quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Daniel Lima


O meu amigo lírico
era no entanto indiferente ao mar.
A paisagem que amava
Era um mar interiorizado.
Não um movimento de ondas
mas um pêndulo ritmando
as horas do ser e do não-ser
o abismo entre o finito
e a eternidade de um Deus
insondável e contudo real.

O meu amigo metafísico
alegremente bailando
a dança fugaz dos fenômenos.
Comia com voracidade
bebia como um pagão
amando a contingência
com a paixão do absoluto.

O meu amigo que já não é
amou a vida até o limite
do fim, da queda
imposta pela matéria finita.
Sua metafísica era tão carnal
tão aderente aos sentidos
que seu sonho de céu
era apenas o mundo da aparência
transposto para sua ideação.
Por isso conciliava a caverna
e a transcendência da Ideia.
Heráclito e Parmênides
São Tomás e Montaigne irmanavam-se
na sua ideação da eternidade.

Meu amigo conciliou
todas as contradições
com a euforia sincrética
de quem tudo acolhe
transfigurando a física em sonho
e a metafísica em feijoada.

Ao cabo, ou já no início
ou desde sempre
foi apenas um menino
um eterno menino
brincando com os mistérios do ser
que logo se dissolviam em nada
e entanto eram.

O meu amigo fundiu a lógica
na loucura
a ilusão na realidade.
O mundo era céu e circo
e o ser era apenas
a face eterna do não-ser
que na mesma chama da existência
tudo afirmava e dissolvia.

O meu amigo dizia sim
e não ao sim.
Por isso, liberto dos fenômenos
da frágil matéria que passa
não sei ainda se foi ou é.
Nem Deus sabe.
Recife, 14 de agosto de 2012.

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