geral, não lhe concedeu nenhuma atenção significativa. Jornalista muito conhecido e apreciado, não lhe faltou promoção suficiente para conferir excepcional visibilidade a seu livro sobre Machado. O que lhe faltou foi talento e maior senso de penetração crítica para competir com estudiosos do porte de Lúcia Miguel-Pereira, Jean-Michel Massa e críticos como Antonio Candido, Roberto Schwarz, Alfredo Bosi, John Gledson e outros igualmente citáveis.
Diário - Recife, 1 de janeiro de 2012.
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