segunda-feira, 18 de julho de 2011

Nuit des Ténèbres



Como explicar o fato de o Brasil piorar até quando se desenvolve? Embora já incluído entre as sete mais poderosas economias do mundo, olho à minha volta e vejo tudo pior. O que meus sentidos e minha percepção crítica constatam é confirmado pelo noticiário corrente: cidades convertidas em infernos urbanos, rodovias intransitáveis, nossos brutais padrões de desigualdade social visíveis nas situações mais comezinhas... O capitalismo que criamos é selvagem e ponto. Portanto, como explicar que o país piore quando cresce em ritmo estável? Tenho meus palpites, que todavia não gastarei nos limites estreitos de uma mera nota sombria repassada da minha desilusão com o país em que nasci e vivo.

Tanto viver, a tanto aspirar, para ao cabo despencar nessa noite de trevas. Olho à minha volta e sei que estou sozinho e vago na noite sem pouso ou companhia. A solidão, antes de ser a que conquistei como expressão da minha liberdade individual, é hoje a solidão sitiada de quem recua e se isola como último recurso de integridade contra as forças opressivas do ambiente. O amor seria a única via passível de nos salvar e entretanto é apenas um grande mal-entendido e os amantes não se sabem nem se compreendem, irredutíveis na sua natureza egoísta. Dormir. Resta-me dormir, quando o sono vier, para acordar amanhã e tudo refazer sem ilusão ou esperança.
Recife, 7 de julho de 2011

O desânimo desce sobre mim nesta noite de sexta-feira. Desânimo que é também desgosto dessa vida encerrada em horizontes mesquinhos. O desejo de amor vem e me fere a carne. Meço como sempre as possibilidades de amor, até mesmo as disponibilidades discerníveis no círculo do meu convívio, e todo na casa me fecho como ilha incomunicável, ou navego como um barco sem cais. Luiza Cage é mais um problema que um verdadeiro caso de amor. Maria J. é o amor sublimado em afinidade moral. Há mulheres lindas que desejaria amar. Mas sempre entre elas e mim se interpõem obstáculos muitas vezes obscuros, códigos embaçados colidem e tudo ao cabo se dissolve em frustração amorosa. O mundo não vale o mundo e o raso medido é fundo. Ou não sei ou por outra me tenta agora refazer a frase. Quem sabe o raso medido não seja apenas raso, já que, induzidos pelo conformismo e a baixeza moral diante da vida, medimos não mais que a rasura visível na aparência dos nossos móveis de carne? Uma saudade indecifrável, voz de uma fala perdida ou nunca alcançada, repica no bojo da memória, ou me atravessa obscuramente o coração desamado, e afinal me decido a dormir como quem momentaneamente morre.
Diário – Recife, 5 de abril de 1998.

Van Gogh
He was a lonely and suffering man. He never knew what people call love and happiness. I mean, he loved his brother and his brother loved him. But they never found the proper way to convey their mutual feelings. He painted some of the most beautiful and agonizing pictures of modern art. And yet he did not sell at least one of them. He tried a true friendship with an outside artist like himself. They did not succeed and separate like crazy enemies. One day he shot himself in the middle of a yellow and windy field. He died after a few and agonizing days. Nowadays he is famous and his pictures worth millions of pounds. Life is meaningless.
Diário - Recife, 6 de abril de 1998.

Desenraizamento
É fato que sofro, que há muito venho sofrendo a carência de uma vida melhor vivida, isto é, melhor compartilhada. As condições do meio são intratáveis para um indivíduo do meu tipo, para o tipo de indivíduo que voluntariamente fiz de mim, sempre alterando e em alguns casos invertendo os condicionamentos e modelos dominantes na cultura que demarca o desenvolvimento da minha personalidade.
Os anos vividos, com o que encerram de experiência assimilada, levaram-me, por exemplo, a repelir isso que chamo de gregarismo do brasileiro em contraposição às formas de sociabilidade praticadas no âmbito dos pequenos grupos, dos grupos formados por eleição afetivo-intelectiva. Somos refratários, sim, a essas formas de associação predominantes na cultura inglesa e mesmo na cultura urbana brasileira de corte metropolitano, como é o caso de São Paulo. Por aqui o que vigora é o gregarismo dos bares, festas, badalações noturnas e praieiras, além dos eventos de massa que mobilizam dezenas de milhares de pessoas. O vazio. A solidão dentro da massa. Tenho horror a isso tudo.

A alternativa, dentro dos quadros convencionais, é a sociabilidade típica da nossa herança patriarcial: a família extensa agregada nos fins de semana para almoços, jantares e bebedeiras onde os vínculos do sangue circulam. São no fundo relações viciosas, marcadas antes de tudo por laços de dependência e lealdade patrimonial. Produzem gente infeliz, oprimida pelos pactos implícitos da velha ordem patriarcal, que evidentemente já não se exprime como exercício de autoridade exercido pelo patriarca dissolvido no caldeirão do consumismo hedonista, mas retém vantagens inegáveis.

Dentro de uma ordem social onde o descrédito das instituições básicas é completo – ninguém confia no sistema médico, na polícia, no sistema legal lato sensu, na escola pública etc. -, ser ou tornar-se membro de uma família extensa é uma garantia de segurança contra a anomia dominante. Pois ela assegura privilégios materiais, status e acesso cordial (friso usar o termo no sentido adotado por Sérgio Buarque de Holanda) a uma rede de relações e serviços que numa ordem social verdadeiramente democrática existem em função do indivíduo abstratamente considerado. Trocando em miúdos, ser ou tornar-se membro de uma dessas famílias é ser proprietário ou beneficiário de renda privilegiada, bens móveis e imóveis e serviços personalizados. Conheço pessoas que, detentoras desses privilégios típicos de uma sociedade estamental, têm na própria família, ou na extensão do poder por esta exercido, serviços médicos, jurídicos, terapêuticos e educacionais personalizados e até imunidade parlamentar. Como nada é perfeito, também anulação da individualidade e infelicidade doméstica.
Diário - Recife, 28 de abril de 1998.

Nenhum comentário:

Postar um comentário