domingo, 10 de junho de 2012
Primeira Memória
Mormaço e o sol da tarde
vestindo a casa deserta.
Ela tomava-me a mão
e me embalava guiando
meu corpo e sob ele deitava
na velha cama rangendo.
Gosto de quê, não-sei-quê
um gozo nunca vivido
o corpo me possuía.
Um dia, a tarde dormia
num sobressalto ouvi
mamãe aos gritos chegando
raivosa, esmurrando a porta.
Dela privou-me, bateu-a
por me manchar a inocência.
E ela chorando partiu
curvada como que ao peso
da mala que carregava
ao longo do meu quintal
meu paraíso perdido.
Fechado em dor, desamparo
vi-a na tarde sumir
fluida matéria borrada
por entre meu susto e lágrima.
Do fundo da minha dor
do gozo subtraído
o ódio surdo crescendo
em carne se constelando
de cinza vestiu minha mãe.
Recife, 15 outubro 1985.
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