segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Lewis Coser
Masters of Sociological Thought, de Lewis Coser, é um livro de ciências sociais que releio periodicamente com renovado prazer. Um tanto à maneira de Isaiah Berlin, Coser traça fascinantes retratos psicológicos dos teóricos cuja obra expõe em seu livro. Já que principiei sugerindo um paralelo tópico com Berlin, penso não haver no gênero nada comparável ao que este escreveu sobre alguns russos excepcionais em Russian Thinkers, salvo o feito de Edmund Wilson contido nas páginas de To The Finland Station dedicadas à composição do caráter e da personalidade de Marx, Engels, Trotsky e outros grandes revolucionários inscritos numa linhagem histórica que, no livro de Wilson, vai de Michelet a Lênin. Comparado a ambos, Coser é uma inteligência de corte mais acadêmico. Ainda assim, não sei de livro de história das idéias sociológicas tão admiravelmente concebido e executado.
Ao selecionar 14 pensadores fundamentais na história da sociologia, acrescidos de um capítulo final intitulado “Recent trends in American sociological theory”, não se limita ele a uma exposição convencional das ideias mais fecundas, influentes e perduráveis na sociologia. Ajustando os capítulos individuais a um consistente plano geral, cada teórico é apresentado preliminarmente em relação aos aspectos relevantes da obra que produziu. Em seguida, é articulado ao contexto intelectual e ao contexto social. Assim procedendo, Coser invariavelmente ilumina a compreensão do autor, da obra e da época em que aqueles, autor e obra, se situam. Para alcançar tão brilhantes resultados, seleciona e analisa fatores de variada procedência, tanto traços relevantes da biografia dos teóricos estudados quanto fatores intrínsecos à composição da obra exposta; tanto as influências sofridas e exercidas quanto correlações referentes a autor, obra e recepção, nesta compreendida ora a recepção especializada, ora a geral.
Algumas das melhores passagens do livro concentram-se no delineamento do retrato psicológico dos sociólogos estudados por Coser. Surpreendo nestas páginas uma finura de percepção sócio-psicológica, uma atitude de simpatia humana orientada para a apreensão dos traços menos convencionais dos produtores de ideias inconcebível nas obras correntes do gênero. Praticamente todos os teóricos incorporados à seleção do livro merecem do autor esses esboços de retrato que, sendo embora críticos, ecoam em cada linha um sopro de tocante compreensão e humanidade. Como acima assinalei, não me lembro de nada que nesse estilo se compare ao ensaísmo crítico-biográfico de Isaiah Berlin e Edmund Wilson; ou ainda, lembra-me agora, os Portraits from Memory, de Bertrand Russell.
Guiado por um seguro e fecundo critério associável à sociologia do conhecimento, Coser estuda a produção e a recepção das ideias ressaltando os elos necessários que as vinculam à tradição intelectual, às condições do meio, influência e recepção. Outro modo de demonstrar que os teóricos e suas ideias não derivam de nenhuma manifestação espontânea, portanto isenta de qualquer tipo de causalidade, revela-se na sensibilidade crítica com que vincula as ideias e sua repercussão a fatores sócio-psicológicos. Valham como exemplo as páginas em que descreve acertadas e iluminantes correlações entre a rebeldia e a marginalidade intelectual de Marx e as peculiaridades da sua origem judaica, notadamente a vergonha ou pouco respeito que tinha pelo pai. Esquema semelhante lança luz sobre o marginalismo intelectual de Augusto Comte e Herbert Spencer e fatos peculiares a suas biografias.
Ressaltaria ainda, nesta breve anotação de leitura, a limpidez do estilo de Coser, a clareza com que expõe ideias por vezes áridas - quando não na substância, na forma como foram originalmente concebidas. Embora selecione e estude na sua obra autores inegavelmente clássicos – não obstante alguns, como é o caso de Thorstein Veblen, Charles Horton Cooley, Robert Park e Vilfred Pareto, sejam hoje praticamente ignorados nos círculos acadêmicos brasileiros – até o especialista ou sociólogo de osso e ofício passa por duras provações quando se aventura a ler a obra que produziram. Isso explica, em parte, o fato de tantos comentarem e até pontificarem sobre a sociologia de Marx, Weber e Durkheim, limito meu exemplo à Santíssima Trindade da tradição sociológica, sem todavia conhecê-la diretamente. Coser areja a cabeça do leitor iluminando e trocando em miúdos conceitos e teorias que este decerto penaria para adequadamente assimilar indo às fontes diretas. Assim, o leitor preguiçoso sai da leitura bem mais esclarecido sobre a grande tradição da sociologia. Quanto ao que quer ir além do grande comentador que é Coser, para este a obra constitui um exemplo de encorajamento fundamental para que doravante se arrisque a ir aos próprios clássicos.
Diário – Recife, 4 de julho de 2004.
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