quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Continente e ilha



Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world.
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity. (Yeats)

As explosões irromperam
numa luminosa manhã de setembro.
No cerne da ilha fabulosa
cerne do capital globalizado
dois modos de barbárie se entredevoram.

Recolhido na concha de sua ilha mítica
Senile vê aterrado as torres colossais se desmanchando.
A Caixa de Pandora enfim se rompe
cegando sobre as águas envenenadas
a face hedonista de Narciso.

Paralisado contra o vento fervente que o açoita
Senile vê em ondas
imagens da barbárie renascida.
Pandora rediviva na prosa niilista
do bruxo do Cosme Velho
agita as fúrias insones:
levo na minha bolsa os bens e os males
e o maior de todos, a esperança,
consolação dos homens.

No princípio era o caos
e agora a ele regredimos.
Nostromo, o coração das trevas
já não pulsam confinados na turbulência da periferia
drenada pela vontade de potência do capital
e das capitais do mundo.
Caliban e Próspero são o meu semelhante
e estão em toda a parte.
Civilização é uma flor precária
adubada no sangue da barbárie
e tangida pelos ventos da tormenta.

As torres se desmancham
soterrando o lago azul de Narciso
varrendo num sopro gelado
os cenários estéreis e histéricos do hedonismo midiático.
E entanto a barbárie segue seu curso
pois que a própria brutalidade do terror
logo se dissolve em espetáculo.
O fanático truculento que arquiteta
os infernos invocando forças divinas
é já herói, amanhã mito
incendiando a imaginação delirante
de massas famintas ávidas de sangue.
As fúrias insones
desencadeadas da Caixa de Pandora
de novo sacodem o mundo inaugurando
formas inusitadas de destruição.

Erguido contra os ventos que varrem as colinas de Insulândia
Senile vê dentro da névoa
as terras devastadas do continente.
Nas cores da manhã sangrenta
espetados no fundo rubro do horizonte
surdem os sinais do naufrágio que avança.
Transido entre a ilha mítica
e o continente inescapável sabe Senile
que nada nem ninguém estará a salvo
que até nas ilhas míticas
fecharam-se as rotas de fuga.

Mais que uma guerra desterritorializada
sem combatentes definíveis
mais que o terror elevado à escala global
Senile identifica no conflito
a luta cega de dois modos de barbárie na aparência antagônicos.
Se em um o atraso, a miséria
somados a forças elementares de resistência à mudança
produzem a violência extremada em terror
no outro o triunfo da tecnologia
e a reificação universal das relações humanas
geram a opulência privada de sentido
o niilismo prático e inconsciente
o predador consumista encolhido
no minimalismo da barbárie narcisista.

E Senile recua e se recolhe
no útero de sua ilha mítica
sabendo embora que todas as vias
de fuga estão fechadas e Insulândia
eleva-se indefesa diante da fúria
que ruge no continente.

A noite, uma noite sem tempo
recobre agora os céus do continente
estendendo suas trevas sobre o mar e a ilha.
Um longo cortejo de sombras
move-se contra o fundo onde o clarão dos mísseis
e outras máquinas mortíferas irrompem
no deserto do continente devastado.

Senile apura a retina
e as sombras se vão gradualmente definindo.
São os homens
seus semelhantes que correm
e correm e prosseguirão correndo através dos séculos.
Correm como um cortejo de condenados a correr
sem direção e sem propósito.
Correm e entanto correm
como se na corrida cega portassem uma verdade.
E assim se chocam uns contra os outros
e se combatem e se destroem
como se o sentido da verdade que invocam
na supressão do outro se afirmasse.
E difícil senão impossível é ainda
dormir em paz em Insulândia.

Recife, 30 de outubro de 2001.

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